A apaixonada e ousada Julieta de Romeu, a submissa Desdêmoma de Otelo, a frágil heroína Ofélia de Hamlet e a ambiciosa Lady MacBeth são apenas algumas das personagens criadas pelo inglês William Shakespeare. Sua obra – que soma 37 peças, 154 sonetos e diversos poemas escritos entre os séculos XVI e XVII – está repleta de mulheres.

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Verdadeiras “camaleoas”, elas são donas das mais diversas personalidades, como explica a professora da Uniandrade Anna Stegh Camati, pós-doutora em Estudos Shakespearianos na Universidade Federal de Santa Catarina (UFSC). Anna explica que, apesar de haver certa mobilidade social naquela época, a sociedade tinha uma estrutura patriarcal estratificada. A mulher era submissa e sua identidade era restrita ao sexo.

Como o dramaturgo inglês deu voz às personagens femininas, muitos críticos o consideram feminista. Anna, entretanto, prefere não rotulá-lo, alegando que o autor retratou homens e mulher com igual maestria e perspicácia. “Ele evidenciava a capacidade da mulher de transcender os limites de sua condição dentro do sistema patriarcal. Guardadas as devidas proporções, é possível realizar leituras contemporâneas das personagens femininas, visto que Shakespeare deu vez e voz às mulheres”, afirma.

A adaptação de 1996 da tragédia Romeu e Julieta para os cinemas é a prova de que Shakespeare tratava de temas atemporais e universais.  No filme, a rivalidade entre os Montéquio (da família de Romeu) e os Capuleto (Julieta) é representada pela disputa pelo poder entre duas famílias de empresários. Por sua vez, o filme Ela é o cara (2006) foi baseado na comédia Noite de Reis, no qual a personagem Viola aproveita que o irmão vai viajar e se passa por ele na tentativa de jogar futebol com os amigos dele. Na comédia original, Viola se perde do irmão num naufrágio e se veste de homem para conseguir ajuda.

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“Viola, Rosalinda, Jéssica, Pórcia e outras, eram representadas por atores travestidos de mulher, que depois, por necessidade das tramas, se disfarçam de rapazes”, conta Anna. Aliás, é justamente nas comédias do autor que as mulheres se destacam, segundo a professora. Além de Viola, ela cita Pórcia (O Mercador de Veneza), Beatriz (Muito Barulho Por Nada), Katherina (A Megera Domada) e Rosalinda (Como Gostais).  

Para Anna, as personagens de Shakespeare, são complexas e multifacetadas. A técnica do disfarce era usada como tática para confundir as identidades e subverter a visão tradicional da mulher da época, aludindo à igualdade entre os sexos e questionando a limitação dos papéis femininos. Em O Mercador de Veneza (1598), por exemplo, três personagens femininas, Pórcia, Nerissa e Jéssica, se vestem de rapazes para cumprir funções diversas. Esta situação também é lembrada no filme Shakespeare Apaixonado (1998), vencedor do Oscar de Melhor Filme.

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“Ele sugere que a restrição do papel social da mulher é mera criação cultural e, como tal, comportamento aprendido através do processo de socialização que condiciona diferentemente os sexos para cumprir funções específicas e diversas, como se fossem partes de sua própria natureza”, explica. Essa naturalização que inferioriza o sexo feminino, segundo Anna, é constantemente criticada, ridicularizada, desacreditada e subvertida nas comédias de Shakespeare.  “Suas heroínas são fortes, inteligentes e decididas. Possuem agudeza de espírito, perspicácia, determinação, audácia, independência, versatilidade e fluência verbal”.  

Tragédias

Apesar de os protagonistas das tragédias serem predominantemente masculinos, Anna cita que, em Romeu e Julieta e Antônio e Cleópatra, as heroínas compartilham o destino trágico dos heróis. “Muitas personagens femininas das tragédias, tais como Julieta, Lady, MacBeth, Desdêmona e Cleópatra, são personagens marcantes e fortes. A ousadia de Julieta é reconhecida pelos críticos: ela questiona a autoridade paterna e se recusa a seguir os códigos da estrutura patriarcal, priorizando sua identidade pessoal em detrimento do social”, lembra.

Afinal, quem foi ele?

Uma grande polêmica ronda o dramaturgo e poeta desde o século XVIII, quando a autoria de sua obra começou a ser contestada. Um dos motivos é que há poucos registros em vida do inglês, que teria nascido em 23 de abril de 1564 em Stratford-upon-Avon e morrido em 1616 justamente no mesmo dia e mês.

Até a década passada, apenas três retratos do inglês eram conhecidos do público, como o sóbrio Retrato de Chandos, do século XVII, atribuído a John Taylor e cuja autenticidade é contestada até hoje. Em 2009, foi descoberto um novo retrato do bardo inglês, que pode ser o único feito em vida. Na época, o diretor Stanley Wells, do Instituto Shakespeare, se disse convencido que os demais retratos dele eram meras cópias. A imagem, que por séculos foi conservada na coleção da família Cobbe, mostra o autor mais jovem.

Quanto à autoria de sua obra, vários elementos suscitaram dúvidas em personalidades como Sigmund Freud, Henry James e Mark Twain. Uma delas é a qualidade superior dos textos, que só poderiam ter sido escritos por intelectuais. Essa teoria da conspiração foi explorada no filme Anonymous (2011) e já foi tema de vários livros, como o recém-lançado Quem escreveu Shakespeare (Editora Nossa Cultura).

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