A idéia de “importar” (sem qualquer consulta aos malacologistas e ecologistas locais) o caramujo gigante africano Achatina fulica era substituir ou concorrer com a cultura do dócil e menor Helix pomatia ou escargot, iguaria da refinada culinária francesa.

Sem encontrar inimigos naturais, mais prolífico e de hábitos mais agressivos, o Achatina está progressivamente expulsando a versão local, o Megalobulimus paranaguensis (aruá), também hóspede natural do litoral paranaense. Na falta da gastronomia esperada (o brasileiro não é francês, mas nem por isto bobo) e por conta de intensa reprodução, Achatina tornou-se uma praga devastadora que vai se espalhando pelo País todo.

O Brasil é espelho latitudinal da África e daí as condições semelhantes de clima, pluviometria e flora. Achatina é um predador eficiente de biomassa verde ou seja as olerícolas de subsistência do microagricultor (alface, tomate, feijão, mandioca). Isto se dá através de um poderoso complexo enzimático no suco gástrico. O tema foi objeto da tese de nosso 1.º orientado de doutorado na UFPR, o Prof.-UEM Munif Gebara e ainda pode ser um destino biotecnológico interessante para o caracól (as enzimas importadas são caras) ao invés de simples destruição mecânica ou com defensivos agrícolas e seus ônus ecológicos paralelos. Dentre outras finalidades elas se prestam à preparação de protoplastos de vegetais, fungos e leveduras (células nuas; sem parede celular) uma ferramenta útil para a Biologia Molecular. Na época, preparamos protoplastos de plantas de alto interesse econômico como Araucaria angustifolia (pinheiro-do-Paraná) e de Stevia rebaudiana (fonte comercial do edulcorantes rebaudiosídio A). As volumosas conchas podem para abrigo de aquários ou como fonte de cálcio para ajardinamento, se moídas.

Tais caracóis, diferentemente de outros animais cuja reserva energética açucarada é o glicogênio (polímero de glucose), acumulam na glândula de albúmen uma outra reserva : galactogênio (um polímero de galactose). Nele encontramos (tese de Mestrado do Major Ciro Ben Hur Torres Galo; J.D.Fontana et al., (1985), Carbohydrate Chemistry, 143, pg. 175-183) a ocorrência de aminoetilfosfonato, uma rara e resistente ligação direta entre Carbono e Fósforo, o que pode ser de utilidade na concepção de inibidores da biossíntese desta reserva e portanto no controle da população do molusco.,

O Achatina adulto pode atingir 200 g, fato obviamente motivador da “inovação gastronômica” pretendida pelos importadores. Não julgamos viável tal mistér pois a parte mole se assemelha a um elastômero (borracha !) sem se contar a questão do sabor que marca a delicatesse presente no escargot verdadeiro. Em Cuba Achatina já está infestado pelo nematóide Angiostrongylus cantonensis causador da meningite eosinofílica. Estes vermes podem ser eliminados junto com o muco (secreção pegajosa que o molusco vai liberando à medida que se movimenta) : um risco sério, no caso de animais infectados, para o ambiente escolar onde se expressa a curiosidade natural das crianças em tocar e manipular pequenos animais. O pesquisador do IBAMA, Celso do Lago Paiva relata uma outra ocorrência ainda mais preocupante : moluscos mortos, dada a riqueza protéica das partes moles, abrigam larvas do mosquito-da-dengue, Aedes aegypti (tema de nosso próximo artigo em O Estado).

José Domingos Fontana (jfontana@ufpr.br) é pesquisador 1-A do CNPq, 11.º Prêmio Paranaense em C&T (1996) e fundador do LQBB Laboratório de Quimio/Biotecnologia de Biomassa (1982) na UFPR. Pesquisador e Orientador Voluntário nas Pós-Graduações de Ciências Farmacêuticas e Bioquímica/Biologia Molecular-UFPR.

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