Os Caça-tesouros

Lenda curitibana diz que pirata escondeu tesouro em túnel nas Mercês

Até meados dos anos 60, Curitiba viveu uma espécie de corrida pelo ouro. Moradores mais antigos do bairro Vista Alegre das Mercês, principalmente os das cercanias do Bosque Gutierrez, ainda lembram bem dessa história. A entrada do túnel, que supostamente foi usado pelo famoso pirata Zulmiro para esconder seu tesouro, ficava na esquina das ruas André Zanetti e Amapá. Mas as mudanças urbanísticas o soterraram.

Antes de isso acontecer, várias pessoas tentaram explorá-lo e alguns até fizeram escavações acreditando que iam enriquecer. No entanto, os relatos de tesouro não tiveram comprovação.

“Usávamos vela para entrar no túnel e nunca dava para ir muito longe. Era assustador. Ainda havia poucas casas na região. Teve gente que disse ter encontrado moedas de ouro, mas nunca soube de provas”, afirma Valdir Silva, 66 anos, relembrando os tempos de adolescente. Jeanete de Mattos, 65, filha de um dos pioneiros do bairro, conta que quando era garota, ouvia relatos dos meninos sobre o túnel. “Os mais corajosos entravam. Tinha lenda de fantasma, a maioria sentia medo”.

Professor da UFPR acredita que local foi construído por leprosos.

Refúgio

O túnel ficava na chácara da família Gutierrez, que doou parte do local para a prefeitura. Antes dos Gutierrez, a chácara foi do comerciante Manoel Cunha e, anterior a ele, pertenceu a Amadeu Teixeira Pinto, o primeiro a instalar luz elétrica no túnel para explorá-lo. Alguns acreditam que antes dele, no local funcionava um asilo para leprosos e que eles teriam construído o túnel.

O professor de história e arquitetura da Universidade Federal do Paraná, Key Imaguire Júnior, fez o último registro fotográfico do túnel, ainda na década de 60. “As paredes estavam esburacadas pelos ‘caçadores de tesouros’. Absolutamente não era o caso”, desacredita. Para Key, a hipótese mais acertada é de que o local foi construído por leprosos, para se esconder de uma eventual perseguição. As fotografias antigas foram cedidas por ele para que o Paraná Online pudesse publicá-las.

Os padres jesuítas

Para o pesquisador Marcos Ofenbok, os túneis do Bosque Gutierrez foram construídos por escravos, a mando de padres jesuítas. “Sempre procuravam locais elevados e com fonte de água. As nascentes do bosque são famosas e foram muito usadas por religiosos”, salienta. Os padres da Companhia de Jesus tinham a missão de catequizar povos indígenas e as regiões tropicais eram consideradas bastante hostis. Com medo de que eles se voltassem contra a coroa de Portugal, em 1760, o Marques de Pombal os expulsou do Brasil. Curitiba ainda era uma pequena vila e há quem diga que os jesuítas permaneceram somente em Paranaguá, onde construíram um colégio, que hoje é museu da cidade. No local há túneis, semelhantes aos encontrados na capital, mas não há registro histórico que os relacione.

 

Antiga entrada da galeria sumiu após mudanças no bairro.

O inglês misterioso

O escritor Vicente Nascimento Júnior, fundador do Instituto Histórico de Paranaguá, é um dos poucos a relatar sobre a passagem do pirata William Saulmers pelo Paraná. Segundo Vicente, há cerca de 170 anos, Saulmers era oficial da marinha inglesa e, após abandonar o posto, fez diversos saques contra embarcações no Caribe e sul do oceano Atlântico. Teria escondido parte de seus tesouros na Ilha da Trindade. Depois disso, teria escondido parte em túneis que existiam perto da casa onde morou, na região do Vista Alegre, em Curitiba.

O inglês tinha um comportamento reservado. O nome Saulmers foi adaptado para Zulmiro, até sua morte, por volta de 1892. O historiador Vicente Nascimento tinha 12 anos nessa época e relatou mais tarde em seu livro “Histórias, crônicas e lendas”, que Saulmers teria revelado o segredo do tesouro antes de morrer.

A entrevista

Por volta de 1880, Zulmiro foi visitado pelo paulista Edward Stammers Young, filho de ingleses, que entrevistou o velho pirata. Vicente relata que Saulmers ficou animado em ouvir e falar a língua materna e, com a morte eminente, entregou o mapa para Edward. Mas o tesouro não estava em Curitiba, e sim na Ilha da Trindade, o posto mais avançado do território brasileiro no Atlântico. Mesmo após três expedições de paulistas até a ilha, nenhuma moeda jamais foi encontrada.

Leia os dois primeiros episódios da série Curitiba Subterrânea:

Curitiba Subterrânea: Conheça o túnel dos alemães na capital

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