Estatística de divórcios inflada pela precipitação

Segundo dados do Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE), o número de separações e divórcios no Brasil chegou a 223.763 em 2002, ano do último censo sobre registros civis. No mesmo período, foram celebrados 715.166 casamentos. A cada ano que passa, mais casais resolvem optar pela separação, depois de conflitos na união. Segundo especialistas, os motivos são diversos, mas a decisão está ocorrendo de maneira precipitada, em muitos casos.

Segundo o advogado Mário Cidade, especialista nesta área há 20 anos, a liberdade existente hoje no mundo fez com que os casais perdessem a tolerância com o passar do tempo. "Sempre aconteceram brigas entre os casais, com raras exceções. Perdendo a tolerância, chega uma hora que naquela briga se joga de tudo. Mas isso acontece com a briga propriamente dita e não pelo ato praticado", comenta.

A juíza da 4.ª Vara da Família e coordenadora do Núcleo de Conciliação do órgão, Joeci Machado Camargo, opina que a separação é, muitas vezes, uma decisão precipitada. "Quando são muitos jovens, marido e mulher sofrem uma interferência familiar. Quando chegam aqui, se percebemos a aproximação, são encaminhados para o atendimento com psicólogos e muitos saem de lá abraçados. É a maior felicidade. Mas eu já fiz uma separação de corpos com 11 dias de casamento", revela. Na maturidade também ocorrem decisões prematuras. "Para muitos, é preciso casar para mostrar à família e à sociedade."

Segundo Cidade, a principal razão para o crescente número de separações e divórcios é a situação financeira. "O problema do desemprego é uma das causas mais fortes. Quando a dificuldade entra pela porta, o amor sai pela janela. Em 90% dos casos, os dois ainda se gostam", afirma. Em segundo lugar, está o alcoolismo e outros vícios, como drogas e jogos. A juíza ainda acrescenta a mudança de religião como outro motivo para as crescente separações, pois existe a alteração de comportamento nestas situações. Mas, de acordo com ela, o desgaste da relação é o maior causador de separações e divórcios.

Joeci informa que o número de divórcios ajuizados por ela é muito maior do que de separações. Isso acontece porque muitos casais se separam informalmente, sem regularizar a situação na Justiça, em virtude da parte financeira. "Eles não se preocupam em regularizar imediatamente. Quando existe essa possibilidade, estão em outro relacionamento. Querem casar de novo, logo após o divórcio. Muitas vezes, ao mesmo tempo que possibilito a regularização, favoreço também o casamento", explica.

Cidade acredita que a dissolução do casamento pode ser evitada com alguns pactos firmados entre marido e mulher. "Eles acordam que não se pode repetir uma briga, por exemplo. Muitas vezes a separação é inevitável, mas muitos conseguem se conciliar. O casal estava desinformado e faltava uma interferência de pessoa que não tem nada a ver com a relação, que pode ser um advogado, um psicólogo, um terapeuta", considera o advogado, destacando que existem casos em que um dos casados opta em se separar para salvar o patrimônio da família.

A juíza Joeci analisa que as pessoas estão mais conscientes de seus direitos e do processo de separação e divórcio. Isso se deve muito, segundo ela, ao atendimento que o Núcleo de Conciliação faz na sede da Vara, no Centro Cívico, em Curitiba, e nas Ruas das Cidadanias, nos finais de semana, através do projeto Justiça nos Bairros. "Hoje as pessoas não têm mais receio de vir ao fórum quando precisam. Com o programa, elas recebem atendimento na hora. Muitos não regularizavam a situação porque não podiam perder dias de trabalho para ir até o fórum", fala.

Biblicamente, matrimônio é indissolúvel

A Igreja Católica não aceita a segunda união de uma pessoa separada judicialmente. Somente por uma vez é permitido o casamento no religioso. O padre Reginaldo Manzotti, da Paróquia São José Operário, em Pinhais, explica que o catolicismo vê o matrimônio como indissolúvel, baseando-se neste ensinamento da Bíblia: "o que Deus uniu, o homem não separa". "Quando o casamento é feito na igreja, não há separação. Por isso não se reconhece o divórcio", observa.

O padre orienta que o divórcio não seja a primeira decisão diante do conflito. A busca por outros relacionamentos não vai resolver o problema, de acordo com ele. "Às vezes, o problema não está no outro. Está na própria pessoa, que apenas fica transferindo a dificuldade. É preciso procurar o diálogo e lembrar que o perdão é o único bálsamo que cura", afirma. Ele também aconselha a ajuda da Pastoral da Família, de um conselheiro matrimonial e da própria fé para superar os empecilhos. Manzotti lembra que as separações podem ocorrer porque alguns não estão dispostos a largar a vida de solteiro. O casamento, nesses casos, é visto apenas como ato social, causando o esquecimento dos compromissos.

Para ele, a fase do namoro deveria ser mais valorizada pelas pessoas. "O ficar não é suficiente e não implica compromisso. O namoro precisa ser valorizado porque é a fase do conhecimento." Se as duas pessoas não se conhecem direito, há grandes chances da separação acontecer por incompatibilidade, diferentes personalidades ou por serem imaturos. Na opinião de Manzotti, o casamento não deveria ser realizado em situações em que uma das partes é forçada pela família, como quando a mulher engravida, por exemplo. "Somos contra o casamento coagido. Muitos deles são nulos perante a igreja. Existe o Tribunal Eclesiástico, no qual se entra com a declaração de nulidade. Isso tem acontecido muito", diz.

O padre somente aceita a separação dos corpos quando há riscos para a vida, como ameaças e violência contra a mulher. Mas nem por isso a parte que se "beneficiou" vai ficar livre para contrair novo matrimônio. Pede-se para que a pessoa se mantenha sozinha. Aqueles que já estão no segundo ou terceiro casamento civil não podem comungar ou confessar, mesmo sem a intenção da igreja em fazer o julgamento da situação. "Não nos cabe julgar. A misericórdia de Deus está além da própria igreja. Isso significa que não vão para o inferno, mas também não vão estar em plena comunhão. O pacto foi quebrado", conclui Manzotti. (JC)

Problema afeta muito os filhos

A separação dos pais sempre causa sofrimento aos filhos, independentemente da idade. A partir de um ano, a criança já sente os traumas em não conviver mais diretamente com um dos pais. A professora doutora Lídia Weber, do departamento de psicologia da Universidade Federal do Paraná (UFPR), explica que o casal deve tomar cuidados ao dar a notícia da separação. Os dois não podem, em nenhum momento, esquecer as obrigações da função que assumiram: educar e orientar seus filhos.

"Os pais devem pensar muito antes para depois comunicar a decisão aos filhos. Isso ajuda a evitar o sofrimento antecipado das crianças", conta Lídia. Se a culpa pelos pais estarem se separando atingir os filhos, pode-se procurar a ajuda de um psicólogo. "Eles brigam muito entre si e também com a criança, que começa a achar que a culpa é dela. Tudo deve ficar claro para a criança. Se os pais brigam muito, são desajustes antes da separação."

Baseando-se em pesquisas, a professora explica que os filhos de pais separados são mais propensos a ter problemas conjugais, à depressão e a uma saúde debilitada. Isso porque o modelo não foi bem trabalhado. Quanto mais cedo a separação ocorrer, maior a chance do problema se estender. O filho nesta situação terá dificuldades em estabelecer vínculos porque não confia em outros relacionamentos e acha que as separações são inevitáveis. "Mesmo quando o filho já é adulto, a separação traz sofrimento. Mas a proporção é menor em relação às crianças", declara.

Segundo Lídia, os pais podem se separar no casamento, mas nunca de seus filhos. Devem manter as obrigações que sempre tiveram enquanto estavam unidos. "Quem fica com a guarda da criança, normalmente a mãe, acaba ficando mais distante dela. Isso ocorre porque tem que dar as ordens e cuidar dos filhos, além do estresse da rotina, do trabalho e do próprio divórcio. Há casos em que o marido sai de casa e, quando volta para ver os filhos, se torna o pai ideal, que não estabelece regras. A criança cresce achando que a mãe é má e o pai é bonzinho. Os pais devem fazer um contrato. Senão, é muito difícil para quem ficou com a guarda. É dever dos pais colocar regras e também dar amor", completa. (JC)

Separação judicial, o 1.º passo

O advogado Mário Cidade explica que a separação judicial é o primeiro passo para chegar ao divórcio. Quando há afastamento de corpos, para que um saia de casa, o juiz determina uma medida cautelar. A parte que fez o pedido tem 30 dias para entrar com a ação de separação propriamente dita. No período em que estiverem nesse patamar, os bens ainda não são divididos entre marido e esposa, conforme o regime de comunhão adotado durante o casamento. "Um casal pode ficar separado para o resto da vida em função dos bens. Somente separada, a pessoa não pode casar de novo. Muitos ficam nessa situação até mesmo para prevenir novas tentativas de união", relata.

Depois de um ano de separação, o casal pode entrar com o processo para o divórcio, no qual o patrimônio também é regulamentado. O divórcio pode ser feito diretamente no primeiro pedido, desde que o casal já esteja separado há algum tempo, por iniciativa própria, e só precise de regulamentação. Todo o processo pode ser consensual ou judicial, quando é necessário chamar um juiz para analisar o quadro.

De acordo com a juíza da 4.ª Vara da Família, Joeci Machado Camargo, se a separação é pacífica, as primeiras questões a serem resolvidas são os filhos. "Na maioria das vezes, o ex-casal já vem com a guarda das crianças definida. A guarda compartilhada, em que os dois assumem as responsabilidades, acontece mais nas famílias com baixa renda. Depois disso, são estabelecidas as visitas e a pensão de alimentos", comenta. A porcentagem do salário da parte que vai dar a pensão pode ser alterada conforme sua situação financeira ou a necessidade dos filhos. (JC)

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