Nestes 40 anos da telenovela diária, alguns casais marcaram época

Há 40 anos, no começo da história das telenovelas diárias, a exemplo do que acontecia na sociedade da época, os casamentos costumavam ser bem mais duradouros. Ainda que os mocinhos e mocinhas da história, como hoje, também penassem longos e longos capítulos para, ao final, terem apenas mencionado o tão aguardado “…e foram felizes para sempre”. Mas a “lua-de-mel” podia ser conferida em outras produções, já que as “dobradinhas românticas” se estendiam por várias novelas.

Tarcísio Meira e Glória Menezes, que viveram o casal da primeira telenovela diária, 25499-Ocupado, em 1963, passaram as décadas de 60 e 70 interpretando casais apaixonados. Eva Wilma e John Herbert foram, de 1954 a 1964, o “casal 20” da televisão brasileira, dando vida aos diferentes casais que protagonizavam as histórias do seriado Alô Doçura, da Tupi. Pares como os vividos por Regina Duarte e Cláudio Marzo em Véu de Noiva, Minha Doce Namorada e Carinhoso, ou Yoná Magalhães e Carlos Alberto em Eu Compro Esta Mulher, A Ponte dos Suspiros e A Sombra de Rebeca também preencheram o imaginário do público como o “casal ideal” da ficção.

Na visão da maior parte destes atores, a identificação aconteceu totalmente por acaso. Mesmo Tarcísio e Glória, que já namoravam quando estrelaram 25499-Ocupado, rejeitam a idéia de que tenha havido, em qualquer momento de sua carreira, a intenção de consolidar a parceria na ficção. “Nunca houve a preocupação de trabalharmos sempre juntos. Mas também não havia motivos para evitar”, avalia Glória. “Sempre foi confortável, mas só porque podíamos tirar nossas férias ao mesmo tempo”, corrobora Tarcísio. No caso de Eva e John, o “empurrão” do destino foi bem mais explícito. No início do seriado, era com Mário Sérgio, galã dos estúdios Vera Cruz, que a atriz fazia par. Mas ele desistiu do programa poucos meses depois. “Eu e o John tínhamos o ?timing? da comédia. E o texto era muito bem escrito”, tenta justificar Eva, que repetiu o par com o ator em Prisioneiro de um Sonho, de 64, e Comédia Carioca, de 65, ambas na Record.

Para Mauro Alencar, autor de A Hollywood Brasileira -Panorama da Telenovela no Brasil, não há explicação para a força que determinados casais adquiriram no imaginário do público e, conseqüentemente, na história da telenovela. “O mágico da ficção é exatamente isso: há coisas que não se pode explicar”, filosofa. Já Carlos Alberto aposta sobretudo na força das histórias como a responsável pela consolidação destes pares memoráveis. “O que faz um casal é uma grande novela. Depois do primeiro sucesso, passa-se a tentar repetir os mesmos fatores. Mas nenhum casal sustenta uma trama fraca”, opina, exaltando Eu Compro Esta Mulher, seu primeiro trabalho com Yoná.

Os fatores determinantes podem até ser imponderáveis. Mas a força de pares como Yoná e Carlos Alberto e Tarcísio e Glória foi, durante um tempo, incontestável. Tanto que em 1968 a Globo resolveu “trocar as bolas” e o resultado não foi positivo. Em Passos dos Ventos, o casal principal ficou com Glória e Carlos, enquanto Yoná e Tarcísio estrelavam A Gata de Vison. Tarcísio acabou saindo no meio da trama e, nas produções conseqüentes, tudo “voltou ao normal”, com Tarcísio e Glória em Rosa Rebelde e Yoná e Carlos em A Ponte dos Suspiros. Mas o ator contesta a resistência do público. “As pessoas sempre nos aceitaram contracenando com outros atores. E a novela que a Glória fez com o Carlos Alberto foi bem”, defende Tarcísio.

Embora extremamente bem-sucedida nas décadas de 60 e 70, a estratégia dos pares constantes foi progressivamente perdendo espaço a partir dos anos 80. Até existem tentativas recentes, mas nenhuma delas resultou na consolidação de um “casal-modelo”. Letícia Sabatella e Ângelo Antônio arrebataram o público como Taís e Beija-Flor, em O Dono do Mundo, mas não repetiram a parceria. Lauro César Muniz tentou retomar o furor causado por Letícia Spiller e Marcelo Novaes como Raí e Babalu, de Quatro por Quatro, na novela Zazá, que não empolgou. Carolina Ferraz e Eduardo Moscovis também não emocionaram quando repetiram a dose de Por Amor, onde viveram Milena e Nando, em Pecado Capital. “Hoje em dia, os autores não centralizam tanto a trama num único casal, porque pode não dar certo mesmo”, opina Carolina.

A sociedade mudou, os casamentos duram menos, as novelas ampliaram o leque de núcleos em torno dos quais giram as histórias e a oferta de atores é infinitamente maior. Estas são as justificativas mais comuns dos próprios atores quando tentam entender o fim das “dobradinhas românticas”. Numa época de relacionamentos frágeis e transitórios, repetir velhas fórmulas às vezes é mais perigoso que ousar novidades. “A consolidação do casal se faz do sucesso de diversos trabalhos juntos. Hoje em dia não há mais tempo de se criar esta imagem”, opina Yoná Magalhães. Mesmo assim, atores como Giulia Gam e Edson Celulari, Malu Mader e Fábio Assunção e Cláudia Raia e Alexandre Borges já formaram casais românticos em alguns trabalhos. O segredo da verossimilhança da paixão fictícia pode até ser o mesmo que uniu por tantos anos casais das décadas de 60 e 70, mas o resultado não chega a ser tão “estável”. “O casal se consolida pelo que os personagens representam no imaginário da população. Só que, hoje, os protagonistas não movimentam mais as novelas”, encerra Carlos Alberto.

Os pares mais constantes da história das telenovelas

Nem sempre os casais mais lembrados são os mais recorrentes na história da telenovela. No caso de Tarcísio e Glória, ou de Carlos Alberto e Yoná, a lembrança pode até ser proporcional ao número de trabalhos em conjunto. Já Cláudio Marzo, por exemplo, dividiu o mesmo número de novelas com Regina Duarte e Elizabeth Savalla. Mas é como par da eterna “namoradinha do Brasil” que ele figura no imaginário do público. Eva Wilma fez mais pares românticos com Carlos Zara, seu segundo marido, que com John Herbert, com quem dividiu a cena em “Alô Doçura”. Mas os 10 anos que o seriado ficou no ar tornaram a parceria imbatível na carreira da atriz. Segundo Mauro Alencar, autor de “A Hollywood Brasileira – Panorama da Telenovela no Brasil”, no “ranking” dos pares mais constantes da telenovela figura ainda Francisco Cuoco, ao lado de Dina Sfat e de Regina Duarte.

– Tarcísio Meira e Glória Menezes – 16 novelas e mais o seriado Tarcísio & Glória : 25499 Ocupado, Uma Sombra em Minha Vida, Pedra Redonda 39, A Deusa Vencida, Almas de Pedra, O Grande Segredo, Sangue e Areia, Rosa Rebelde, Irmãos Coragem, O Homem que Deve Morrer, Cavalo de Aço, O Semideus, Espelho Mágico/Coquetel de Amor, Guerra dos Sexos, Torre de Babel.

– Carlos Zara e Eva Wilma – 5 novelas e mais o seriado Mulher: Mulheres de Areia, A Barba Azul, O Julgamento, Pátria Minha, O Meu Pé de Laranja Lima.

– Carlos Alberto e Yoná Magalhães – 5 novelas: “Eu Compro Esta Mulher”, “A Sombra de Rebeca”, “Demian, o Justiceiro”, “A Ponte dos Suspiros”, “Simplesmente Maria”.

– Francisco Cuoco e Dina Sfat – 5 novelas: Assim na Terra como no Céu, Selva de Pedra, O Astro, Os Gigantes, Eu Prometo.

– Cláudio Marzo e Regina Duarte – 4 novelas: Véu de Noiva, Minha Doce Namorada, Carinhoso, Irmãos Coragem.

– Francisco Cuoco e Regina Duarte – 4 novelas: Legião dos Esquecidos, Selva de Pedra, Sétimo Sentido.

– Cláudio Marzo e Elizabeth Savalla – 3 novelas: Plumas e Paetês, Pão Pão, Beijo Beijo, Partido Alto.

Encontros e desencontros das duplas mais famosas

– Vida Alves e Walter Foster formaram o primeiro casal da tevê brasileira. Em Sua Vida me Pertence”, exibida duas vezes por semana pela Tupi, em 1951, o primeiro “selinho” do casal provocou tamanho escândalo que o fotógrafo do estúdio se recusou a registrar a cena. “?Quem é que vai querer publicar isso??, ele perguntou, horrorizado”, lembra Vida, que aguardou temerosa, durante meses, o estalinho. “Fiz a novela inteira com medo da tal cena. E ela apareceu. E o pior: era com o meu chefe”, conta. Walter era diretor artístico da Rádio Tupi e tinha levado Vida para a tevê. Depois da novela, o par não se repetiu mais porque ele foi para a TV Paulista.

– Cassiano Gabus Mendes era autor e diretor de Alô Doçura. Em Plumas e Paetês, de sua autoria, exibida pela Globo em 1980, ele voltou a unir John e Eva em algumas cenas.

– Carlos Alberto não fez O Sheik de Agadir, exibido pela Globo em 1966. Mas até hoje recebe elogios por “sua atuação”. Tudo porque a mocinha da história era vivida por Yoná Magalhães. Quando se encontra com Henrique Martins, que era o diretor da trama e viveu o papel central, Carlos sempre brinca: “Quem é que fez a novela?”. E o próprio Henrique já desistiu de reivindicar os “louros” do papel. “Pode colocar no seu currículo”, responde. “Naquela época, Yoná sem o Carlos ou Carlos sem a Yoná não eram a mesma coisa. Era como se fosse um corpo com duas cabeças”, tenta definir o ator.

– Por pouco, Tarcísio Meira e Glória Menezes não têm mais uma novela no “ranking” dos casais mais recorrentes. Os dois atores estavam escalados para viver o par romântico de A Mãe, exibida pela Excelsior em 1964. Mas a atriz estava grávida e foi substituída por Lolita Rodrigues.

– Depois de esvaziada a estratégia dos casais constantes, Tarcísio Meira fez par romântico com atrizes como Dina Sfat e Sônia Braga. A mais recorrente foi Vera Fischer.

– Eva Wilma e Carlos Zara se conheceram nos bastidores de Mulheres de Areia, de 1973. Depois disso se casaram e, além de mais quatro novelas, interpretaram um casal também no seriado Mulher.

Das novelas para a vida real

A história das telenovelas é cheia de relacionamentos que se estendem para além da ficção. Muitas vezes a arte imitou a vida, ou vice-versa. Em alguns deles, no entanto, as duas pareciam, em muitos momentos, confundir-se. Foi o que aconteceu no casamento de Eva Wilma e John Herbert. Os dois oficializaram a união em novembro de 1955, no auge do sucesso de Alô Doçura. A Igreja Nossa Senhora do Carmo, em São Paulo, foi invadida por uma multidão de fãs, ávidas por ver de perto o “casal 20” da tevê brasileira. “Aquilo foi uma loucura pública. E, a partir dali, o fato de estarmos casados foi alimentando a imagem do casal da ficção”, comenta John. A noiva, embora chateada com a invasão de privacidade e com a falta de espaço para muitos de seus convidados, que acabaram ficando de fora, até hoje lembra o fato com carinho. “Foi gratificante, porque era o reconhecimento de nosso trabalho”, destaca Eva, que não tem dúvidas sobre a influência da realidade no imaginário do público. “Se o público vê a ficção com dois atores, fica sabendo que namoram e se casam, passa a misturar ficção e realidade”, opina.

Já Yoná Magalhães, que também foi casada com Carlos Alberto durante o período em que protagonizaram histórias românticas, não acredita que a realidade tenha um papel tão determinante na força dos casais ficcionais. “É muito mais em função da identificação com os personagens que com os atores”, avalia Yoná. Mauro Alencar, autor de “A Hollywood Brasileira – Panorama da Telenovela no Brasil”, também faz distinção entre a relação que os atores mantêm entre si e o que realmente funciona dramaturgicamente. “Não é sempre que um casal bem casado funciona na ficção. É preciso que tenham uma empatia grande com o público”, ressalta.

Novos

Hoje em dia, no entanto, o mais comum é o surgimento de casais a partir da parceria romântica nas novelas. Foi assim com Letícia Spiller e Marcelo Novaes, que já se separaram, com Ângelo Antônio e Letícia Sabatella e com Edson Celulari e Cláudia Raia, que começaram a namorar durante as gravações de Deus Nos Acuda, de 1992. Até hoje, quando perguntada sobre a música que marca a história do casal, Cláudia cita “La Barca”, que embalava as cenas românticas de Maria Escandalosa e Ricardo Bismark, seus personagens na trama. Murilo Benício e Giovanna Antonelli também engataram um romance depois de dar vida a Lucas e Jade, de O Clone.

Embora não faltem casais entre os atores da atualidade, autores e diretores não parecem tão dispostos a transportá-los para a ficção. Talvez porque as uniões não durem mais tanto tempo. Corre-se o risco de que o amor termine antes de findo o trabalho. Foi o que aconteceu com Murilo Benício e Alessandra Negrini, que terminaram um casamento enquanto viviam o par romântico de Meu Bem Querer, de 1998. Nestes casos, é difícil haver “empatia” que segure a história.

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