Adeus

Paulo Silvino, o canalha mais adorável do Brasil

Foto: Arquivo

“Como era grande a piroga dele / descendo o rio, correndo pro mar / Boi Xavante, índio bravo / com um enorme pirogão…”. Assim começava “A Lenda da Piroga de Cristal”, uma das mais marcantes cenas da carreira de Paulo Silvino, que faleceu nesta quinta–feira (17), após lutar contra um câncer. Afastado da TV há alguns anos, ele era símbolo de um humor que já não cabia mais nesse mundo politicamente correto. Repleto de duplos sentidos, sexista (“Isso é uma bichona!”) e histriônico, Silvino talvez não resistisse às corretas patrulhas que defendem um humor sem agressão de gênero ou raça. Mas, no seu tempo e ao seu estilo, ele fez história. Foi o canalha mais adorável do Brasil.

Por anos, fosse a emissora em que estivesse trabalhando, ou nos palcos em que atuasse, era só olhar pra cara do Silvino que você já começava a rir. Fosse de cara limpa, fosse fantasiado – como a Boneca, que fez sucesso no Planeta dos Homens, durante os anos 1970. Era um dos poucos humoristas que conseguia ter brilho próprio além dos “deuses” Chico Anysio, Jô Soares, Agildo Ribeiro e Trapalhões. Era diferente deles – era o mais ousado, quem mais ficava perto de cruzar a linha do incorreto, ainda mais naqueles tempos bicudos de censura, quando ser incorreto era ser subversivo – quer dizer, ser incorreto era demonstrar claramente que se era contra a ditadura.

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Silvino era o rei dos bordões. Vão aqui alguns: “passinho pra frente, passinho pra trás”, “dandá pra ganhá tentém”, “dá uma pegadinha”, “nas coxinhas”, “ai, como era grande”, “guenta, ele guenta”… E o mais recente, e mais conhecido, que é o “cara, crachá”. O porteiro Severino, do Zorra Total, foi seu último personagem de enorme sucesso, e ainda mostrava a agilidade de um comediante já mais velho, mas que confirmava a essência do humor na definição de Chico Anysio – não existe humor velho ou novo, existe engraçado ou sem graça.

Silvino conseguiu criar um bordão sem precisar falar. Foi na Praça de Carlos Alberto de Nóbrega. Sentado num café ao lado do apresentador, eles conversavam sobre o país tentando tomar um cafezinho. Mas na hora de colocar o açúcar, os açucareiros estavam entupidos. Aí as tentativas se tornavam comentários ácidos sobre a crise sem utilizar qualquer palavra, só o famoso “top, top” que falava por todos nós. E, claro, com aquela cara de canalha que conquistou a minha geração – e a geração dos meus pais.

O Paulo Silvino do TVO-TV1, do Faça Humor, Não Faça Guerra, do Satiricom, do Planeta dos Homens, do Viva o Gordo (a tentação do Frei Serapião era grande, era enorme!), dos sábados substituindo o Chacrinha, da Praça É Nossa, do Zorra Total. Um protagonista da televisão brasileira – e, por tabela, personagem da vida brasileira nos últimos cinquenta anos. É um gigante que diz adeus nesta quinta. Mas sai perguntando: “dá uma pegadinha?”.

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Com Jô Soares, formou uma das parcerias mais notáveis do humorismo brasileiro. Foto: Reprodução
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O porteiro Severino em ação, dono do famoso bordão “cara, crachá; cara, crachá”. Foto: Divulgação/Rede Globo
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Paulo Silvino como o impagável índio Pataco Taco, junto com o humorista Orlando Drummond./Foto: Rede Globo

 

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Personagem Teseu no “Zorra total”, que era superapaixonado pela mulher, interpretada por Samantha Schmutz./Foto: Divulgação/Rede Globo