Assis teve a última chance de sua vida e a aproveitou

O meia-esquerda Benedito de Assis Silva nasceu duas vezes. A primeira no dia 12 de novembro de 1952, em São Paulo. E a segunda 30 anos depois, quando ele chegou a Curitiba para jogar pelo Clube Atlético Paranaense. Porque, entre uma data e outra, a vida de Assis mudou de forma radical. Até os 30 anos, Assis levou a vida de todo jogador de futebol que embora talentoso, ainda não havia encontrado clube e condição para estourar. E não foi por falta de futebol, que ele tinha, ou por falta de clube de expressão, porque ele passou por São Paulo e Internacional. O problema era que, por um motivo ou outro, ele não se encaixava nos clubes de forma que seu futebol aparecesse para encantar as multidões.

E, pior, o tempo passava rápido. Dez anos antes ele tinha começado a carreira profissional na Francana, onde ficou um ano e em seguida foi para o São José, onde ficou três anos. Em 1977, vamos encontrar Assis na Internacional de Limeira e nos dois anos seguintes, ele estava de novo na Francana. E o tempo passava. Entre 1980 e 1982, parecia que a chance de Assis chegou: ele ficou um ano no São Paulo e outro no Internacional de Porto Alegre. No primeiro, fez 31 jogos e marcou cinco gols; no segundo fez sete jogos e marcou quatro gols. Mas ficou nisso. Não se ouvia falar de Assis como um grande craque. Até que ele veio para o Atlético. E aí tudo mudou.

A vinda de Assis para o Rubro-Negro foi curiosa. Ele veio como moeda de troca por um jogador que depois ninguém mais ouviu falar – Augusto. Era um lateral-direito raçudo, promissor e que estourou no Atlético no começo de 1982, a ponto de chamar atenção do Internacional. Os gaúchos cismaram que queriam Augusto em Porto Alegre. Pagaram uma grana preta e para amortizar o investimento ofereceram dois jogadores que não estavam nos planos do colorado gaúcho: o meio-campista Assis e um atacante jovem chamado Washington. Os dois eram tratados como descartáveis. Hoje pode parecer absurdo, mas na época a desconfiança era tanta que o torcedor rubro-negro fechou a cara e a Tribuna do Paraná cornetou que o time da Baixada estava entrando numa fria. Dois meses depois, a história era outra. E ninguém queria saber quem era e para onde foi o lateral Augusto.

De novo

Assis teve uma proposta pra jogar nos Estados Unidos, mas não saiu o visto e com isso ele ainda foi campeão no Atlético mais uma vez, em 1988.

Vieram e arrebentaram

A estreia de Washington no Atlético aconteceu num amistoso contra o Criciúma na Baixada, numa noite de 6 de abril de 1982. Empate em dois gols, renda decepcionante, pouca gente viu e o novo jogador não se destacou. A estreia da dupla Washington e Assis foi no jogo de volta, em Criciúma, no dia 16 de abril. O time perdeu por 1 x 0 e a dupla não apareceu. No terceiro amistoso em Joinville, o time perdeu por 2 x 1 e a dupla mais uma vez não se destacou. Quando começaram os jogos para valer, pelo campeonato paranaense, o panorama mudou.

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Capa da Tribuna, o xis vermelho.

Na abertura do estadual, dia 2 de maio de 1982, a dupla estava em campo no estádio Natal Francisco em Paranavaí. O time empatou em 1 gol, mas voltou feliz com o futebol de Assis, considerado o melhor do jogo. O diretor Oliveira Franco era o mais eufórico. Ele alardeava para todo mundo: ‘Assis foi o melhor em campo. Pode perguntar pra quem esteve lá’. O supervisor Hélio Alves fez coro: ‘Fez uma exibição de encher os olhos’. O cara era bom de bola. Outro que deixou boa impressão foi Washington. Começava a nascer a lenda do Casal 20. O Atlético só reclamou de um gol de Assis, mal anulado pelo bandeirinha, que daria vitória ao Rubro-Negro sobre o Vermelhinho do fim da linha. Mas não fez barulho: afinal, agora o Atlético tinha um time competitivo. Disputar título era questão de tempo., Na partida seguinte, dia 8 de maio, na Baixada, contra o Matsubara, a boa impressão inicial foi reforçada. Assis marcou os dois gols na vitória por 2 a 1, o primeiro aos 7 do primeiro tempo e o segundo aos 37 da etapa complementar. A Tribuna registrou na edição do dia 10: ‘Está surgindo um novo ídolo na Baixada’. Assis foi mais uma vez o melhor em campo. As legendas e títulos do jornal eram generosos: ‘Assis fez a torcida delirar na Baixada’ e ‘Assis, dois gols e um show de bola’. Aquilo era apenas um aperitivo do que viria pela frente. Na partida final do campeonato contra o Colorado, Washington marcou duas vezes, chegando a 23 gols no estadual, sendo o artilheiro da competição. O Atlético venceu por 4 a 1 e foi campeão paranaense de 1982, saindo da fila que durou doze anos. A troca de Assis e Washington, com direito a uma grana preta de volta, pelo lateral Anderson, entrou para os anais como o melhor negócio que o Atlético Paranaense fez até aquela temporada.

Brilho no Rio

E ganhar o Paranaense foi apenas o começo. No ano seguinte, o Rubro-Negro chegou às semifinais do Brasileiro, depois de campanha fulminante. Na primeira partida das semifinais perdeu de 3 x 0 do Flamengo no Rio. No jogo de volta, dia 15 de maio de 1983, meteu 2 x 0 no time de Zico, só no primeiro tempo, recorde de público no Couto Pereira: 67.391 pessoas. Dois gols de Washington. Mais um gol classificaria os paranaenses para a final. A derrota não apagou uma campanha brilhante. Foi o melhor resultado do Rubro-Negro até então na competição. Depois do sufoco que passou em Curitiba, ficou fácil para o Flamengo ser campeão contra o Santos. O Atlético não chegou à final. Mas ninguém esqueceu aquele time com um ataque letal formado por Assis e Washington.

A partir daí, todo mundo passou a falar e a cobiçar a dupla. E a torcida até se esqueceu de perguntar o que aconteceu com o lateral direito Augusto, que foi para Porto Alegre no ano anterior. Os rejeitados do Inter fizeram fama no Atlético e numa ascensão meteórica, ainda em 1983, foram para o Fluminense, onde conquistaram o tricampeonato carioca. Assis marcou no último minuto o gol contra o Flamengo que deu ao Flu o titulo estadual de 1983, gol eleito pela torcida tricolor como um dos mais importantes da história do clube. No ano seguinte a dupla foi campeã brasileira pelo time das Laranjeiras. A lenda já tinha sido escrita. Em dois anos deixaram de ser rejeitados para serem os donos da bola.

Nasce o ‘Casal 20’

Além de curiosa, a vinda de Assis – que fazia parte de um ‘pacote’, juntamente com Washington e mais dois jogadores – foi tumultuada. Assis, com 29 anos e Washington, com 22 anos, chegaram a Curitiba juntamente com João Carlos e Píter. Eles se apresentaram ao Rubro-Negro no dia 18 de março de 1982. Era um negócio fechado pelo diretor de futebol João de Oliveira Franco Neto, que achando a coisa resolvida, foi para São Paulo. Mas em Curitiba, o negócio empacou. Em sua edição de 19 de março, a Tribuna do Paraná estampou foto de três jogadores com a camisa rubro-negra: em cima de cada jogador, um xis vermelho: ‘Pediram alto. Furou o pacote do Atlético’.

O então presidente do clube, Onaireves Rolim de Moura, tirou o corpo fora. Disse que os jogadores pediram o dobro do combinado e não tinha negócio. E que o problema não era dele, mas de Oliveira Franco. Quando voltou a Curitiba e soube que o negócio melou, Oliveira Franco estrilou e subiu nas tamancas: ‘Quem contratou fui eu. Quando assumi tive carta branca para trabalhar’. Ele fez um estardalhaço, ameaçou cair fora da diretoria e provocou uma crise no Atlético. Os quatro jogadores fizeram exames e três deles sentiram o clima pesado e caíram fora enquanto era tempo – entre eles estava Assis. Só Washington, que era jovem, ficou para ver o que ia acontecer. O resto voltou para Porto Alegre no dia 19 mesmo. Oliveira Franco não desistiu da parada e foi atrás dos três jogadores.

Na noite de 25 de março de 1982, o Atlético dava adeus a Taça de Ouro, jogando contra o São Paulo, no Pacaembu. O time perdeu por 1 x 0 diante de uma plateia de 3.614 pessoas. Gol de Serginho Chulapa. O Rubro-Negro ficou em último lugar no grupo P, com apenas dois pontos e agora só tinha olhos para o campeonato p,aranaense que ia começar no dia 2 de maio. A campanha na Taça de Ouro foi pífia. E o time ainda estava na fila sem conquistar um título estadual desde 1970. A coisa estava feia e ficou ainda pior. O time precisava de reforços. O Atlético precisava de um cara como Assis.

No final de março, depois de garantir Washington, o Atlético foi atrás de Assis em Porto Alegre, mais uma vez. Dia 31 de março, um novo negócio também envolvendo Washington ficou sacramentado e o primeiro acordo ficou sem valor: o Rubro-Negro concordou em ceder o lateral Augusto, em troca de Assis e Washington. O Internacional ainda se comprometeu em pagar mais Cr$ 2 milhões. A troca não era vista em Curitiba como bom negócio. Tanto que o Internacional acenou com a possibilidade de fazer um amistoso em Curitiba, de contrapeso. Foi assim que veio para o Atlético a dupla que se tornou conhecida por ‘Casal 20’, em alusão a um seriado de TV popular na época, e se transformou em um dos principais ataques do futebol brasileiro na primeira metade dos anos 80.