Luciana se apresenta e policiais são soltos

O cerco está se fechando no caso da prostituição virtual, que envolve a participação de policiais num rumoroso esquema de aliciamento de menores e extorsão. Ao mesmo tempo em que Luciana Polerá Correia Cardoso, 21 anos, considerada a peça-chave de toda a trama, se apresentou à Corregedoria da Polícia Civil e depôs durante cerca de oito horas, os delegados Moisés Américo de Souza Neto e Edson José Costa, do 4.ºDP, foram soltos por força de habeas corpus. O inquérito permanece em segredo de Justiça, protegendo a identidade dos outros 10 policiais e dois agentes administrativos envolvidos na trama.

A apresentação de Luciana estava marcada para as 9h30 de ontem, mas teve que ser antecipada às pressas para a noite de terça-feira. Ela alegou que dois policiais foram até a casa de sua avó, Marise Correia, para saber onde Luciana estava e tentar convencê-la a não se apresentar e a trocar de advogado. A avó da aliciadora entrou em pânico e ligou para a neta, pedindo que ela não se entregasse. Isso abalou Luciana, que relatou o que estava acontecendo em entrevista exclusiva à equipe do Tribuna na TV, minutos antes de seguir para a Corregedoria. Em meio a lágrimas ela desabafou: "Estão em cima de mim e da minha família. Eles querem que eu fuja."

Depoimento

Acompanhada de seu advogado, José Feldhaus, Luciana foi ouvida durante a madrugada. Em seu depoimento, ela garantiu a participação de novos policiais no esquema e trouxe outros dados, que devem surtir em novas prisões. Estranha o fato de que nenhum representante do Ministério Público acompanhou o depoimento da aliciadora. Na tarde de ontem, o promotor Walber Alexandre de Souza, da Promotoria de Investigação Criminal (PIC), disse que não sabia da prisão de Luciana.

Horas antes de ela se apresentar, o promotor recebeu da Corregedoria da Polícia Civil um pedido para que outras medidas judiciais fossem tomadas para a captura da aliciadora. Enquanto o promotor analisava o pedido, a garota chegava à corregedoria, porém, nenhum delegado o avisou que não era mais necessário seu parecer. "Não sei porque a Corregedoria não nos avisou que ela estava lá. Mesmo assim, também não posso garantir que iríamos acompanhar seu depoimento, pois o Ministério Público só irá se pronunciar depois que as investigações forem concluídas e o inquérito encaminhado à PIC", disse o promotor.

Walber acrescentou ainda que, na fase de oferecimento das denúncias, ele poderá pedir novas investigações e, até mesmo, ouvir novamente os acusados. O inquérito deveria chegar nas mãos do MP até o final desta semana, mas a Secretaria de Segurança Pública adiantou que vai pedir prorrogação no prazo para que novas investigações sejam feitas.

Até o final da tarde de ontem Luciana permanecia na corregedoria, mas poderia ser transferida para uma carceragem da capital. Por questão de segurança, a remoção está sendo mantida em sigilo.

"Criminosos travestidos de policiais"

Com as informações do interrogatório de Luciana, o secretário da Segurança Pública, Luiz Fernando Delazari, afirmou que surgiram informações valiosas e precisas quanto ao envolvimento de outros policiais, que ontem já começaram a ser investigados. Ele também garantiu que a aliciadora forneceu novas provas contra aqueles que já foram acusados e presos.

O secretário soube que Luciana e sua família receberam ameaças, mas não se comoveu com o choro da jovem, exibido no programa Tribuna na TV. "Os crimes cometidos pelos policiais são dolosos. Aliás, eles são criminosos travestidos de policiais. Ela (Luciana) é uma criminosa. Quem tira o diabo para dançar, quer dançar com ele. Da mesma forma que ameaçou as meninas, agora está sendo ameaçada. Envolveu a própria irmã de 14 anos. É uma bandida", disse Delazari, que também se pronunciou sobre o sigilo dos nomes dos policiais presos. "Não temos interesse em omiti-los e estamos cumprindo determinação da Justiça em manter sigilo. Mas acredito que com o final do inquérito, os nomes devem se tornar públicos", afirmou.

O secretário também rebateu a denúncia que Luciana fez, em entrevista ao Tribuna na TV, de que Edson teria recebido uma ligação da Corregedoria, avisando-o que seria preso em flagrante. Na ocasião, o delegado teria tentado extorquir um empresário, cujo filho denunciou o esquema. "A pessoa que avisou Edson não é da Corregedoria, mas já a identificamos e ela está sendo investigada", garantiu. Ao ser questionado quanto à soltura de dois delegados, Delazari apenas disse: "Se prejudicarem o mecanismo, serão presos novamente."

Delegado "preso" fala pelo celular

A soltura do titular Moisés Américo já havia sido confirmada durante o dia, junto ao Tribunal de Justiça. Existia um boato de que o adjunto, Edson Costa, também havia sido libertado, o que só foi confirmado no fim da noite, de maneira inusitada. Após contato com várias fontes, decidiu-se ligar diretamente para o celular do delegado. Para surpresa da reportagem, ele mesmo atendeu. Tranqüilo e falando baixo, disse que permanecia preso no Centro de Operações Policiais Especiais (Cope). Perguntado sobre a liberdade de portar um telefone dentro da cadeia, Edson respondeu: "Os policiais deixaram eu usar o celular para chamadas emergenciais. Qualquer informação sobre minha prisão vocês têm que falar com a doutora Deise, da Corregedoria. Só estou atendendo o telefone por consideração ao trabalho de vocês, mas não posso falar nada sobre o inquérito porque é sigiloso".

Tudo mentira. Minutos depois, uma fonte confirmou que o alvará de soltura do adjunto foi cumprido, mesmo, na madrugada de segunda-feira, junto com o de Moisés Américo.

Falhas permitem que outros policiais sejam soltos

Da mesma forma como novos policiais poderão ser presos a qualquer momento, por conta das revelações feitas por Luciana à Corregedoria da Policia Civil, aqueles que já estavam detidos poderão ser soltos. A falta de profundidade nas investigações feitas até agora já colocou o delegado Moisés Américo de Souza Neto, titular do 4.º Distrito Policial (São Lourenço) e seu adjunto, Edson José Costa, em liberdade, na madrugada de segunda-feira. Moisés é acusado de extorsão e formação de quadrilha, e foi solto por conta de habeas corpus impetrado a pedido do advogado Edson Vieira Abdala, e assinado no último domingo pelo juiz Sérgio Luiz Patitucci, que estava de plantão. Os delegados tinham prisão temporária decretada por 30 dias e, cabe agora, recurso pela Procuradoria Geral de Justiça. O que se estranha é o fato de o delegado Edson Costa ter sido apontado por várias adolescentes que participavam do esquema, e até mesmo por Luciana Polerá, como um dos policiais com maior envolvimento no esquema. Não se sabe qual foi o juiz que concedeu liberdade a Edson e quais os motivos que levou em consideração para tomar tal decisão.

Na liminar expedida pelo Tribunal de Justiça, o juiz afirma que acolheu o pedido de liberdade a Moisés porque, no inquérito, não há provas suficientes da participação dele nos crimes. Outro motivo é a falta de argumentos que justifiquem que sua liberdade atrapalharia as investigações. Por enquanto, 16 pessoas estão presas, entre elas Luciana, o tio dela Lincon Lima Santos, 11 policiais, dois agentes administrativos e uma funcionária do Estado. Descobriu-se ontem que, tida até então como investigadora do 4.º DP, a mulher não é policial civil. Trata-se de uma funcionária do quadro geral do Estado que estava trabalhando de forma irregular na delegacia.

Fragilidade

Se depender do inquérito que está sendo conduzido pela Corregedoria da Polícia Civil, outros policiais presos podem ser soltos a qualquer momento. Pelo menos na opinião de um juiz que teve acesso aos documentos. Segundo ele, as investigações não têm consistência e poucas provas foram coletadas. "Se viesse isso pra mim, eu colocaria 11 dos 14 acusados em liberdade. Tudo foi meio atropelado. Não se aprofundaram nas investigações", disse. Entretanto, este mesmo juiz comentou que, contra três dos detidos, pesam provas suficientes para futura denúncia criminal. Um deles é justamente Edson Costa, que já está em liberdade. "Este é um dos que não deveria ser libertado tão cedo, pela gravidade das acusações que pesam contra ele".

Pressa

O que ocorre é a comprovação de um dito popular: "a pressa é inimiga da perfeição". na tentativa de agir rápido e dar uma resposta sobre o caso, a Corregedoria da Polícia Civil buscou de imediato o reconhecimento dos acusados. E fez isso através de fotografias, apresentadas às adolescentes aliciadas. Até agora não se sabe se as filmagens dos flagrantes e fotografias, feitas pelos policiais durante as extorsões, foram encontradas. Não se sabe também se houve interceptação telefônica ou se as cédulas marcadas, usadas para tentar comprovar a extorsão no 4.º DP, serão anexadas ao processo. A última e importante peça anexada ao inquérito foi o depoimento de Luciana Polerá, que complicou a vida de novos policiais.

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