Dom da revelação ou charlatanismo?

Saber o que vai acontecer no futuro talvez seja o maior desafio do ser humano. Curiosidade e prevenção do que vem pela frente motivam muitas pessoas a procurarem respostas no tarô, nas cartas, nos búzios. Muitos também partem para estes processos com a intenção de resolver problemas que parecem não ter solução. Este é um assunto polêmico, que está relacionado com a crença de cada um. Mas é preciso ter cuidado para não cair em mãos de pessoas que só querem tirar dinheiro daquelas que acabam se envolvendo demais na procura por indícios.

A delegada Vanessa Alice, da Delegacia de Estelionato, conta que a ação de aproveitadores é um fato comum. "Eles iludem tanto que muita gente acaba caindo nessa. Quando as pessoas descobrem, geralmente não denunciam o golpe por vergonha de mostrar que foram enganadas. O problema dos golpes é esse. Os que denunciam querem reaver a quantia perdida, o que é muito difícil. Fica mesmo na parte criminal", afirma.

Vanessa explica que há dois inquéritos na delegacia de um homem que aplicou golpe em duas pessoas. O envolvimento começou com a leitura das cartas de tarô e trabalhos para desmanchar dificuldades que outros colocaram em suas vidas. "Atrás dessa consulta cobrada, de início bem barata, vem o golpe. Fatalmente diz que precisa de trabalho e por aí vai. Neste caso registrado na delegacia, tudo começou com o tarô e acabou em feitiçaria e viagens para vários lugares para desmanchar os trabalhos. Começou a exigir muita coisa. De uma pessoa ele tirou R$ 13 mil e de outra foi R$ 7 mil", lembra. Para ela, a atuação desses que se fazem passar por sensitivos e videntes acaba na extorsão à medida que envolve toda a vida de uma pessoa, até mesmo com a invenção de problemas. Por isso, Vanessa orienta para desconfiar quando se pede demais.

A reportagem de O Estado ligou para alguns telefones de videntes, informados em folhetos distribuídos pela cidade. Em nenhum contato o atendente perguntou qual era o problema a ser resolvido. Quando o método dos trabalhos foi questionado, todos afirmaram ser necessário passar pela primeira consulta, paga (preço até R$ 25), para determinar qual era o procedimento. Todos prometeram resultados.

A vidente Andréa Garcia, que atende há 22 anos, acredita que os processos divinatórios foram generalizados por causa de alguns aproveitadores que enganaram clientes com promessas de trabalhos. "Criou-se uma imagem de que todo mundo é farsante. Mas não é assim. Quem quer fazer o bem acaba sendo discriminado. Cada pessoa que ajudo é uma evolução que tenho. Só ajudo quem é bom e que merece o meu auxílio", opina.

A sensitiva paranornal Idalina, que atende há 30 anos, conta que já presenciou relatos de pessoas que tinham medo de serem enganadas novamente. "Como em todo lugar, existe gente do bem e gente do mal. Na política e na religião também é assim. Muitas vezes, por essas pessoas serem erradas, outras sofrem por tentar ajudar. Quando recebe essa graça, é seu dever ajudar", conclui.

Quem não acredita em processos divinatórios pode argumentar que os farsantes sempre dizem as mesmas coisas para qualquer um. A professora Liliana Porto, do departamento de Antropologia da Universidade Federal do Paraná (UFPR), esclarece que esses processos envolvem muito estereótipos. "Pela prática, já se percebe traços da pessoa que entra na sala, como um professor percebe quando um aluno pode ter ou não dificuldades com o aprendizado. As pessoas que trabalham com isso desenvolvem essa sensibilidade de conhecer as outras. Mas isso não é ruim ou só serve para golpistas. Faz parte do processo. Neste caso, até ajuda para adequar a orientação", enfatiza. Para ela, muitas pessoas vão até as videntes para falar, e não para ouvir. Isso faz com que saiam de lá acreditando no que escutaram. "Tem pessoas que ganham dinheiro com isso, mas as que freqüentam os ?consultórios? não são ignorantes. Por isso é um assunto muito delicado", classifica.

Desconfiança impede realização de trabalhos

Ainda quando estava na faculdade, Betina (nome fictício) decidiu sanar uma dúvida no relacionamento amoroso consultando uma vidente. Estava curiosa e somente seguiu em frente porque a pessoa havia sido indicada por membros da família. "Há relatos de amigas minhas que foram e saíram horrorizadas com coisas que disseram que não condizem com a vida delas. Caso deseje ir, tem que ser com uma pessoa de confiança e que não faça isso pelo dinheiro. Por que tanto interesse no dinheiro se tem essa função espiritual?", questiona. Ela já consultou cinco vezes em duas videntes, indicadas por familiares e por amigos. Diz que não tem receio, mas que fez questão de procurar alguém confiável.

Betina acredita em processos divinatórios. Isso porque as informações passadas para ela bateram com o que estava sentindo. "90% aconteceu. Tem que acreditar por causa dessa porcentagem. Elas acertaram coisas mais próximas do presente. Futuro distante é difícil, mas apontam os caminhos. Você é quem vai escolher porque isso não é profecia", avalia.

Betina não é a única que procura estes processos para solucionar problemas amorosos. Segundo a sensitiva paranormal Idalina, as dificuldades na saúde, nos negócios e na vida conjugal são os principais motivos para a procura por seu atendimento. "Tem gente que chega aqui e quer saber se vou receber espíritos, o que não tem nada a ver. A maioria tem medo justamente por causa disso. Os trabalhos são para fazer um livramento. Deus põe nas mãos o dom de visão e da revelação", indica.

Idalina afirma que muitas pessoas vão até a casa dela desacreditadas nestes processos. "Quando vejo que não acreditam, peço para procurar outro lugar. Levo isso com muita seriedade porque se não faço, Deus me cobra". Ela explica que os trabalhos somente são feitos se Deus concede permissão. Não adianta um paciente em estado terminal de um câncer, por exemplo, tentar a cura por meio dela. "Sou sincera e tenho um nome a zelar. Neste caso, nem médicos deram conta. Não posso passar por cima de tudo isso e prometer alguma coisa", comenta. Idalina cobra R$ 10 pela primeira consulta, dinheiro que, segundo ela, é revertido em doações. "Depois disso, não cobro nada, nem os trabalhos. A pessoa só compra o material, quando necessário. Quando faço o trabalho, garanto. Se não for para dar certo, nem faço", frisa.

A reportagem de O Estado chegou até Idalina depois de ver um anúncio em um muro na esquina das ruas Cândido Hartmann e Jacarezinho, no bairro Mercês. Ela diz desconhecer a divulgação. "Provavelmente foi feito para agradecer alguma graça alcançada. Não sei quem fez isso. Mas há aqueles que querem me agradecer quando dá certo. Quando desejam, contribuem com cestas básicas para ajudar os necessitados". (JC)

Videntes admitem: resultados não são imediatos

A vidente Andréa Garcia diz que os processos divinatórios somente são possíveis quando Deus quer. "Quando é uma coisa de carma, não consegue mudar. O mal existe e muita gente quer atrapalhar a vida dos outros. A maioria tem esses atrapalhos. Já vi gente perder tudo por causa de trabalhos. Faço isso para a abertura de caminhos, para a purificação, com a intenção de voltar para o destino que Deus deu", declara. Segundo ela, muita gente diz que jogou "pedra na cruz" porque tudo dá errado em suas vidas. Entretanto, "Deus é um Pai de amor. Não é normal tudo dar errado".

Andréa explica que muitas pessoas aparecem pedindo solução para os relacionamentos amorosos, mas ela segue o mesmo critério para todas as situações. A vidente comenta que alguns querem o amor de uma pessoa a qualquer custo e nem sempre conseguem o que desejam. "Só unimos essas pessoas se for realmente o destino delas".

Andréa conta que metade das pessoas que a procuram querem resultados imediatos, o que não acontece. Para ela, é preciso ter fé e força de vontade. "Querem tudo de imediato, mas muitas vezes os tempos dos espíritos de luz não são os mesmos que os nossos", afirma. A vidente cobra R$ 25 pela primeira consulta. Depois, não cobra nada. Se tiver algum custo com material para trabalho, a pessoa interessada compra os itens necessários. (JC)

Forma de organizar o mundo fora da lógica

O interesse por búzios, cartas, oráculos, adivinhação, entre outros, está presente em todo o mundo. A lógica por esses processos divinatórios é distinta da que rege a nossa sociedade, segundo a professora Liliana Porto, do departamento de Antropologia da Universidade Federal do Paraná (UFPR). "Racionalmente não tem sentido. Embora não pareça lógico, dá respostas. Existe o desejo de conhecer o futuro, mas há algo maior do que isso por trás", afirma.

Ela explica que os processos são sempre abertos e trabalham muito com a simbologia, até mesmo para responder todas as perguntas de diferentes pessoas. Para Liliana, quando os processos divinatórios são levados a sério, apontam caminhos que dão direção para a vida. A professora, porém, ressalta que sempre será necessário interpretar o que eles informam. "Ser aberto não significa ser qualquer coisa".

Apesar de alguns não acreditarem nisso, Liliana rebate dizendo que muita gente organiza a vida dessa forma. "É uma forma de organizar o mundo, com eficácia. É uma outra maneira de perceber as coisas, fora da lógica da causalidade. A tendência é as pessoas descaracterizarem esses processos por causa disso", opina a professora. (JC) 

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