Drogas de abuso: anfetaminas e ecstasy

Existem no mercado farmacológico várias drogas coletivamente designadas de anfetaminas. Seu consumo pode ser em formas farmacêuticas envolvidas (comprimidos e cápsulas, dando o usual sabor amargo), como injetáveis e aspiradas (desvio praticado por viciados). Comercialmente, o produto pioneiro, a benzedrina, veio à luz na França, já em 1932, como droga para o alívio da fadiga, alargadora dos brônquios e estimuladora do sistema nervoso central (SNC), através do hormônio norepinefrina ou noradrenalina. A benzedrina e sua análoga, methredina, tiveram amplo uso pelas forças armadas alemãs e ianques durante a 2.ª Guerra Mundial, para elevar o moral das tropas. Estima-se que, ao final da guerra, meio milhão de japoneses se converteram em viciados, fruto da dependência psicológica mas não física.

O grande apelo publicitário para as anfetaminas é sua capacidade, ainda que temporária, de supressão do apetite e daí a automedicação para propiciar o emagrecimento. Com a resistência desenvolvida pelo organismo advêm 2 riscos: a) doses cada vez mais crescentes e b) o estado de anorexia, ou seja, a rejeição a qualquer tipo de comida. Um sinal clínico claro da administração de anfetaminas é a aceleração dos batimentos cardíacos e, por conseqüência, o aumento da pressão sangüínea. Outro apelo das anfetaminas é o desempenho atlético, daí a situação comum de seu uso no doping de futebolistas, cavalos de corridas e em outras modalidades esportivas.

O ecstasy é a "menina da moda dentre as anfetaminas". É o embalo das baladas mais liberais. Trata-se da 3,4-metilenodioximetanfetamina ou MDMA. Tem intensa bioatividade psicoativa. Um similar, derivado etílico, é o Eve. A MDMA foi sintetizada em 1914 pelo Laboratório Merck como moderadora do apetite e restaurada 50 anos depois como elevador do estado de ânimo e como medicamento adjuvante em várias psicoterapias. Em 1970 iniciou-se seu emprego recreativo num claro desvio de função. Em 1988 chegou-se a estimar que praticamente 40% dos universitários americanos dos ambientes "rave" (dança aliada a subculturas) faziam uso do ecstasy para superar a timidez e elevar o desempenho na dança em ritmos mais acelerados. Dentre os alegados efeitos positivos provocados pelo ecstasy estão o adiamento das sensações de sono e fadiga, aumento da extroversão (empatogênese) e entactogênese ("sensação de um mundo lindo e todo certinho"), além de aguçamento dos órgãos dos sentidos no pico de ação da droga. Alguns lhe atribuem papel de melhor desempenho sexual. Dentre os negativos, estão a dificuldade de memória visual e verbal, a fuga de idéias, alucinações e eventualmente crises de pânico e depressão profunda, tudo dependendo, obviamente, da dosagem empregada, do tempo farmacocinético de ação (principalmente na etapa de ressaca) e do estado psicofísico do paciente ou experimentador. Estudos em animais têm demonstrado que o uso recorrente leva a danos celulares irreparáveis pelo excesso de serotonina nas fendas das sinapses cerebrais. Alguns exames post mortem em humanos confirmam que a massa cerebral apresenta um débito de cerca de 50% no teor de serotonina, um neurotransmissor-chave.

A dose "recreativa" pode oscilar entre 50 e 150 mg, mas há que se considerar que o MDA, primeiro metabólito hepático do ecstasy, ainda é psicoativo de maneira que o processo catabólico da droga e sua eliminação giram em torno de umas 8 horas até a degradação atingir o ponto de ácidos benzóico e hipúricos, inativos. Do ponto de vista clínico, 4 tipos de toxicidade são causados pelo ecstasy: a hipertermia (elevação da temperatura corporal), a neurotoxicidade (danos do aparato nervoso), cardiotoxicidade (disfunção cardíaca) e hepatoxicidade (danos do fígado, órgão-laboratório onde a droga é maiormente metabolizada). Este último efeito se revela por um estado ictérico (pele amarelada) podendo evoluir até sangramento e disfunção total com óbito (caso dos viciados incontroláveis e se auto-submetendo a constantes overdoses). A hiperpirexia (elevação de temperatura), principalmente no território cerebral, não é menos daninha. Biópsia de drogados que entram em óbito têm apontado petéquias cerebrais, hemorragias retinianas e tromboses variadas aliadas a alterações significativas dos perfis de eletrocardiogramas., além da rabdomiólise ou lesão dos tecidos musculares que ainda se pode somar à falência renal por congestão dos vasos afluentes a esses órgãos de depuração (Fonte: H. Kalant, Pharmacology and Toxicology of Ecstasy, Can. Méd. Ass. J., 2001, 165).

Brian Leibovitz (MAPS Newsletter, Volume IV Number 1) recomenda como paliativo para o ecstasy um coquetel de antioxidantes constituído de caroteno, bioflavonóides, acetil-cisteína, carnitina, vitamina E e selênio. Há outra receita muito mais simples: manter distância do ecstasy!

 O leitor provavelmente se desperta curioso para um detalhe comercial. Donde provêm essa verdadeira tonelagem de ecstasy sendo despejada nas sessões de "rave" e "de festas de embalo" se os grandes laboratórios descontinuaram ou reduziram sua produção? A resposta reside numa fonte natural do precursor da MDMA. Trata-se de uma planta que é relativamente comum em nossa flora e cujo extrato é exportado quase livremente. Por razões óbvias e pelo fato de a conversão química do precursor alil-catecol em ecstasy envolver simplesmente um par de reações nos furtaremos de publicitar esses detalhes.

Nota: Não faça de sua vida uma droga. Somente tome anfetaminas sob prescrição médica. Drogas medicamentosas são socorro inevitável para pessoas doentes. Continue sadio!

José Domingos Fontana (jfontana@ufpr.br) é professor emérito da UFPR no Depto. de Farmácia, Pesquisador 1.ª do CNPq e 11.º Prêmio Paranaense em C&T. 

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