Controle do Aedes por fitopesticidas

Uma campanha educativa resultou em notável redução de casos nacionais de dengue: 339.630 notificados em 2003 contra 794.219 em 2002. Os óbitos acompanham: 38 versus 150.

O mosquito transmissor, Aedes aegypti, pode se infectar com vários serotipos do flavivírus causador da doença. A fêmea somente cumpre o ciclo reprodutivo se alimentada com sangue (papel metabólico mediador do ferro, presente na hemoglobina). Tal qual outros insetos, o mosquito-da-dengue tem o corpo estruturado em um exo-esqueleto (incluídas as asas) constituído de quitina, um polímero rígido do açúcar N-acetil-glucosamina. O controle do mosquito pode ser feito com inseticidas de síntese química tais como os organofosforados Temephos e Fenitrothion e o piretróide Cipermterina, mas é bem conhecida, conforme avaliado pelo Prof. Mário Navarro, da Entomologia da UFPR, a resistência natural que os insetos vão desenvolvendo frente a estes praguicidas sintéticos.

Na tradicional medicina natural praticada há séculos na Índia (Ayurveda) se encontra registros para múltiplas aplicações para a planta sagrada designada de Neem (Nim) ou Azadirachta indica: desde o combate de nematóides do solo e fungos predadores dos grãos da colheita até piolhos, pulgas, ácaros e percevejos. O Nim foi introduzido no Brasil, pioneiramente, pelo IAPAR Instituto Agronômico do Paraná já em 1986 mas não experimentou grande progresso de propagação. A Dra. Suely Martinez é uma das especialistas no tema. Fazendeiros goianos e paulistas agora tem intensamente se devotado ao plantio do Nim e um dos apelos é a capacidade carrapaticida dos extratos de frutos e folhas. Recordar que a sucção de sangue por carrapatos é estimada como uma perda de cerca de 20% nos rebanho bovino brasileiro, um dos maiores do mundo.

Um nimicultor paulista nos pediu em 2001 algo como R$ 200,00 por quilo de sementes. Partimos então para uma alternativa já nacionalizada há mais de meio século: o cinamomo ou “Santa Bárbara” ou Melia azedarach (aquela das bolinhas verdes para o estilingue de qualquer moleque esclarecido). E´ uma parente taxonômica do Nim e cresce praticamente em todo território nacional. Seus frutos são mais arredondados do que o Nim (fig. 1). Estas plantas, tal qual o mogno e andiroba, pertencem à família das Meliáceas. Para o Nim estão descritos mais de meia centena de princípios bioativos e dentre eles aquele dominante como anti-inseto: a azadirachtina (fig.2), um nor-tetra-triterpenóide (limonóide). No cinamomo, a meliacarpinina é uma assemelhada. Estes limonóides interferem na “maturação química” do hormônio beta-ecdisona essencial para o ciclo reprodutivo ou morfogenético (fig 3) do Aedes aegypti, o que envolve intensa biossíntese de quitina. Sem esta não há envolvimento protetor e formato rígido anatômico para o corpo do inseto. Tampouco asas. E pernilongo (fêmea) que não voa, não pica. Interrompe-se pois o ciclo biológico na “fonte”. Os ovos do inseto (fig. 3) não evoluem para as demais formas : larva, pupa e inseto adulto. É típico da biologia do inseto, para acomodar o tamanho do corpo em crescimento, fazer a troca (no estágio de larva e de pupa; ninfa em outros tipos de animais volantes) da “roupagem externa quitinosa” ou exoesqueleto de exúvia. E é exatamente isto que os limonóides impedem. O tema correspondeu à tese de mestrado de nossa orientada Carolina Bueno Wandscheer cujos dados animadores estão sendo publicados em revista internacional de alto impacto {J.D.Fontana et al., Toxicon (Elsevier), set-2004} .

O tema se nos revelou de grande gratificação pessoal pois concilia duas facetas que deleitam qualquer pesquisador : por um lado, a sofisticação bioquímica envolvida no mecanismo de ação dos limonóides naturais que enseja desdobramentos para a área de Biologia Molecular e por outro, o estabelecimento de uma tecnologia de preparação e uso até bastante simples: extratos etanólicos ou hidro-etanólicos, portanto ao alcance de qualquer pequeno agricultor, estudantes e mesmo de uma dona-de-casa. Sementes são trituradas, colocadas em contato com o álcool, coadas por gaze dupla e então está pronto o extrato caseiro para ser aplicado em pneus abandonados, xaxins ou qualquer outro sítio encharcado como poças, piscinas de chuvas ou esgotos parados.

José Domingos Fontana (jfontana@ufpr.br) é pesquisador 1-A do CNPq, 11. Prêmio Paranaense em C&T (1996) e fundador do LQBB Laboratório de Quimio/Biotecnologia de Biomassa (1982) na UFPR. Pesquisador e Orientador Voluntário nas Pós-Graduações de Ciências Farmacêuticas e Bioquímica/Biologia Molecular-UFPR.

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