Lenda Viva

Garcia aprendeu a cabecear com o imortal Baltazar

Um dia a ficha caiu no Estádio Vitorino Gonçalves Dias, em Londrina, no Norte do Paraná. Foi num domingo, dia 18 de janeiro de 1976, contra a Catanduvense. O atacante que apareceu em 1968 como grande promessa do Corinthians Paulista, que estreou profissionalmente em 1972 com 17 anos, que foi centroavante da Seleção Brasileira de Juniores campeã mundial em Cannes em 1973 e que há anos não emplacava seu futebol, encontrou a sua torcida, encontrou o seu clube, encontrou a sua cidade e ficou marcado para sempre como o maior ídolo do Londrina Esporte Clube de todos os tempos. Seu nome: Carlos Alberto Garcia. E a coisa começou de um jeito que ele nem percebeu, num amistoso.

“Em dezembro de 1975, eu estava no Saad de São Caetano. Tinha feito um bom campeonato paulista e voltei para o Corinthians. E aí o Jacy Scaff e o Renê Toledo, que eram diretores do Londrina, foram a São Paulo para me contratar”, diz Garcia. Mas o destino dele podia ser outro. “Na realidade, era para eu ir para o Grêmio Maringá, que pagava mais. Mas tinha um jogador que estava indo para o alvinegro e eu preferi vir para Londrina para não encontrar com ele, porque ele era da baderna. Sem contar que eu tinha uma namorada em Londrina. Forcei a barra para vir para Londrina e foi a melhor coisa que eu fiz na vida”, diz o atacante.

Ele chegou e na primeira partida a coisa foi bem. “A minha estreia no Londrina foi contra o Catanduvense. Eu marquei um gol, mais um de cabeça na minha carreira e na hora me deu vontade de agradecer a torcida soltando beijinhos. Todo mundo gostou. E acabou virando minha marca registrada”, diz Garcia, hoje com 62 anos. A partida terminou empatada em um gol. No domingo seguinte, dia 25, o Londrina enfrentou o Guarany do Paraguai e venceu por 2 a 1. Gols de Garcia e Marco Antônio. E na partida seguinte, no dia 1 de fevereiro, ele marcou três gols, contra o XV de Novembro, time amador da cidade que tinha sido campeão da Taça Paraná no ano anterior e estava se aventurando no profissionalismo.

Garcia se sentiu em casa. Além de o Grêmio de Maringá não ter ido bem nas competições nas quais participou em 1976, o Londrina se destacou na temporada. Principalmente se levar em conta que a década foi marcada por conquistas sucessivas do bicho-papão da capital, o Coritiba. Aliás, nas três vezes que o Londrina enfrentou o Coxa naquele ano, venceu duas (3 a 2 e 2 a 1) e perdeu uma (0 a 1). Na temporada o Londrina fez 65 jogos, acumulou 34 vitórias, 18 empates e apenas 13 derrotas. Ficou em terceiro lugar no campeonato paranaense. Mas Garcia foi o artilheiro do time com 21 gols, quatro gols a mais que Anderson que era o centroavante. Além disso, o time tinha Marco Antônio que também fazia muitos gols, 15 na temporada, e Natal, aquele que jogou no Cruzeiro e no Corinthians, com 10 gols. O detalhe é que Carlos Alberto Garcia jogou apenas o primeiro semestre e não ficou para a campanha londrinense no Campeonato Brasileiro, que acabou sendo ruim: 49º entre 54 participantes.

Em 1976, ele arrebentou

Não era preciso ser esperto para perceber que Carlos Alberto Garcia estava no lugar certo e na hora certa. ‘Em 1976 eu comecei a descontar a falta de sorte dos anos anteriores. Fiz muitos gols, sai na revista Placar, no Fantástico. Foi um ano bom para mim e também para o Londrina’, relembra. Caiu nas graças da torcida que o chamava de Bem Amado, numa referência à novela da Rede Globo. E se ele já era ídolo da torcida com a história de marcar gols e sair jogando beijos, um golpe involuntário de marketing esportivo ajudou então fazer dele um jogador muito popular.

‘Na época, tinha na cidade uma loja de materiais esportivos, chamada Sport Wilson. E para ajudar o time, a loja deu para cada jogador 50 camisas do Londrina, que era para ser vendidas. Os jogadores vendiam. Eu comprei mais e distribui todas de graça. Todo mundo que ia ao estádio chegava com o número 8, só tinha camisas do Carlos Alberto Garcia., Aquilo foi espontâneo e acabou funcionando como um golpe de marketing que me ajudou’, lembra Garcia hoje.

Naquele ano, Garcia ainda participou de um momento histórico do futebol em Londrina que foi a inauguração do Estádio do Café, no dia 22 de agosto de 1976, num jogo amistoso contra o Flamengo que levou 50 mil pessoas à nova praça esportiva. Paraná de pênalti fez o primeiro gol do estádio e Júnior empatando o jogo fez o segundo. O curioso foi que para aproveitar o entusiasmo da torcida, a diretoria do Londrina engatou nova inauguração três dias depois. Desta vez a inauguração seria dos refletores e o jogo, naturalmente, seria à noite. Jogaram Londrina e Corinthians Paulista. O Londrina abriu a contagem com gol de Carlos Alberto Garcia, aos seis minutos do segundo tempo. Geraldão depois empatou a partida que foi vista mais uma vez por um grande público: 22 mil pessoas foram ver o segundo jogo no novo estádio.

Matar ou morrer

“A coisa no Corinthians naquele tempo era complicada. Se você emplacasse virava ídolo, mas se falhasse num jogo era esquecido”.

Um ano ruim

Se o primeiro semestre de 1976 foi de dar gosto o segundo semestre para Carlos Alberto Garcia foi um desgosto. “Eu voltei para o Corinthians, que estava contratando o Sócrates, junto ao Botafogo de Ribeirão Preto. E o Vicente Matheus queria que eu fosse para o Botafogo como moeda de troca. Mas depois do primeiro semestre que eu tive em Londrina, eu queria voltar para a cidade. Deu certo, eu gostei, o pessoal gostou. Na minha cabeça, corria o seguinte: eu vou para o Botafogo para substituir o Sócrates. E se não dá certo? Aí a torcida começa a cobrar e ia virar aquele tormento. Eu não ia trocar algo duvidoso por algo que deu certo em Londrina. Mas o Vicente Matheus ficou na bronca comigo. E me proibiu de treinar no Corinthians. Ele queria que eu fosse de todo jeito para o Botafogo. Uma situação muito ruim. Eu vou contar uma coisa para você, eu chorava. Aquele resto de ano foi o pior da minha vida. Não teve coisa pior”, conta Garcia. “Eu estava com passe preso. Isto é uma loucura. Não ganhava nada e passava até fome”, conta ele. Enquanto isso, o Londrina disputava o Campeonato Brasileiro e não ia bem. Em São Paulo, Garcia integrava um time do Corinthians treinado pelo ex-goleiro Cabeção, que tinha sido treinador do atacante nas categorias de base, desta vez para disputar amistosos. A situação perdurou até o final de 1976, quando Jacy Scaff e Arlei Marroni foram a São Paulo para contratar. “Aí eu assinei e me apresentei em janeiro do ano seguinte”, diz ele.

Um ano muito bom

A história da compra do passe de Carlos Alberto Garcia revela um misto de romantismo e um pouco da aventura que é montar um bom time no interior. “O meu passe custou, se não me engano, 400 mil. Mas o Jacy Scaff só tinha 200 mil. Quem pagou os outros 200 mil foi o Neco Garcia, que era candidato a prefeito de Londrina. E com este esforço, finalmente eu deixei o Corinthians”, diz ele. O Londrina não foi bem no Paranaense e, quem se deu bem naquele ano foi seu rival, o Grêmio de Maringá, que foi campeão. Em compensação, no Brasileiro o Londrina foi a grande sensação e fez a melhor competição de sua história. Aquele ano, que terminou no ano seguinte, deixou saudade.

Um jogaço

O primeiro jogo contra o Atlético Mineiro no Mineirão foi considerado o melhor do campeonato. O Atlético abriu 2 a 0, mas Brandão e Garcia empataram. O Atlético tinha Reinaldo e mais bala na agulha e fez mais dois. Na volta para Londrina, os jogadores foram recebidos como heróis. O segundo jogo no Estádio do Café foi uma bela partida, que terminou empatada em dois gols (Brandão e Ademar para o Tubarão), resultado que não era suficiente para levar o surpreendente Londrina para a final. Mas foi uma grande façanha se levar em conta que foi a primeira vez que um time paranaense chegou tão longe, foi um ano com 62 clubes, 485 jogos, 1.203 gols, o artilheiro da competição foi o inesquecível Reinaldo do Atlético Mineiro. E aquele foi o primeiro título nacional de um time que ganharia muitos outros: São Paulo Futebol Clube. Além do Londrina surpree,nder, o Atlético Mineiro também apareceu com uma curiosidade triste: não perdeu uma partida, fez dez pontos a mais que o São Paulo, e acabou a competição como vice-campeão. Aquele campeonato foi realmente fantástico. A média de público foi de 16.470 pessoas por partida.