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Craque Zequinha desbravou a China como treinador

O Shaanxi Guoli Football Club foi um time da província de Xian, no centro da China, que nasceu no dia 28 de fevereiro de 1996 e morreu em 2005, quando fechou. No ano de 1999, o time estava nas últimas colocações na Série B local. Então, para o ano seguinte, o time contratou um técnico brasileiro para ver o que acontecia. Foi assim que José Carlos de Oliveira, o Zequinha, com experiência no futebol paranaense como jogador e como treinador, foi parar na China. Antes dele só um brasileiro se aventurou com êxito por lá, um técnico então promissor chamado Muricy Ramalho, que em 1998 conquistou a Copa da China com Shangai Shenua e retornou no ano seguinte ao Brasil para nunca mais voltar na China como treinador.

Zequinha topou a parada de ir para Xian, mas teve a prudência de encorpar o Shaanxi Guoli com três brasileiros, para se garantir. Deu certo. Ele conquistou o título da Série B do ano 2000 e caiu nas graças da torcida chinesa. “Eu levei dois jogadores do Atlético Paranaense. Marcão, meio-campo, um volante avançado e Renatinho, meia-esquerda. E o Tico, centroavante que foi do Paraná Clube”, diz Zequinha. Com os reforços, o time que andava mal das pernas ficou turbinado, foi para a Série A e no ano seguinte ainda fez bonito na principal divisão do futebol chinês, onde o Shaanxi Guoli Football Club ficou por três temporadas, até cair de novo para a Série B. Ele ainda ficou duas temporadas nesta divisão antes de fechar as portas. Mas o prestigio de Zequinha estava garantido.

A façanha de pegar um time mal na Série B e colocá-lo na Série A botou o treinador brasileiro em evidência no mercado chinês. Embora tenha sofrido oscilações decorrentes de problemas de saúde, ele ficou na China por 12 anos – até o fim do ano passado. Em todos esses anos Zequinha era auxiliado na comunicação com os jogadores por um tradutor. A coisa funcionou. Mas ele também teve que se adaptar a uma nova realidade não apenas climática, cultural, linguística, com um sistema totalmente diferente do brasileiro e do europeu no que se referia à montagem de times e contratação de jogadores. “O futebol chinês é cheio de peculiaridades”, diz Zequinha. “Não existe contratação de jogadores chineses de outros clubes como acontece no Brasil. Os jogadores que determinado clube não quer, ele o transfere para uma espécie de bolsa de jogadores da federação e este jogador pode ser requisitado por outro clube, seguindo o critério não dos mais necessitados por reforços, mas do ranking dos times que se destacaram no campeonato do ano anterior”, diz ele.

Reprodução
O treinador e sua mulher sendo recebidos pela torcida chinesa.

Assim, em vez de um time fraco se reforçar, quem tem a prioridade em adquirir o reforço é o time mais forte. “Mas de alguns anos para cá, o futebol chinês vem se tornando um bom mercado para os grandes jogadores europeus e isto está ajudando a alavancar o futebol no país, embora haja limitação quanto ao número de jogadores estrangeiros em cada clube”, diz ele. Quanto aos brasileiros, eles são mais presentes no Japão e na Coréia do Sul. Por isso, chega a surpreender a longevidade de Zequinha neste mercado. “Na realidade, eu ainda estaria lá, não fossem problemas de saúde”, diz ele.

Ex-comunistas

Embora Zequinha tenha levado jogadores brasileiros para a China – Alex e Douglas do Atlético foram em 2001, assim como o José Carlos Lélis para ser auxiliar técnico – o mercado chinês não é uma rota natural para futebolistas do Brasil. “A China hoje tem um comunismo de fachada. Mas no tempo em que eles foram comunistas sem fachada, eles desenvolveram intercâmbio científico, cultural e esportivo com os países do Leste Europeu. E esta tradi&cc,edil;ão continuou e ela orienta o fluxo de esportistas para a China”, diz ele.

Guenta coração!

Zequinha atribui seus quatro enfartes ao estresse provocado pelo futebol. O primeiro foi em fevereiro de 1999, quando treinava o Paraná Clube. “Assim que terminou a partida válida pela Copa Sul, num jogo na Vila Olímpica. Eu estava na entrevista depois do jogo e tive um enfarte”, diz ele. O segundo enfarte aconteceu também depois de um jogo em dezembro de 2001 na China, ainda dentro do estádio. O terceiro ocorreu em setembro de 2012, “em consequência de minha volta para a China”. E, depois desse, ele teve outro menor, com as mesmas características, em janeiro de 2013. “Aí eu tive que parar”, diz.

Duas épocas

“No meu tempo, o jogador que durante um treino queria tomar água, porque estava com sede, o supervisor não deixava porque achava que fazia mal. Hoje o pessoal até incentiva porque ajuda na reidratação. Na véspera de um jogo, antigamente, o atleta fazia uma comida frugal: arroz e salada, para não ter problema digestivo. Hoje come-se muito macarrão e um monte de coisas que tem carboidrato para dar maior resistência. Uma pancada no joelho antigamente era um tormento que podia acabar com a carreira de qualquer jogador. Se ele se recuperava, ficava quatro ou cinco meses no estaleiro se recuperando. Agora, dependendo da cirurgia, quinze dias depois ele sai jogando. A medicina esportiva avançou muito, derrubou tabus e melhorou não só a preparação do jogador como alongou a sua carreira. Sem contar que os métodos de preparação física e fisiologia hoje são completamente mais avançados e melhores”, diz Zequinha.

Fatalidade

Zequinha era um dos zagueiros do Colorado naquele fatídico dia 5 de novembro de 1978 quando o atacante Ziquita fez quatro gols no time de Vila Capanema, que ganhava a partida por 4 a 0, e ainda meteu uma bola na trave. O outro zagueiro é o também hoje treinador Levir Culpi. O jogo foi
na Baixada. Se para a dupla foi uma fatalidade, para o atacante foi
a glória suprema.

E os times morreram

Duas curiosidades na carreira de Zequinha: a primeira é que ele começou jogando no gol, depois virou centroavante, até que um dia foi parar na defesa e nunca mais saiu de lá. Mas isto foi ainda no tempo de São Carlos. A outra é que todos os times em que ele jogou morreram: ele começou a jogar no Clube Atletico Bandeirantes, de São Carlos, que morreu em 1964. Depois ele foi para o São Carlos, onde ficou cinco anos até o time morrer em 1969. Ele jogou no Grêmio Oeste, que também morreu. Em seguida foi para o Ferroviário, que morreu no ano em que ele chegou. O Colorado, onde ficou uma década, morreu nos anos 80. No final da carreira ele fez alguns jogos pelo Guarapuava Esporte Clube, em 1980, que também morreu. E até um time que ele dirigiu, o Shaanxi Guoli Football Club, na China, também morreu.

Camisa valia muito

“Eu cheguei no começo de 1970 no Clube Atlético Ferroviário. Joguei alguns meses e depois, quando houve a fusão, só mudamos o distintivo. Continuamos no Colorado com a mesma camisa. Um jogo de camisa durava meses”.

Bons amigos

“Na China eu fiquei amigo do Bora Milutinovic, um dos treinadores que mais participaram da Copa do Mundo. A gente fez uma amizade muito boa”.