Silêncio quebrado

Delegado da PF que quebrou equipamento de vigília pró-Lula diz que cansou de abusos

Na entrevista, Gastão disse que o que motivou seu ataque de fúria foi o descumprimento do acordo feito anteriormente por parte dos militantes. Foto: Átila Alberti

Depois de se envolver no episódio que ganhou repercussão, quando quebrou parte do equipamento de som utilizado por militantes na vigília em apoio ao ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva, nas imediações da Polícia Federal (PF), no Santa Cândida, em Curitiba, o delegado Gastão Schefer Neto quebrou o silêncio nesta terça-feira (15). Em coletiva de imprensa convocada por moradores da região, ele disse que naquele dia não gritou Bolsonaro e que agiu simplesmente porque estava cansado dos barulhos e de ver sua filha, um bebê, sem conseguir dormir.

Unido a um grupo de vizinhos, que chamaram a imprensa para expor sua insatisfação a respeito do que vem acontecendo há mais de um mês no bairro, o delegado da PF resolveu falar como morador e não como policial. “Qualquer pessoa tem limite e nenhum pai quer ver sua filha chorando. Naquele dia, uma deputada começou a gritar, por volta das 8h, desrespeitando as regras que eles dizem que respeitam, minha filha que não tinha dormido a noite voltou a chorar e eu perdi o controle”, contou.

Segundo Gastão, desde o dia em que Lula chegou a Curitiba, a vida da família dele e de todos os seus vizinhos mudou completamente. “É perturbação de sossego, barulho, intimidação e muitas ameaças. E depois do ocorrido, minha casa virou romaria e muita gente começou a vir me ameaçar. Eles falam que eu sou fascista, mas não sou fascista, só estou cansado de não ter paz ao chegar em casa”, desabafou.

A quantidade de situações de perturbação de sossego, conforme informou o próprio morador, apenas vai aumentando no 4º Distrito Policial (DP), que atende a região. “São muito mais de 20 boletins de ocorrência, mas as ligações para o 190 (da PM) e para o 156 (da prefeitura) são mais de 20 por dia”, disse Gastão, completando que o que está acontecendo no Santa Cândida não é uma manifestação. “Nem de longe, aquilo é uma ocupação permanente. Até porque, nunca vi uma manifestação durar 37 dias. Como alguém consegue ficar tanto tempo sem trabalhar? Quem está pagando o salário dessas pessoas?”.

Ditando regras

Moradora da região, Rosete Dranka, de 58 anos, mora no mesmo endereço há 30 anos e contou que já passou por todo tipo de constrangimento desde o primeiro dia de ocupação. “Primeiro, a frente da minha casa foi invadida, depois conseguimos fazer com que as barracas saíssem. Mas cada vez está sendo pior e agora eu temo pela minha vida, pois fui ameaçada”, desabafou a mulher. “A democracia deles, é a ditadura nossa. Nós estamos abaixo da lei e eles estão acima, é isso que está acontecendo”.

A moradora contou à Tribuna do Paraná que, na última sexta-feira (11), foi agredida verbalmente. “Fui lavar a calçada de casa e não é permitido sair de casa, sabe? Aí me ameaçaram. Mas isso já aconteceu várias vezes e acontece sempre, porque bato de frente o tempo todo, pois quero meu ambiente limpo”, disse Rosete, denunciando que se sente presa, pois os manifestantes têm determinado até mesmo que horas os moradores podem colocar o lixo para fora de casa.

Buscando soluções

Nesta segunda-feira (14), alguns moradores e a advogada Patrícia Busatto foram recebidos pela governadora Cida Borghetti (PP), que não só lhes atendeu como também fez promessas. “E é nisso que estamos confiando nesse momento. Pois a única coisa que nós temos de concreto até agora é o interdito proibitório, que não vem sendo cumprido. Desde a chegada do ex-presidente, temos ruas que têm sido sim ocupadas pelos manifestantes pró-Lula”, explicou a advogada.

Entre os principais pedidos dos moradores, além de fazer com que os manifestantes saiam da região, está o reforço na segurança. “Essa foi a primeira promessa, de reforçar a segurança para os moradores, pois isso é responsabilidade do Estado. Estamos confiando, vamos aguardar alguns dias e, se os manifestantes ali continuarem, vamos entrar com mandado de segurança para obrigar que as autoridades públicas cumpram a lei e ajam em beneficio da proteção dos direitos dos moradores”.

Para o delegado Gastão Schefer Neto, a esperança está nas forças de segurança. “Prometeram agir e nós esperamos neles, porque aquilo virou movimento pelo movimento. O presidiário não vai mais ser solto, não tem como isso acontecer, então acabou. Ele vai ficar preso, mas espero que seja transferido do Santa Cândida para o Complexo Médico Penal (CMP), em Pinhais, na Região Metropolitana de Curitiba”, comentou.

E os acampados?

“Nada do que está sendo dito é verdade”, assim define Regina Cruz, presidente da Central Única dos Trabalhadores do Paraná (CUT-PR) e líder da vigília Lula Livre. Segundo ela, os moradores não são impedidos de entrar e sair de casa. “Eles mesmos bloquearam as calçadas e colocaram faixas, não fomos nós. Além do mais, não tem nenhum interdito proibitório que os obriga a ficarem dentro de casa, estão livres”.

A líder da vigília disse que as ameaças, se vierem, não vieram pelos integrantes do movimento fixo. “Temos a certeza de que não foram os integrantes do nosso grupo da vigília, que está sempre aqui. Como são várias outras pessoas que passam por aqui sempre, pode ser que tenha sido neste momento e, por isso mesmo, pedi que eles façam provas, gravem, filmem, e denunciem. Se ficar comprovado, tomaremos providências, mas até agora não apareceram denúncias”, defendeu Regina.

Sobre o fato de se manterem fixos ali no entorno da Polícia Federal, Regina explicou que foi dito, desde o começo, que os manifestantes só vão sair com o ex-presidente solto. “Mas, no caso de ser transferido, nós vamos onde Lula estiver”, reforçou a líder do movimento, destacando que os horários se mantem conforme antes. “Começamos 9h e terminamos 19h, mas agora com a diferença de que não estamos mais usando o som, ou seja, o barulho é ainda menor”.

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