Eficácia na busca de uma vida longa

O Japão é um mercado para mais de US$ 21 bilhões/ano em nutracêuticos, computados também vitaminas, minerais e energéticos. Atrás dos Estados Unidos, mas à frente da Europa. Um alimento funcional além da função básica de nutrição é capaz de mitigar os efeitos de uma doença ou mais interessantemente, preveni-la. Um nutracêutico neologismo ainda não digerido pela Agência Nacional da Vigilância Sanitária (Anvisa) é um forma enriquecida em bioativo(s) cuja origem é, usualmente, um alimento funcional. Aula de Hipócrates (200 a.C): “deixe a comida ser o seu remédio”.

O cidadão nipônico gasta anualmente US$ 166* com nutracêutico; o norte-americano, U$ 136; o europeu, US$ 92 (Yamagushi & Assoc.). A tradição oriental prega a auto-proteção com produtos naturais. Trata-se de mais 450 empresas e mais 340 produtos com aprovação governamental. São os ditos FOSHU (Food for Specified Health Use Alimentos para uso Especificado em Saúde), envolvendo normas até para embalagens, fiscalização e alegados de eficácia (claims). As duas definições alimentos funcionais e nutracêuticos (AF&N) – se sobrepõem com outros alimentos e até com fitoterápicos. Logo, a mais liberal estimativa diz de um mercado mundial (2003) de U$ 250 bilhões enquanto que a mais crítica se reduz a US$ 8 bilhões, mesmo assim uma cifra impressionante.

No Brasil, o tema se examinado criticamente do ponto de vista científico-tecnológico, registro legal e logística negocial apenas engatinha. A expectativa é que em 2005, os Estados Unidos, Japão e Comunidade Européia respondam por parcelas individuais entre 25% e 33% de todo mercado. Na América Latina (apesar de toda sua fito-biodiversidade) sobrariam esquálidos 6%.

No final de 2003, o consórcio Adetec Codel UEL incluiu o tema na X Jornada Tecnológica Internacional de Londrina-PR. Ali, representando a Seti e e Tecpar** fizemos a palestra contraponto nacional para o quebecois dr. Ives Desjardins, diretor acadêmico do Instituto de Pesquisas em AF&N (Université de Laval). Para quem não gosta de cenoura e seu – caroteno precursor da vitamina A pró-ativa para a retina e mecanismo da visão, atenção especial deveria ser prestada aos dois protetores para a doença da degeneração da mácula ocular, a luteina (também presente na gema do ovo) e a zeaxantina (pigmento amarelo do grão de milho) existentes nas flores do prolífico Tagetes ou cravo-de-defunto. Mais ainda no caso da astaxantina (outro carotenóide que tinge a carne do salmão; 2 centenas de vezes mais eficiente que o tocoferol para eliminar radicais livres), mas que se pode obter, em quantidades mais apreciadas, de probióticos como a levedura Xanthophlyllomyces (antes, Phaffia) ou a alga Haematococcus (o que a Univali-SC já está fazendo a partir da cepa que a ela cedemos na pessoa de nosso ex-orientado, dr. Marcos Pessatti).

Nossa maquinaria bioquímica envelhece (e morre) também por conta dos radicais livres ou espécies reativas do oxigênio. Os melhores “soldados” da dieta para combatê-los são os carotenóides e flavonóides. O oxigênio e água (alfa e ômega do dicionário redox do primeiro) são alimentos essenciais para a biota, mas pelo caminho permitem segregação de életron que gera venenos como o radicais livres superóxido e ânion hidroxil. Nosso foco também visou um pré-biótico, a inulina (polifrutose das raízes de dália; na Europa, da chicória) cujos fragmentos são apreciados pelas mui benéficas lactobactérias de nosso trato intestinal, cujos excretas metabólicos (como os ácidos butírico e propiônico) por sua vez inibem outros microcomensais nocivos, nativos ou infectantes, e por extensão seus danos que podem evoluir até para um tumor intestinal. Fechamos nossa apresentação com própolis, o mais notável coquetel de substâncias naturais benéficas da flora, riquíssima em flavonóides e outros fenóis, coletada pelo engenhoso trabalho das abelhas. São pesquisas em biotecnologia clássica que conduzimos há mais de década na UFPR. Bom ter a oportunidade de poder falar sobre o que o laboratório universitário pode fazer na base da motivação e empenho de um orientador e seus estudantes desde a iniciação científica até pós-doutorado. Sem necessidade de predar ou fazer currículo à custa da sudorese alheia.

Houve espaço também para “marquetear” a competência alheia : colegas da UFPR, UEL e UEM (nesta o ex-orientado de doutorado Silvio Costa, desbancando o esteviosídio com o rebaudiosídio, sem sobregosto amargo, a partir de uma super-Stevia) e alhures como a do próprio visitante canadense, um especialista em pro-antocianidinas que dão o róseo-avermelhado da cerejinha cranberry (Vaccinium macrocarpon) e sabidamente apta a bloquear a fixação de bactérias patogênicas implicadas na recidiva de infecções genito-urinárias e renais.

Desjardins poliglota francês mas através de um Inglês calmo e claro, complementado com fluente espanhol – centrou sua apresentação na conceituação fina do problema. Como exemplos :

A) 50% dos casos de hipertensão, diabetes tipo II (senil), arterioesclerose e distúrbios gastro-intestinais estão correlacionados à dieta.

B) dos 31 milhões de canadenses, 4,35 milhões são idosos com mais de 65 anos. O gasto com estes drena 42% de todo orçamento federal para saúde e sua expectativa média de vida é de 75 anos (ou seja uma década plena de gastos no período final de velhice) e no caso particular das mulheres da província de Québéc este número sobe para 81!

C) o mercado de AF&N cresce a uma taxa de 8% ao ano (interesse governamental em prevenir ao invés de remediar com respaldo da farmacopéia; público orientado pela mídia radio-televisiva e Internet).

D) as duas poderosas “âncoras” de expansão para AF&N: a indústria agroalimentar para os alimentos funcionais (acorda Paraná do interior ! celeiro da nação e ocupa teu lugar nos simbióticos = mescla de probióticos e prebióticos; 44% do mercado yankee em AF advém de cereais. No Canadá, o crescimento de ervas medicinais evoluiu 24% no triênio 1996-1998; Can $ 100 milhões / ano são investidos na área de pesquisa de AF&N ) e a indústria farmacêutica nos nutracêuticos***.

E) recomendação do consumo diário de 400g de frutas (obviamente ignorando as dificuldades de decolagem do “Fome Zero” nesta sua primeira visita ao Brasil).

Vida longa ? Comer para viver ao invés de viver para comer.

 

(*) o pessoal da Terra do Sol Nascente surpreende: 44% do mercado consumidor está centrado em “energérticos” e apenas 3,3% em controle de peso, excluídos, obviamente, os lutadores de sumô.

(**) de cujos notáveis funcionários com história me despeço após 1 ano de serviços prestados ao Governo Estadual e na condição de exonerado a pedido, agradecendo, de público, a confiança da nomeação ao Sr. Governador e Sr. Secretário de C,T&ES

(***) de fato, na extensa nomenclatura que se aplica, dois termos simpáticos são: “farmerceuticals” (o agricultor como agente de saúde; que belo “gancho” para inclusão social se atado à agricultura orgânica e créditos de carbono!) e “cosmeceuticals”, nutracêuticos destinados ao bem estar e beleza (cosméticos).

José Domingos Fontana é docente e orientador de pós-graduação no departamento de Farmácia da UFPR; consultor em QBB Quimio/Biotecnologia de Biomassa, pesquisador 1.ª A do CNPq, pós-doutor pelo NRC de Ottawa, Canadá e 11.º Prêmio Paranaense em C&T (1996) operando também em biodiesel.

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