Foi o supervisor que fez Assis defender o Furacão

Assis recorda o dia em que chegou em Curitiba para assinar contrato com o Atlético Paranaense em 1982. Ele se hospedou no Hotel Guaíra, no centro da cidade. Com ele vieram Washington, João Carlos e Piter. ‘Depois fomos falar com um diretor que tinha uma seguradora. No dia seguinte, a gente foi dar uma conferida na banca e viu na Tribuna do Paraná a nossa foto, cada um com um xis vermelho em cima da cara da gente. E falando que a gente era mercenário. Eu levei o maior susto. Eu falei: aqui não fico. Está louco? Que é isso? Washington ficou. Mas eu voltei para Porto Alegre’, recorda.

Assis já estava com 29 anos, idade em que a maioria dos jogadores normalmente já deu o que tinha que dar. São poucos que estouram depois desta idade – aliás, é um caso muito raro. E ele não era Zé Ninguém. Antes do Internacional, esteve no São Paulo e jogando bem. ‘O diacho era que o time do São Paulo tinha um ataque de Seleção Brasileira. Como eu ia entrar ali? Se eu entrasse tinha que mudar o ataque da seleção. Estava jogando bem, ficava no banco e quando entrava eu decidia. Então eu pedi para sair’, diz ele. O São Paulo foi campeão, a música não ia mudar e as chances não iam aparecer. Em time que está ganhando não se mexe, já diz um dos mais velhos lemas do futebol. A chance de estourar, por incrível que pareça, era saindo do São Paulo. Mas tinha de ser para outro clube grande. Foi assim que ele foi para o Internacional. Em busca das derradeiras oportunidades para ser reconhecido.

Assis chegou no Internacional e foi campeão de 1981, mas se machucou e começou a surgir aquele zunzum de que chegou bichado ao clube. Jogador chegar bichado a um clube é uma baita ofensa – para o jogador que se sente desprestigiado e para o clube que se sente enganado. É como vender fruta podre. Por isso, quando rolou a oportunidade de ser negociado com o Atlético Paranaense, Assis topou. Ele esperava chegar em Curitiba e ser bem recebido, mas aquele xis no jornal foi o xis da questão. Ele voltou para Porto Alegre. ‘O Dr. João de Oliveira, que era sãopaulino e me viu jogar, foi atrás de mim. Eu disse não, não volto para Curitiba. Aí o Dr. João falou: eu vou trazer o feiticeiro. Eu fiquei assustado com aquele negócio de feiticeiro. O Dr. João insistiu: o feiticeiro vai levar você para o Atlético’, conta Assis.

E olha que este negócio de feitiço não era novidade em sua carreira. Assis começou a jogar futebol na Francana, cujo apelido era justamente Feiticeira. E agora aparecia outro feiticeiro. Quando o homem chegou, Assis descobriu que o ‘feiticeiro’ era o supervisor Hélio Alves, que depois virou técnico do clube. Hélio Alves chegou com aquela conversa mole: ‘Ei, guri!! Mas que é isso meu guri? O que está acontecendo com o meu guri?’. E com esse papo de guri pra lá e guri pra cá, quando Assis foi perceber, o negócio estava feito. Ele era do Atlético. Com 29 anos. A dúvida era: será que ainda dava para sonhar com alguma coisa? Dava. Ele foi campeão no Paraná em 1982, jogou bem a Taça de Ouro de 1983 e naquele ano mesmo estava no Fluminense, onde foi tricampeão estadual e Campeão Brasileiro de 1984. O ‘feiticeiro’ mudou a vida de Assis. Que foi parar na Seleção.

Assis não foi embora

Benedito de Assis Silva desce do terceiro andar pelo elevador e caminha para o hall de entrada de um edifício na Rua Guilherme Pugsley, no bairro Água Verde, em Curitiba. Camisa branca, calça jeans e tênis branco. Ligeiramente calvo, magro e tímido. Ele senta no confortável sofá e fica em silêncio. Antes de chegar, o porteiro confidenciou: ‘É um dos moradores mais antigo do prédio, se não for o mais antigo’. Ali no prédio e na vizinhança todos sabem quem é Assis, o meia-atacante do Atlético Paranaense dos anos 80, um dos maiores ídolos da história do clube.

Muitos torcedores o julgavam morando no Rio de Janeiro há anos. ‘Este apartamento eu comprei quando fui campeão em 1982. Tinha um dinheiro guardado, peguei os 15 por cento da venda do Internacional para o Atlético e as luvas e paguei na planta. Foi um amigo atleticano que sugeriu: compra este apartamento, Assis, que vale a pena. Foi uma grana boa: 22 milhões de cruzeiros na época. Um dinheirão. Até aconselhei o Washington a comprar’, diz ele. Desde então, Assis fica meio em Curitiba e meio no Rio de Janeiro. Foi para o Rio depois de ser vendido para o Fluminense, onde virou ídolo e onde hoje é funcionário, encarregado de coordenar as categorias de base do centro de Treinamento de Xerem. Mas não deixou Curitiba.

‘Quando eu tenho uma folga, eu corro para cá. Mas a maior parte do tempo eu fico no Rio’, diz. Curitiba é o porto seguro dele: a mulher com quem casou na cidade, em 1985, a dona Anne Valeria Estela da Silva, ainda é a mesma. ‘A família é a base de tudo’, diz. E os filhos Viridiana e Gustavo estão crescidos e integrados na vida da capital paranaense.

Na Seleção Brasileira

Ao relembrar aquele seu momento no futebol, Assis disse: ‘Eu estava tão bem naquela época, que fui convocado para a Seleção Brasileira. Eu ia vestir a camisa 10, do Pelé, Rivelino e Zico. Eu pensei, se eu tiver a unha de um desses aí, estou feito’. O diacho era que ele estava machucado. ‘Eu cheguei no final do Campeonato Brasileiro com um problema danado no púbis, que doía muito. Eu fui convocado. Eu liguei para o médico da seleção, que era o médico do Fluminense, e falei: o senhor conhece o meu problema. Eu não posso jogar. Ele disse: é tua chance Assis, você conhece a seleção. Ninguém convoca um cara de 32 anos. É tua última chance’, relembra Assis, relatando a conversa com o médico.

Ele ainda ficou em dúvida, mas o médico insistiu: ‘A gente recupera e você joga. Então eu fui. Fiz tratamento, mas não fiquei bom e ainda assim acabei fazendo dois jogos. O primeiro no Maracanã eu não me aguentava e não rendi nada. Perdemos de 2 a 0 para a Inglaterra. No segundo, contra a Argentina no Morumbi, o jogo que eu queria jogar, fiquei no banco. Foi empate em 0 a 0. E no terceiro, no Couto Pereira, contra o Uruguai eu joguei, fui bem e a gente ganhou do Uruguai por 1 a 0. Foram poucas participações. Mas valeu pra caramba’, diz hoje satisfeito.

Amarelinha de ouro

‘Eu estava jogando bem no Fluminense e não rolava nada. Foi botar a camisa da Seleção que apareceu contrato de tudo que era lado, para eu usar chuteira de uma marca, coisa de outra’. A carreira estava entrando na reta final, quando aconteceu um dos negócios mais estranhos na vida do jogador. ‘Eu estava com 36 anos e o Carlos Alberto Torres me chamou para ir para Miami. Ele foi técnico nosso e era amigo da gente. Era um contrato muito bom. Em dinheiro de hoje era um salário mensal de 400 mil dólares por três anos’, diz ele.

Mas o negócio que parecia estar tudo certo, tanto que Assis recebeu uma espécie de um gordo adiantamento, enroscou na falta de visto de trabalho e permanência no país. ‘O visto não saía. E eu fiquei preocupado. O pessoal dos Estados Unidos disse, não se preocupa, se o visto não sair, o dinheiro adiantado é seu. Mas eu queria ir e eles também. No final o visto não saiu, mas eu fiquei com um bom dinheiro’, conta, ainda hoje angustiado com este detalhe de visto para trabalhar nos Estados Unidos. Era um projeto que envolvia não apenas jogar, mas também ensinar os garotos interessados em aprender a jogar futebol. Esta foi uma chance que passou e ele gostaria que ela não tivesse ido embora.