BIODIESEL: 2. aditivos políticos

A série de seminários internacionais “Hart ? World Fuels Conference”, com apoio de uma fortíssima ONG texana, o IFQC ? International Fuel Quality Center, realizou na semana de 23 a 25 de junho p.passado um evento de primeiro mundo no Sofitel Palace no Rio de Janeiro. Um terço do tempo, a rodada final, ficou destinada aos “Biocombustíveis na América Latina”. Chamadas a expor a Petrobrás, a USP e a UFRJ, um trio bastante inserido na corrente de ativação do biodiesel no território brasileiro. Candace Vona, dirigente do IFQC e ouvinte da conferência plenária que proferimos em Palm Springs, CA, USA no início deste ano em nome do MCT, SETI-PR e TECPAR durante a “National Biodiesel Conference & Expo-2004” nos solicitou uma palestra de abertura no tema de “Biodiversidade das Oleaginosas Brasileiras e um Lugar no Biodiesel Mundial”. Levamos ao seleto público, com o apoio do Reitor da UFPR Prof. Moreira Jr., um pouco mais do que nos foi solicitado. Desde a realidade política até a janela de inovação que o tema deste neo-combustível comporta : a) o PL 3368 de abril/2004 do Dep. Fed. cearence Ariosto Holanda preconizando a adoção da B2 (mistura obrigatória de 2% de biodiesel em diesel) e mais do que isto, a absorção ? também obrigatória ? por parte da rede nacional de distribuidores de combustíveis de 50% da produção do biodiesel oriundo de políticas públicas para alavancar a co-participação do campo e do pequeno agricultor na consolidação desta nova matriz energética combustível; b) o enfático discurso do Secretário geral da UNCTAD (Conferência das Nações Unidas para o Comércio e Desenvolvimento), filiada à ONU, Rúbens Ricúpero, pautado em palavras-chave tais como dependência do petróleo, crise energética mundial e solução pela alternativa das biomassas (o biodiesel nacional é verde pela própria natureza : etanol da cana e ácidos graxos de oleaginosas como soja, algodão, girassol, amendoim, nabo forrageiro, mamona, babaçu e dendê); c) inovações na síntese, como os LUBDs (“Less Usual Biodiesels”), um deles, como já sintetizamos e testamos, mantendo-se liquefeito a -20oC. E este é um gargalo difícil para os americanos e europeus cujos invernos tendem a cristalizar o biodiesel nos tanques e condutores da bomba injetora; d) alternativa analítica para o temível “índice de iodo“, uma medida do grau de insaturação dos óleos nativos e biodíseis derivados: quanto maior, maior fluidez, menor viscosidade e maior resistência ao congelamento. Mas também quanto maior, menor a qualidade do biodiesel frente à degradação redox pelo ar, luz e calor, uma questão importante no segmento negocial de armazenamento e transporte do biodiesel onde a oxidação é indesejável; e e) a experiência, ainda em curso da URBS e filiadas, coordenada por Elcio Karas (exemplificada com os 20 ônibus Mercedes-Benz e Volvo da Viação Marechal) que não está apontando diferença de consumo específico entre o diesel e a inovadora mistura ternária MAD (diesel + 8% de etanol anidro + 2,6 de biodiesel etílico de soja fornecido pela ECOMAT matogrossense), além de um bônus notável de redução de matéria particulada (fuligem) lograda com a dita mistura combustível.

A Petrobrás (> R$ 17 bilhões de lucro no exercício fiscal de 2003) e nisto está embutido um comércio e consumo de cerca de 40 bilhões de litros de diesel / ano, apresentou-se bastante reservada no que diz respeito à inovação na síntese de biodiesel, qual seja, a obtenção do produto diretamente na semente de mamona. Depositou patente no INPI mas polidamente recusou esclarecimentos do impacto que a nova tecnologia deve causar seja no Brasil ou mesmo mundo afora. A USP, através de seu campus de Ribeirão Preto, exibiu notável progressos sobretudo na capacidade aglutinadora do segmento industrial interessado, com ênfase para a parceria com a Peugeout, a qual também despachou conferencista para o evento. A cia. francesa tem a mais sólida experiência no uso de biodiesel na comunidade européia (> 10 anos) embora em termos de volume de produção a Alemanha seja a líder inconteste (> 1 milhão de toneladas em 2004). Matérias-primas européias : exclusivamente o óleo de canola (uma variante da colza) e metanol de origem petrofóssil. A UFRJ se concentra em fontes de matéria prima sensibilizadoras da opinião pública: a escuma gordurosa de esgoto e óleo de cozinha reciclável (e.g., rede McDonalds).

Na etapa inicial do evento se viu a presença de corporações gigantescas e empresas de altíssimo grau de especialização tecnológica no ramo da petroquímica, mãe dos diesels (“D” metropolitano, “B” interior e marítimo). Akzo Nobel, AspenTech, Exxon-Mobil, Lubrizol, Octel. Uma pletora de aditivos e um grande apelo e avanços no subtema de dessulfurização de diesel (e.g., ConocoPhillips), baixando o enxofre nativo de suas 1.000 – 500 ppm para menos de 20 ppm (partes por milhão). As formas de enxofre orgânico e inorgânico, nativas no petróleo, passam em parte para o diesel, que queimado, gera o anidrido sulfuroso (SO2) o qual por, sua vez, hidratado pela umidade atmosférica ou chuva, baixa à Terra já na forma de um mensageiro nefasto para a flora e fauna : chuva ácida, ou quimicamente, ácido sulfúrico !.

Nem tudo para o biodiesel são, todavia, rosas. A safra brasileira da maior oleaginosa, soja, é entre 25 e 500 vezes maior do que a das demais oleaginosas que lhe seguem (algodão > amendoim > mamona > girassol). Com um grão com um teor médio de apenas 18% em óleo (o resto da torta é praticamente proteína), o téorico de óleo de toda soja brasileira não chegaria a 10 milhões de toneladas / colheita-ano. Na figura. 1 estão as projeções de “desvio” de óleo de soja para os cenários de biodiesel na base da adoção da B2 e B5. Sem uma estreita regionalização de produção e uso, obviamente a 2ª. opção, B5, é, por ora, inexequível pois consumiria 1/5 da disponibilidade total de óleo de soja. Cabe recordar que apenas a China, em 2003, importou 6 milhões de toneladas de grãos de soja do Brasil. A safra concluída em 2004 ficou aquém do esperado, repetindo a cifra de 2003. As alternativas mais próximas (caroço de algodão, girassol, mamona e amendoim) são, ainda, profundamente tímidas. O babaçu (nativo) ocorre muito espalhado (e.g., Maranhão) e a ruptura do fruto (um coquinho duríssimo) está aquém do grau de tecnologia convincente. Além do que, no mercado interno de junho, uma tonelada de óleo de soja degomado era vendida a R$ 1.850,00 enquanto a de babaçu (encantando os europeus para sabonetes, xampus, etc) subia a R$ 3.400,00. O dendê já tem algum plantio concentrado e manejado na região amazônica, onde aliás acaba de ser lançado o Parábiodiesel. Está mais atraente: R$ 1.950,00 / ton. Se tudo ficar por conta da soja para sustentar uma política de biodiesel, vai acabar tendo razão o Prof. Francelino Grando, do MCT : risco sério de canibalização deste agronegócio.

O outro paranaense no evento, Mário Massagardi, da gigante Bosch-Curitiba, expôs o estado-da-arte em tecnologia automotiva, desde o aprimoramento do motor diesel para baixar a temível emissão de MP (matéria particulada; fuligem; fumaça negra) donde se concentra o que de pior tem o diesel, os hidrocarbonetos poliaromáticos (cancerígenos !) até a sofisticação do “common rail“, sistema injetor que opera a uma pressão de 1.800 atmosferas e tempo praticamente zero entre uma injeção e a subseqüente.

Na planilha de custos estritos (matérias-primas : óleo vegetal, etanol e soda para a etapa de transesterificação) e não computando o ganho paralelo com a glicerina, um subproduto nobre mas apenas passível de co-exploração através de empresas de maior porte, o custo dominante para produzir o biodiesel (> 90%) é o do próprio óleo vegetal (fig. 2), pois embora se trabalhe, ma prática, com excesso de etanol para deslocar a reação no sentido da síntese do biodiesel, este excesso de álcool é facilmente recuperado por destilação, o que aliás facilita bastante a recuperação da glicerina (mais densa) na porção inferior do reator (o biodiesel, mais leve, fica na fase superior da partição).

Nos USA, cujos cidadãos patrocinaram juntamente com a Petrobrás o evento do Rio de Janeiro, está nas bancas o número de Maio/Junho da “Biodiesel Magazine” que já contempla na capa a chamada para o artigo “Biodiesel in Brazil”. A free lancer L. Aronow, quem nos entrevistou, resgata alguns conceitos, na matéria assinada, do que lá expressamos em termos de política e tecnologia brasileiras e na ocasião (fevereiro/2004), ainda nos cargos de coordenador pro-tempore do CERBIO ? Centro Brasileiro de Biocombustíveis e de Diretor Técnico/2003 do TECPAR. Nesta semana a Câmara Federal de Deputados, através do CAEAT ? Conselho de Altos Estudos e Avaliação Tecnológica, em trabalho encabeçado pelos deputados nordestinos Ariosto Holanda (CE) e Luiz Piauhylino (PE), traz à luz o livro “Biodiesel e Inclusão Social”, no qual figurará a palestra que ministramos aos Srs. Deputados no início deste ano. Um bom catecismo de cabeceira para qualquer prefeito. Semeadura que já está dando frutos não importando algum predador à espreita para surgir como herói de colheita por não saber lançar sementes. O biodiesel está mais do que na hora. Falta o apito de largada do juiz maior, promulgando o dispositivo legal, isto se Brasília resolver sossegar um pouco.

José Domingos Fontana

(jfontana@ ufpr.br) é pesquisador 1-A do CNPq, 11º. Prêmio Paranaense em C&T (1996) e recipiente da Comenda Nacional de Mérito Farmacêutico do CFF (Conselho Federal de Farmácia).

Voltar ao topo