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Um ator visceral com seus personagens

A maneira visceral com que o ator Lima Duarte, de 86 anos, interpreta pode ser estendida para sua defesa dos personagens que fez ao longo desses quase 70 anos de carreira, em particular, os realizados para o cinema. Muitas vezes, o ator se indispôs com os diretores por discordar dos filmes que fez com eles, ao ponto de indicar problemas até mesmo para o seu maior trabalho no cinema, “Sargento Getúlio”, de Hermano Penna. “Se eu digo que não gostei de algumas coisas no filme, os diretores ficam chateados. Mas não posso ser leviano com os meus personagens, com o texto que gerou a construção deles, tenho o dever de ser fiel a eles e sou”, diz Lima Duarte, em entrevista exclusiva ao jornal O Estado de S. Paulo, em que fala sobre sua relação com os filmes, sobre o Festival de Brasília, que já lhe premiou com um Candango de melhor ator, e a decisão em não ir ao evento para apresentar o filme Deserto, de Guilherme Weber, que encerra nesta segunda, 26, a Mostra Competitiva. “Sei da importância do Festival de Brasília, já estive lá em duas situações, mas acredito que ele padeça de ideologização e partidarização muitas vezes em detrimento dos filmes que apresenta. A gritaria lá certamente será generalizada com o ‘Fora Temer’ e sobrará pouco espaço para o silêncio necessário para apreciar um filme, um trabalho artístico. A arte precisa ser recebida em outro campo sensorial”, defende ele.

Lima lembra com carinho de sua passagem pelo Festival de Brasília de 1977, não por ter ganhado o Candango de melhor ator pelo filme “O Crime de Zé Bigorna”, de Anselmo Duarte, que considerou inferior à primeira adaptação do texto de Lauro César Muniz, feita para a Globo num Caso Especial em 1974. No dia da exibição, o ator decidiu não assistir ao filme ao lado de parte do elenco, do diretor e do produtor Oswaldo Massaini – ficou nas últimas fileiras da sala do cinema. “Estava lá naquele canto, meio no anonimato. Já tinha passado 20 minutos do filme e percebi que não estava gostando. Olhei para o lado e vi uma morena bem jeitosinha que não me reconheceu. Perguntei se estava gostando, ela disse que nem tanto. Não pensei duas vezes e a convidei para irmos a um lugar mais reservado, ela aceitou. Fomos para o Hotel Nacional, onde estava hospedado, e ficamos lá quase uma hora, tempo suficiente para voltarmos ao cinema e assistirmos ao final do filme. Anselmo Duarte perguntou na saída sobre o filme, disse tinha adorado, mas claro que me referia à morena e não ao filme”, conta Lima, rindo. O ator só viria o filme inteiro num festival de cinema na Alemanha logo depois e, mesmo tendo sido elogiado na prestigiada revista Der Spiegel, que comparou seu trabalho aos personagens de Charles Chaplin, não se deixou seduzir e, em uma entrevista, falou que não gostou do seu desempenho nem do filme.

Mesmo colecionando indisposições com os cineastas que o dirigiram por causa das declarações negativas que o ator faria aos filmes, Lima Duarte nunca deixou de receber convites deles. Alan Fresnot, que o dirigiu em “Lua Cheia”, o convidaria anos depois para fazer outro filme dele, “Família Vende Tudo”, mesmo o ator tendo feito ressalvas ao trabalho anterior. “Os atores devem defender seus personagens com unhas e dentes e cabe ao diretor estimular essa entrega incondicional”, diz Lima Duarte.

O diretor Guilherme Weber não se cansa de dizer que Lima é seu ator preferido. Mesmo sabendo dessa relação complicada dele com os cineastas, não se intimidou quando decidiu chamá-lo para fazer o papel principal do seu filme “Deserto”, sobre uma trupe de atores errantes que chegam a um lugarejo para se apresentar para seus moradores. “Eu cresci o admirando e não tinha outra opção para o papel. É um ator que une o erudito e o popular como poucos e seu amor pelo ofício é admirável”.

Lima Duarte disse que adorou trabalhar com Weber e considera o filme uma homenagem à arte de representar e ao diretor Fellini.

O ator, que se consagrou popularmente na TV a partir de 1950, começou um ano antes a fazer cinema. Sua estreia se deu no filme “Quase no Céu”, dirigido por Oduvaldo Vianna, que aproveitou o elenco da rádio Tupi. Ao todo, Lima fez 39 filmes contando com dois que entrarão em cartaz – além de “Deserto”, a comédia “O Crime da Cabra”, de Ariane Porto e Teresa Aguiar -, e foi chamado para mais dois filmes, um sobre a Operação Lava Jato, de uma produtora em Curitiba, e o outro sobre a vida do compositor Carlos Gomes, que será rodado em 2017 e dirigido por Ariane Porto. “Tive o privilégio de trabalhar em três filmes com Lima Duarte: no que dirigi sozinha, o infantojuvenil A Ilha do Terrível Rapaterra; fui atriz e roteirista em Topografia de Um Desnudo, em que ele fez um mendigo; e agora nessa comédia despretensiosa O Crime da Cabra”, conta Ariane. “O talento de Lima todo mundo já conhece, mas talvez o que as pessoas não saibam é que esse talento vem de uma alma generosa, amorosa, que transforma tudo e todos ao redor.” As informações são do jornal O Estado de S. Paulo.

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