Pesquisa relata rituais Hare Krishna

d41_281104.jpgO movimento Hare Krishna no Brasil é conhecido institucionalmente como Sociedade internacional para a consciência de Krishna (ISKCON). Foi fundado na década de 60 pelo indiano Bhaktivedanta Swami, nascido em Calcutá, capital da Bengala Ocidental, e uma das maiores cidades da índia. Ele levou este movimento para os Estados Unidos criando sua versão ocidental, a qual se espalhou pelo mundo. A raiz do Hare Krishna é o Movimento de Sankirtana, do santo Chaitanya Mahaprabhu, que viveu na Bengala Ocidental no final do século XV.

O movimento foi estudado pelo antropólogo Marcos Silva da Silveira, doutor e professor no departamento de Antropologia da UFPR, que teve o objetivo de conhecer seus rituais. Ele explica que o movimento se propunha a ressacralizar o mundo moderno, a partir da realização de um ritual padronizado, acessível a todos. Todo fim de semana seus participantes realizavam um festival dominical perto de sua casa, em Brasília, como faziam em qualquer lugar do Brasil e do mundo, o que, para o pesquisador se constituía "em um enorme laboratório de estudos de ritual".

Hare Krishna é uma popularização da religião indiana tradicional Os indianos não se preocupam em manter uma tradição fixa. Atualizam o antigo, buscando novas versões. Os rituais têm o objetivo explícito de sacralizar. Existe um altar com deidades e todo rito é feito para sacralizar. "Você oferece coisas a essas deidades, que depois são transmitidas à platéia; coisas sagradas purificam pelo contato. Você oferece água e depois essa água é jogada nas pessoas, oferece flores e depois cheira as flores sacralizadas", explica o antropólogo.

Em 1996, os devotos comemoraram o centenário do nascimento do fundador. Silveira explica que a questão da celebração era a seguinte. "Chaitanya Mahaprabhu, que viveu há 500 anos atrás, previu que o mantra Hare Hrishna seria cantado no mundo todo. Então o objetivo de celebrar o centenário do Bhaktivedanta Swami era celebrar a realização da profecia. Fizerem festas nos templos em todo mundo inclusive na Bengala Ocidental. Os devotos do Brasil organizaram uma grande excursão e eu fui com eles. Fiquei 15 dias na Bengala, perto de Calcutá, e mais três semanas em outros lugares da Índia. Mas como precisava entender o significado que aquela viagem tinha para eles, continuei convivendo com seus adeptos por mais dois anos".

Sua pesquisa buscava compreender os rituais pela observação do que ocorria com um devoto aspirante ao longo da viagem e que em sua volta ao Brasil foi o único a se iniciar no movimento naquele ano. "Inclusive, lá na Bengala ocorreu um fato interessante com o devoto: tinha dinheiro num saco e acabou deixando-o numa venda. O saco foi devolvido, o dinheiro não. O fato dele estar sem dinheiro teve um significado dentro do movimento que, em certo sentido, era como se, inconscientemente, ele tivesse dado tudo à Chaitanya Mahaprabhu que, então, cuidava dele. Passou a ser ajudado pelos demais, visto como alguém especial", comenta o professor.

Em 1997 acompanhou, em Pindamonhangaba, próximo a Campos de Jordão-SP, a inauguração de um memorial menor. Ali foram construídas réplicas de sítios sagrados indianos. Silveira ressalta que a região fica numa reserva de águas, então a idéia de pureza, que para eles é religiosa, teve uma dimensão ecológica, da pureza da água. Isso criou um diálogo interessante entre os valores deles e a questão dos valores alternativos, na região do Vale do Paraíba do Sul.

A partir de 1998, surgiu outro movimento de sacralização por parte do irmão espiritual de Bhaktivedanta Swami, chamado Narayana Maharaja. Muitos dos adeptos antigos não o aceitaram e o movimento se dividiu, o que se repercutiu também no Brasil. Os que continuam ligados a ISKCON procuram se manter fiéis ao estilo de culto que Bhaktivedanta Swami teria ensinado. Os seguidores de Narayana Maharaja defendem que aqueles ensinamentos originais foram, na verdade, deturpados, e que devem ser corrigidos, a partir dos novos ensinamentos deste outro líder espiritual.

Zélia Maria Bonamigo é jornalista, mestranda no Programa de Pós-Graduação em Antropologia Social pela UFPR, membro do Instituto Histórico e Geográfico do Paraná.

E-mail: zeliabonamigo@uol.com.br

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