Por que parou?

Entenda o que está por trás de mais uma greve de professores estaduais

greve dos professores estaduais do paraná, tribuna do paraná.
Foto: Antônio More/ Arquivo/ Gazeta do Povo

Cerca de 100 mil professores e funcionários da rede pública de educação de todo o Estado, ao lado de educadores de escolas municipais e servidores públicos e privados de outras categorias, cruzaram os braços nesta quarta-feira (15), seguindo o movimento de greve geral nacional.

A paralisação afeta mais de um 1,1 milhão de alunos de escolas estaduais, que ficarão sem aulas por tempo indeterminado. Previstas em lei, como um direito dos trabalhadores que reivindicam benefícios e demais direitos trabalhistas, as greves penalizam a população. Só os professores estaduais realizaram diversas paralisações nos últimos anos, com a média de uma parada anual.

Em 2016, duas situações comprometeram o ano letivo: foram 46 dias de ocupações do protesto nacional contra as mudanças no ensino médio e 15 da greve da categoria. Em 2015, professores estaduais e funcionários da educação fizeram duas greves, totalizando 73 dias corridos e 47 dias letivos perdidos, que precisaram ser repostos.

Com tantas paralisações, a pergunta que surge entre os pais e os estudantes que dependem das escolas públicas estaduais é: afinal, por que as greves dos professores acontecem com tanta frequência? De acordo com o doutor em Ciências Sociais e professor do Programa Mestrado em Direitos Humanos e Políticas Públicas da Pontifícia Universidade Católica do Paraná (PUC PR) Cézar Bueno de Lima, as greves ocorrem quando não há mais negociação entre os envolvidos.

Cadê o diálogo?

“Toda greve prejudica a sociedade, mas temos que entender que quando um grupo opta pela greve é porque não há diálogo entre as partes ou porque este diálogo se rompeu. A greve costuma ser o último recurso que uma categoria tem para se valer de seus direitos constitucionais, mesmo que afete a vida das pessoas, da sociedade e, neste caso, dos alunos.

No caso dos professores, temos uma greve com demandas específicas e uma luta histórica pela melhoria das condições de trabalho”, apontou.

Segundo Lima, aspectos políticos acabam incendiando o conflito. “Não podemos ignorar o fato de que as greves têm a ver com os últimos acontecimentos do país. Desde o impeachment da presidente Dilma, a sociedade passou por um profundo processo de polarização política. E no Paraná também temos o elemento simbólico da repressão do dia 29 de abril de 2015, que envolveu professores e o Estado. Aí já temos o combustível perfeito para as greves e conflitos. Pior para a maioria da população, que é pobre e sem recursos, que depende da educação como única chance de mobilidade social ascendente, para poder ter uma vida melhor”, observou.

Investimentos e valorização

Para o doutor em educação e professor do curso de Pedagogia da Universidade Positivo (UP) Celso Klammer, as constantes greves e conflitos entre governo e professores não priorizam a educação. “Por mais dificuldades que o governo tenha, os cortes não podem ser feitos na educação. A saída seria chamar seus técnicos e discutir a questão. A resolução 113, que trata da distribuição das aulas e a lei complementar da jornada de 20h, precisam ser revistas. Senão, haverá uma perda muito grande para a educação”.

Klammer ressalta que países que possuem experiências bem-sucedidas em educação fizeram mudanças que proporcionaram maior valorização dos professores, oferecendo a eles melhor formação, salários e condições de trabalho.

“Na Finlândia, o curso de docência é mais procurado e valorizado do que o de medicina. Eles investem e valorizam a carreira do professor. Aqui precisamos discutir o tema. O Paraná não pode perder a oportunidade de debater com a categoria e a sociedade, senão, será um tiro no pé. Já perdemos uma chance de falar com os jovens quando as escolas estavam ocupadas. Caso contrário, pagaremos um preço muito grande no futuro por esta economia imediata proporcionada pelos cortes na educação. Já temos um déficit de professores, que tende a aumentar ainda mais daqui para frente”, indicou.

Ensino público x particular

greve professores do paraná prejudica aulas
Sem professores nas escolas públicas, mais de um milhão de estudantes ficarão sem aulas. Foto: Jonathan Campos

Sobre a queda de braço entre governo e professores, o presidente do Sindicato dos Professores no Estado do Paraná (Sinpropar), professor Sérgio Gonçalves Lima, acredita que mudanças de postura precisam ser adotadas.

“Não há uma preocupação em priorizar a educação. Valorização da categoria, é isso o que está faltando. Educação é a base da sociedade. Mudanças são necessárias, mas quem deve discutir isso são os próprios professores, que são as pessoas que têm experiência na área. No Estado, a relação trabalhista é diferente da rede privada, tanto que não está sendo realizado o mínimo necessário para que tenhamos excelentes profissionais em sala de aula”.

Para a presidente do Sindicato das Escolas Particulares do Paraná (Sinepe) e diretora da Escola Atuação, Esther Cristina Pereira, há muitas diferenças na gestão feita em escolas públicas em comparação com as privadas.

“Na escola particular não concedemos todos os mesmos direitos que os professores possuem no ensino público, como licença-prêmio remunerada, por exemplo. Mas em muitas escolas particulares, o professor recebe a participação nos resultados e nelas, encontra melhores condições de trabalho, respeito e disciplina por parte dos alunos. O professor encontra outra realidade, que é emocionalmente mais saudável para ele, assim ele pode criar mais e aproveitar da estrutura, da tecnologia disponível e do apoio efetivo da coordenação para realizar um bom trabalho. Esta briga dos professores não é ética. Os salários do Estado não são ruins, mas as condições de trabalho são”, ressaltou.

Esther avalia que as políticas públicas para educação não são tratadas da forma ideal. “Temos hoje no Brasil um Estado e professores doentes, que pensam a educação de uma maneira também doentia. Todos pensam em si e falta diálogo. Isso se reflete nos resultados que temos nas escolas públicas, um caos. Quem realmente está pensando nos alunos? Buscam-se muitos direitos, mas retribuem com pouca responsabilidade social. Depois destas greves temos as reposições, que são verdadeiras ‘matação‘ de conteúdo. No particular não é assim, trabalhamos como uma empresa, que busca gerar resultados, para nós e nossos alunos”, analisou.

DIREITOS E BENEFÍCIOS

Sentindo na pele

Prestes a se aposentar, lecionando há mais 26 anos na rede pública, a professora Madalena*, 50 anos, resume o que sentiu desde que medidas consideradas pela APP-Sindicato um “pacote de maldades” foram anunciadas pelo governador Beto Richa (PSDB) para a educação estadual, entre elas, mudanças na hora-atividade e na distribuição das aulas extraordinárias.

“Com o governo não tem muito diálogo. Com a nova distribuição das aulas, temos professores trabalhando em mais de quatro escolas, assim fica difícil. As turmas também estão cada vez mais cheias, são 43 ou 44 alunos em salas bem pequenas. Este ano estamos tentando apenas manter o que nós temos, não estamos brigando por nenhum direito novo. As últimas decisões são um total desrespeito com o profissional de educação. Não estamos vendo preocupação com a qualidade na educação, neste momento”, desabafou.

Situação diferente da vivida pelo professor Igor*, 27 anos, que dá aulas de matemática na rede privada e também tem experiência no ensino público. “Percebemos a diferença já na comunidade. Na particular a comunidade é escolhida, temos condições de trabalho previsíveis, contrato de trabalho claro e sabemos como será nossa relação com o aluno e seus pais. Na rede pública os alunos são de diversos lugares, realidades e famílias, alunos que apresentam muitas diferenças culturais e sociais e que, muitas vezes, não têm o apoio da família para estudar. A escola pública cumpre a lei, que garante a educação para todos, mas não consegue garantir eficiência. São realidades muito distantes”, comentou.

Sobre a estrutura de trabalho, o professor cita mais diferenças. “O Estado oferece uma estrutura mínima, dependendo da gestão da escola, você tem uma estrutura melhor, além, do básico que é prédio, carteira, quadro e giz. Não vai além disto e o professor tem que improvisar muita coisa. Na escola particular está tudo garantido. Ela atua de acordo com o que a lei prevê. No Estado vemos que há a lei escrita e a lei interpretada, de acordo com interesses. O tamanho das turmas também influência, temos no máximo 25 a 30 alunos em sala”, observou. * Nomes fictícios, para preservar a identidade dos entrevistados.

“Manutenção de direitos”

professor Hermes Silva Leão, da app-sindicato
“A educação no Brasil nunca foi prioridade”, disse Hermes Silva Leão. Foto: Giuliano Gomes

Sobre as motivações para as constantes greves, o presidente do Sindicato dos Trabalhadores em Educação Pública no Paraná (APP-Sindicato), professor Hermes Silva Leão, disse que “a educação no Brasil nunca foi prioridade de verdade e nunca foi feito um planejamento para alavancar a qualidade da aprendizagem”.

Segundo ele, “em primeiro lugar é preciso fazer a valorização de quem trabalha com a aprendizagem, oferecendo condições aquedadas de trabalho. E esta é uma luta de décadas. E independentemente do governo e da ideologia seguida por este governo, a educação deveria ser uma política de estado, ela não pode ser modificada a todo o momento”.

De acordo com Leão, hoje as batalhas da classe se concentram no cumprimento da Lei do Piso Nacional do Magistério, na jornada da hora-atividade, justa distribuição das aulas extraordinárias e na valorização salarial.

“Somos 62% dos servidores do Estado, mas representamos apenas 38% da folha de pagamento. Lutamos para equiparar o nível de ingresso com os servidores de outras categorias com nível superior. Tivemos um ganho real no primeiro mandato do governador, mas isto ainda está muito defasado. Faremos esta greve pela manutenção de direitos adquiridos, mas desejamos paz pedagógica para 2017 e 2018”.

“Sindicato intransigente”

secretária da Educação do Paraná, Ana Seres
“Num período de crise, o sindicato está sendo intransigente, não cede”, rebateu Ana Seres. Foto: Henry Milléo

O governo do Paraná nega cortes nos benefícios dos professores e alega estar pagando promoções e progressões de carreira para 75 mil servidores do magistério. Além disso, o menor salário na rede estadual não pode ser menor que o piso regional. De acordo com a Casa Civil, o Estado investiu 34,7% das receitas no sistema de ensino no ano passado.

Pela Constituição, o mínimo a ser aplicado é 30%. Do orçamento estadual de R$ 47 bilhões, cerca de R$ 10 bilhões são aplicados na área. Sobre a impossibilidade de atender a todas as reivindicações dos professores, a secretária da Educação, Ana Seres, explica, que em função da crise financeira, o Paraná iniciou o ajuste financeiro antes de outros estados.

“Num período de crise, o sindicato está sendo intransigente, não cede. Bem que eu gostaria de atender a todos os direitos, mas o momento é difícil. Ser gestora em períodos de fartura e abundância é muito fácil, mas ser gestora na recessão é bem complicado. Sou professora e tenho que defender os meus colegas, mas preciso defender e cumprir o que prometer. Se eu prometer e não puder pagar, isso é um desrespeito com a classe. Aí surge este desentendimento, o sindicato acha que nós desmerecemos, provocamos, penalizamos. Não é nada disto. Só podemos prometer e fazer aquilo que estiver dentro de nossas condições”.

Greve geral: O que pedem os professores
Clique na imagem para ver em tamanho maior. Arte: Tribuna do Paraná