Lenda Viva

Jogando na Baixada, Joel tornour-se ídolo carrasco

O Atlético foi para aquela final no dia 14 de dezembro de 1983 tentando reprisar uma façanha que não conseguia há 53 anos: ser bicampeão paranaense. A última vez tinha sido em 1930, depois de vencer, naturalmente, o título do ano anterior. Bem, uma decisão é sempre uma decisão. E um Atletiba é sempre um Atletiba – por mais inocente, sempre tem um clima hostil de decisão. Mas quando um clássico desta natureza vale um título, a temperatura sobe entre jogadores, torcidas, diretoria e até a imprensa fica assanhada. Afinal é garantia de muitas emoções. Mas quando um Atletiba vale um bicampeonato para um time com mais de cinquenta anos sem saborear tal façanha, o jogo toma outra dimensão. Aí já é um clima de guerra.

Para ganhar aquela parada, o Atlético não precisava de qualquer jogador, precisava mesmo era de um carrasco. O Rubro-Negro nem desconfiava, mas o carrasco entrou em campo naquele dia. O carrasco era magro, alto, 1m85 e seu nome era Joel. Um centroavante matador, principalmente quando o adversário vinha do Alto da Glória e usava a camisa alviverde. “Os dois jogos daquela decisão foram no Couto Pereira. Hoje eu me lembro que, no primeiro jogo, numa quarta-feira à noite, houve uma falta na esquerda. Abel cobrou para Jorge Luís, que não teve para quem passar e devolveu para Abel. Ele cruzou na área. A bola bateu na mão de um zagueiro. Ela vinha na minha cabeça. Eu ergui os braços pedindo pênalti e o juiz não deu. Mas Élvio e Gardel se enrolaram com a bola, Jairo saiu para pegar e quando eu vi ela estava na minha frente. Eu empurrei para o fundo do gol com a perna esquerda. E depois saí vibrando para o lado da torcida do Coxa, batendo no peito e mostrando a camisa do Atlético. Um a zero. Ganhamos a partida naquela quarta-feira à noite e o segundo jogo seria no domingo à tarde, dia 18”, relembra hoje o matador daquela noite.

“Nós íamos jogar a segunda partida pelo empate. Mas se o Coritiba ganhasse, a coisa complicava. Pelo regulamento, o jogo ia para a prorrogação e se ela terminasse empatada na prorrogação, o Coritiba era campeão porque fez campanha melhor. O nosso time todo, que não tinha feito grande campanha durante o campeonato, agora estava animado”, continua Joel. “Veio o segundo jogo. E mais uma vez eu marquei. É engraçado, esse gol eu não esqueço. Está vivo na minha memória. O Coritiba precisava ganhar, mas quem saiu na frente fomos nós. Aos 19 minutos do segundo tempo. O Jorge Luiz cruzou e eu antecipei o lateral André e quando o Jairo foi perceber, a bola já estava dentro da rede. A bola entrou, voltou, bateu na rede lateral e entrou de novo. Quando o goleiro foi olhar, a bola estava voltando para o fundo pela segunda vez. O Coritiba ainda marcou no final da partida com o Lela, mas quem deu a volta olímpica fomos nós. E como eu estava no time que foi campeão no ano anterior, embora entrasse no lugar do Washington, eu também era bicampeão”, recorda o centroavante.

Mas os dois gols naquela decisão história não aconteceram por acaso. “Naquele ano, por causa da fórmula do campeonato, que teve muitos jogos, foram disputados seis Atletibas. Eu marquei cinco gols e no único jogo que não marquei, acabei sofrendo um pênalti”, diz Joel sobre o belo ano de 1983. E, se precisasse de mais provas para demonstrar que ele era um verdadeiro carrasco, Joel contabiliza em suas estatísticas pessoais quinze Atletibas pelo time profissional. “Se for ver bem, até que não disputei tantos Atletibas, assim. Mas nestes quinze eu marquei doze gols”, diz ele. Uma relação custo-benefício até que muito boa. O primeiro destes gols contra o tradicional adversário, segundo Joel, foi marcado num empate pela contagem mínima na Baixada, em 1981, quando ele ainda tinha 19 anos. Sem contar os gols feitos pelo time de juniores. “Em 1982, pela Copa da Tribuna, eu marquei duas vezes no empate contra o Coritiba que nos deu o título daquele ano”, recorda. “O título de carrasco foi dado no final de 1983, mas a torcida j&,aacute; identificava esta característica, porque as partidas dos juniores eram preliminares dos jogos dos profissionais”, diz ele. E nestas partidas, quando o adversário era o Coritiba, Joel se destacava.

Além do título de 1983, o jovem atacante, que fez naquele ano sua primeira temporada como titular efetivo, também foi vice-artilheiro do campeonato, com 12 gols, um apenas atrás de Amarildo, jogador que o Pinheiros emprestou para brilhar no Toledo Futebol Clube. E ainda naquele ano, durante o Campeonato Brasileiro, no qual o Atlético ficou em terceiro lugar depois de ganhar de 2 x 0 no Couto Pereira do Flamengo de Zico e Cia, Joel já tinha feito um gol de cabeça no empate pela contagem mínima contra o Brasil de Pelotas.

Praga do artilheiro

Em 1988, um episódio com o técnico do Atlético, Nelsinho Batista, determinou a ida de Joel para o Marcílio Dias. “Um dia meu filho teve um problema no olho, que ficou inchado. E minha mulher pediu para eu ir com ela ao médico. Eu fui, o médico consultou e deu remédio e eu fui treinar. Cheguei uns quinze minutos atrasado e justifiquei que o problema era de saúde. Mas o Nelsinho nem quis saber e foi dizendo: comigo você não joga mais. Eu tentei argumentar, mas ele não quis saber. Então, como a decisão dele já estava tomada e eu não podia fazer nada e eu fiquei de cabeça quente eu falei um monte de coisas para ele. Aliás, a coisa não ficou só na falação. Na realidade, eu queria enfiar a mão na cara dele e não fiz isto porque o Hélio Alves entrou no meio da confusão e me afastou”, conta Joel. Resumo da história: o ano de 1988 se fosse para ser bom, ia ser longe da Baixada.

Depois do incidente, Hélio Alves chamou Joel e disse: “O Levir Culpi assumiu o Marcílio Dias e quer levar você para lá. O que você acha?”, relata Joel. “Quando ele disse isto, estavam na sala o Nelsinho Batista e o Hélio Alves. Eu disse que tudo bem, mesmo porque se eu quisesse ir jogar, teria de ir embora. Mas eu olhei para os dois e disse, mais por falar que não ia sair sem dizer alguma coisa: escreva bem o que eu vou falar Nelsinho, estou indo para o Marcílio Dias, mas eu vou ser artilheiro do campeonato catarinense”, diz Joel. Não deu outra. “Eu cheguei depois que o campeonato tinha começado, fiz 18 gols e saí antes do campeonato terminar, porque o Atlético me chamou de volta. Ainda assim, fui o artilheiro de 1988 pelo Marcílio Dias, como eu havia prometido”, diz ele.

Em 1989, Joel foi mais longe. Foi emprestado para o Sport Clube Recife para disputar o Campeonato Brasileiro. No fim do ano ele voltou para o Marcílio Dias, que pretendeu comprar o seu passe junto ao Atlético. “Mas a diretoria do Marcílio deu um cheque sem fundos e o Atlético me vendeu para o Joinville, num negócio que envolveu o jogador Geraldo Pereira”, diz ele. Resumindo: em 1990, Joel estava no Joinville. Ele ficou no Joinville dois anos e depois retornou mais uma vez ao Marcílio Dias, ganhando passe livre em 1993. “Eu fui parar no Sorriso de Mato Grosso, onde ajudei o time a conquistar o bicampeonato estadual”, diz Joel. No segundo semestre de 1993, ele foi para o Atlético de Ibirama, de Santa Catarina e em seguida, com 31 anos, encerrou a sua carreira no Rio Branco de Paranaguá.

Carrasco começou no Alto da Glória

O nome da fera é Joel Raimundo da Silva, natural de Blumenau, Santa Catarina, onde nasceu no dia 19 de outubro de 1962. “Mas eu vim para Curitiba bem novo, com oito anos de idade”, diz ele. No ano seguinte, ele quis entrar para um time de futebol. E o mais curioso foi que o futuro carrasco do Coritiba começou justamente no Coritiba. “Aos nove anos, em 1971, eu passei por uma avaliação do professor Miro na categoria dente-de-leite do Coritiba. Depois, em 1976, eu entrei para o Floresta, do bairro Pérola. Três anos depois eu apareci no Colorado, para tentar entrar para a categoria juvenil”, conta ele.

O mais curioso é que por aquele tempo, Joel torcia para o time de Vila Capanema. Mas ele ficou bem decepcionado com o pessoal do Colorado: “Eles nem me deixaram treinar”. Como ele queria jogar futebol, esperou aparecer uma nova chance. “Foi então que um amigo chamado Izak me levou para o Atlético. O treinador na época era o Benedito Bandeira que me ,conhecia dos tempos em que eu joguei na escolinha do Coritiba. Foi aí que tudo começou. Eu fiz uma avaliação, fui aprovado e fui registrado no quadro infanto-juvenil, onde eu fui campeão e artilheiro com 28 gols. Neste período, ainda no time júnior, por falta de jogadores para compor o banco de reserva do time profissional, eu fui muitas vezes chamado para ficar na reserva do Washington. Em 1980, eu fui para os juniores e ficava no banco do profissional em 1981. Como eu ainda disputava partidas pelos juniores, eu fui artilheiro da Copa Tribuna com 12 gols, em 1981. Em 1982, eu estava no profissional na condição de reserva do Washington. Mas no segundo semestre eu fui cedido para disputar a Copa São Paulo pelo Matsubara, que era sempre no começo do ano, em 1983. O Matsubara era o grande time de futebol júnior do Paraná nos anos 80, sendo campeão estadual sete vezes. Nós ficamos em terceiro lugar na Copa São Paulo. Aí, em 1983, eu fiz contrato profissional com o Atlético e neste ano fui titular do time. E ganhamos o título em cima do Coritiba”, diz ele.

Uma aventura na Europa

“Em 1988, tive uma proposta para ir para a Europa. E o Atlético estava interessado em me vender. O empresário Lamberto Giulidoro, que levou o Zico para a Itália, queria me levar para a Europa. Fui parar no Bellinzona da Suíça. Este time é tradicional, foi campeão em 1948, mas funciona como estágio para os clubes italianos. A Roma tem parceria com o clube. Cheguei, treinei e agradei. No primeiro treino fiz um gol. O Atlético pedia 80 mil dólares pelo meu passe. Os dirigentes do time suíço gostaram de mim, mas na hora de fechar o negócio, disseram que o preço era caro. Eu perguntei: mas vocês não têm 80 mil dólares para comprar o meu passe? Eles responderam: o Giulidoro disse que você custa no mínimo 200 mil. O Atlético queria 80 mil e o sujeito estava me vendendo por 200 mil. Eu já não gostei daquilo. Aí nós fomos para o Chievo, de Verona. Num treino, eu fiz o gol de cabeça e levei uma pancada no nariz, que abriu. Aí o Giulidoro disse que ia me levar para outro time. Eu não gostei e disse que queria vir embora para o Brasil. Este empresário comprou passagem de volta, mas só até o Rio de Janeiro. Minha sorte é que eu tinha alguns dólares no bolso e pude voltar para Curitiba. Foi uma aventura que não me deixou saudade”, recorda.

Três títulos

Joel jogou no Atlético de 1980 a 1983, voltou em 1985 e ainda jogou em 1988. Foi campeão paranaense três vezes: 1982, na reserva de Washington; em 1983, autor dos gols da final e em 1985, alternando atuações e banco.

Coincidência

Joel nasceu em Santa Catarina e jogou por duas ocasiões no Marcílio Dias, onde foi artilheiro do Catarinense. Ele também foi técnico do time catarinense. E ele mora em Curitiba, justamente na Rua Marcílio Dias.