De moedinha em moedinha

Flanelinha ganha mais dinheiro do que professor em Curitiba

Foto: Felipe Rosa/Arquivo.

Onde houver movimento de carros, eles estarão lá. Os flanelinhas não só se espalham pelas ruas de Curitiba, como lucram alto. Dependendo do ponto, um guardador de carro chega a receber até R$ 4 mil em gorjetas por mês. Principalmente em parques, quando o fluxo grande de veículos em finais de semana de sol chega a dobrar os rendimentos dos flanelinhas.

O valor chega a ser maior do que o piso de algumas categorias profissionais. Em relação aos professores da rede estadual que trabalham 20 horas semanais, por exemplo – um professor da rede estadual, por exemplo, com jornada de 20 horas semanais, recebe R$ 1.415,78. O piso de farmacêuticos de hospitais e outros estabelecimentos de saúde do estado, para uma carga horária de 44 horas semanais, está em R$ 2.916,41.

Os R$ 4 mil que um flanelinha pode lucrar por mês têm suas variáveis. A caixinha fica mais gorda quanto mais próximo o ponto for de destinos turísticos. Fins de semana consecutivos de sol e férias escolares também ajudam a guinar as gorjetas.

“Num final de semana bom, se tem sol, tiro até R$ 1.000. Já cheguei a ter um mês inteiro bom. Mas nem sempre é assim. Se fosse, eu estava rico e bem se vê que não estou”, aponta um flanelinha que atua na região do Jardim Botânico somente aos sábados e domingos. Quando o movimento não colabora, ele conta que a soma diminui, podendo variar entre R$ 600 e R$ 800 nos dois dias do final de semana.

Nas proximidades de um shopping no bairro Alto da XV, a quantidade de vagas nas ruas também atrai aos guardadores. Um deles, que trabalha de domingo a domingo no local, afirma que é possível levar para casa todos os meses R$ 3 mil – cerca de R$ 100 por dia.

“Eu estou aqui há 15 anos e criei meus filhos com esse dinheiro. Não acho que estou fazendo nada ilegal e não exijo que ninguém me pague. Se me dão R$ 0,10, eu agradeço muito, peço para Deus dar em dobro”, comenta o flanelinha, que classifica uma boa gorjeta quando recebe R$ 10 – rara, mas que acontece às vezes. “O que recebo aqui, parte vai para o banco para pagar meu terreno. O resto é conta de água, luz, para o gás. Eu ganho o pão que acho que preciso”, comenta.

Mas não são apenas os trocos diários que vão para a caixinha. Alguns funcionários de um shopping que deixam o carro nos estacionamentos têm um acordo mensal para o flanelinha cuidar dos carros. “Eles pagam entre R$ 30 e R$ 40 para eu cuidar do carro deles. Eles sabem que eu realmente cuido”, pontua.

No entorno do Mercado Municipal, no Centro, a atividade também sustenta famílias. Um dos guardadores de carros que atua na região disse que costuma levar para casa cerca de R$ 3 mil – o que o ajuda a sustentar os filhos e as crianças de dois familiares que estão presos. “É a forma que tenho de ganhar dinheiro. Não é que eu goste de estar aqui todos os dias, mas preciso”, diz.

Foto: Felipe Rosa/Arquivo
Foto: Felipe Rosa/Arquivo

Uber reduz lucro

Agora regulamentado em Curitiba, o serviço de transporte individual como Uber e Cabify tem impactado na renda dos flanelinhas. Um dos guardadores ouvidos pela reportagem comenta que a quantidade de trabalho em noites de eventos, como formaturas, casamentos, shows e festas em geral diminuiu em torno de 35%. “No Espaço Torres [centro de convenções no Jardim Botânico], dava para levar R$ 2 mil por noite, o que a gente dividia em três, quatro. Esses dias, sem mentira, levei R$ 40 para casa”, afirma um flanelinha.

O guardador de carros que atua nas proximidades do Jardim Botânico também sente no bolso a atuação dos aplicativos. Ele conta que dos quase 40 carros de conseguia cuidar em noites de shows na Pedreira Paulo Leminski, a média agora é de 12 carros por vez.

“O Uber estragou mesmo. Quanto tinha show antes dava para sair até R$ 100 por carro. Se você cobrava menos, os outros flanelinhas brigavam. Mas agora está bem parado”.

Sem regulamentação

A atividade dos flanelinhas não é regulamentada. A última proposta para normatizar o trabalho tramitou na Câmara em 2014 e foi arquivada em janeiro deste ano devido ao fim da legislatura de Ailton Araújo (PSB), autor do projeto, que, à época, defendeu a regulamentação como forma de evitar crimes praticados por pessoas que se passavam por flanelinhas.

A prefeitura de Curitiba ressalta que, como não é uma atividade legal, a Secretaria Municipal de Trânsito (Setran) não tem mecanismos próprios para fiscalizar a atuação dos flanelinhas nas ruas de Curitiba. Em casos de extorsão, a pasta indica o registro de boletim de ocorrência na Polícia Militar, mas orienta que os moradores da cidade não “alimentem esse tipo de pagamento”.