Leonardo da Vinci, o primeiro cientista

Leonardo di ser Piero da Vinci, mais conhecido como Leonardo da Vinci, nasceu em 15 de abril de 1452, às 22h30, na pequena cidade que leva o seu nome – Vinci -, situada a 30km a oeste de Florença. Filho natural de um tabelião, recebeu de seu avô paterno uma educação básica. Viveu uma infância feliz em plena campanha toscana, onde aprendeu a apreciar e a amar a natureza. Este contato deixou marcas indeléveis em sua personalidade pelo resto da vida.

Aos dezesseis anos, entrou para o ateliê do pintor Andréa Verrocchio, que lhe ensinou diversas técnicas artísticas: escultura, pintura, decoração e gravura. Entre os seus colegas de ateliê, contou com Sandro Boticelli, Perugino, Domenico Ghirlandaio. Aprendeu a misturar as cores, a limpar os pincéis, e, finalmente, ao cabo de um ano, a pintar as roupas dos personagens dos quadros. Quando trabalhava em uma de suas obras a óleo – o Batismo de Cristo (atualmente no Museu de Ofícios, em Florença), Verrocchio confiou, pela primeira vez, ao seu jovem aluno a execução do rosto de um dos dois anjos, talhado já pelo próprio Verrocchio, quando Leonardo obteve, por um jogo de sombras e de luzes, uma bela representação de outro anjo pintado por Boticelli.

Aos vinte anos, Leonardo entrou para a companhia de Saint-Luc – a grande meta dos pintores -, mas permaneceu no ateliê de Verrocchio até 1476. Por essa ocasião da Vinci pintou seu primeiro quadro – A Madona (atualmente no Nova Pinacoteca, em Munique).

Freqüentou o ateliê de Ucello, apaixonado como ele pela geometria e a perspectiva. Lia muito e, como um autodidata, acumulou inumeráveis conhecimentos sobre todas as ciências da época.

Sua fama advinha em especial do seu gênio artístico e perito em engenharia militar. Poucos tinham conhecimento de sua dedicação à ciência. Redigiu notas, ilustradas com desenhos (seus célebres cadernos), para tratados de matemática, perspectiva, anatomia, óptica, mecânica, balística, fortificação, hidráulica e astronomia. Fez experiências em hidráulica e mecânica. Visionário, tentou aperfeiçoar uma máquina para voar. Ocupou-se de vários problemas astronômicos. Foi quem primeiro explicou corretamente o fenômeno da luz cinzenta. Colocou, em evidência fatos favoráveis à hipótese de que a Terra girava ao redor do seu eixo de rotação, idéia que não era aceita em sua época.

No campo da cosmografia, o gênio enciclopédico de Leonardo, com sua maravilhosa intuição, deu maravilhosa contribuição à observação, admitindo não só a esfericidade da Terra e a existência dos antípodas, mas ainda o seu movimento de rotação. Admitiu a influência da Lua como causa das marés em geral. Apesar de importantes fenômenos celestes visíveis a olho nu terem ocorrido durante a vida de Leonardo da Vinci, não se encontrou nenhum relato desses eventos nos manuscritos vincianos. Recordemos que nesse período, entre outros, apareceu o cometa Regiomontanus (1472), quando Leonardo estava com 20 anos. Esse cometa, observado pelo astrônomo italiano Paolo Toscanelli (1397-1482), atingiu brilho superior ao planeta Vênus, tendo sido visto, durante o dia, em plena luz solar, a 21 de janeiro de 1472, tão imensa era a sua magnitude. Com uma extensa cauda, foi visível durante mais de três meses. É possível que Leonardo o tenha observado, assim como os outros que apareceram em 1490, 1499, 1500 e 1506; todos eles muito luminosos e visíveis à vista desarmada. Do mesmo modo, é pouco provável que Leonardo não tenha observado os eclipses do Sol e da Lua visíveis na Franca e Itália entre 1460 e 1518. Entre os eclipses solares poderemos mencionar os de 1460, 1478, 1485, 1502 e 1518; todos eles com uma grandeza superior a sete décimos.

Ainda que não tenhamos encontrado referências à observação desses fenômenos nos manuscritos de Leonardo, inúmeras são suas considerações de natureza astronômica. Projetou um telescópio mais de um século antes do óptico holandês Hans Lippershey (1587-1619), que inspirou, em 1609, Galileu Galilei (1564-1642). Suas especulações sobre os astros – salvo algumas exceções – não ultrapassaram em muito os conhecimentos geralmente aceitos no século XV.

Para Leonardo o Sol girava ao redor da Terra que, por outro lado, se encontrava no centro do sistema do mundo. Devemos notar que da Vinci viveu numa época em que a teoria geocêntrica, oriunda da antiga astronomia de Ptolomeu, tinha plena aceitação. Assim mesmo, Leonardo defendeu a idéia “que a Terra é uma estrela” (Cod. Atl.fol.112), ou seja, um astro “por assim dizer semelhante à Lua” (Ms.F.,fol.94) e que “não está no meio do círculo do Sol, nem no meio do mundo”. Em outra parte desse último manuscrito, afirmou: “Nossa Terra, com seu elemento de água, parece preencher a mesma finalidade que a Lua para nós” (Ms.F.fol.41).

O gênio de Leonardo da Vinci no que se refere à astronomia apresentou alguns avanços notáveis em relação à concepção cósmica aristotélico-ptolomaica, como por exemplo, a idéia do Sol imóvel, na qual exprimiu muito claramente a rotação diurna da Terra ao redor do seu eixo, ao indicar que “os dias não se iniciam ao mesmo tempo em todo o universo”, e além disso afirmou que “quando no nosso hemisfério é meio-dia, em seu oposto é meia-noite” (Ms.Leic.,fol.6). Uma confirmação dessa idéia está no trecho “o corpo pesado descendente no meio do ar, estando os elementos em movimento circular rápido, numa revolução interna de 24 horas” (Ms.G.,fol.55). Nesta passagem sobre a queda dos corpos, escrita em 1510, Leonardo defendeu o movimento diurno, se bem que nada tenha escrito sobre o movimento de revolução da Terra ao redor do Sol, que parece não admitir em seus desenhos astronômicos (Cod. Aruendel, fol.104).

Convém lembrar que foi Leonardo, e não o astrônomo Moestlin, mestre de Kepler, quem explicou a luz cinzenta da Lua. Com efeito, logo após a Lua Nova observa-se, na parte do disco lunar não diretamente iluminado pelo Sol, uma luminosidade muito tênue que por sua tonalidade é denominada cinzenta. As explicações até Leonardo eram, como Cleômede supunha, fundamentadas na transferência do globo lunar, em oposição ao que se observava durante os eclipses totais do Sol, quando este era oculto pela Lua. Apesar das evidências em contrário, Vitellione insistiu com essa explicação no século XIII. Leonardo mostrou que esse fenômeno era produzido pela reflexão, pelo globo terrestre, da luz proveniente do Sol.

Como Leonardo não era sempre muito claro ao expor seu pensamento, os mesmos argumentos não eram sempre julgados do mesmo modo, principalmente em virtude das contradições registradas em seus manuscritos com relação a determinadas especulações. Duas das mais notáveis conclusões vincianas referem-se à Terra. A primeira – a redondeza do nosso globo terrestre – é indicada em um de seus manuscritos (Cod.Triv.fol.29) e demonstrada em seu Tratado de Pintura: “Qualquer que seja a verdadeira posição do horizonte, com a prova experimental que um observador no nível do mar, ao se elevar, aumenta o seu horizonte, o que confirma a curvatura do mar” (Ms.F., fol.52) ou no trecho “a superfície da água é perfeitamente redonda” (Ms.F.,Fol.82). A segunda sobre as dimensões da Terra, quando afirmou “considerando a grandeza de 7.000 milhas da nossa Terra” (Cod.Leic.,fol.35), ou seja, cerca de 12.500km de diâmetro, Leonardo não se afastou muito do valor atualmente calculado. Podemos concluir que este sábio artista italiano não foi, na acepção clássica da época, um astrônomo que se dedicava ao registro de fenômenos astronômicos, mas na realidade um pesquisador enciclopédico que também se ocupou dos astros, ao mesmo tempo que se dedicou à matemática, à perspectiva, à anatomia, à óptica, à mecânica, à balística, às fortificações, à hidráulica, ao aperfeiçoamento de inúmeros inventos (dentre eles uma asa delta).

Ao lado do texto científico, Leonardo deixa transparecer passagens de raro lirismo poético como esta concepção do universo: “A imagem da Lua está a leste e a do Sol, a oeste; unem-se neste ponto natural. Olho… Quem poderia imaginar que um tão pequeno espaço poderia conter as imagens de todo Universo? Oh, poderoso mecanismo! Que talento seria capaz de penetrar um prodígio como este? E que língua estaria apta a revelar um tal mistério? Na verdade, nenhuma! ” Se os pensadores do século XV se espantavam diante das estrelas, Leonardo da Vinci via no olho a única razão desse espanto.

Em 1482, Leonardo foi chamado para Milão por Ludovico, o Mouro, a cujo serviço permaneceu até 1501. Dedicou-se à escultura, à decoração, à organização de bailes de máscaras e de torneios assim como inventou “engenhosos dispositivos automáticos para diversões”. Foi também engenheiro, urbanista, industrial e autor de um famoso tratado de pintura e outros ensaios, todos ilustrados com numerosos desenhos, sobre botânica, geologia, anatomia, hidráulica e finalmente pintura. Para elaborar o ensaio sobre anatomia, dizem que fez a autópsia de mais de 30 cadáveres.

Em Milão, da Vinci realizou o retrato de Cecília Gallerani, amante de Ludovico, a Dama com arminho (atualmente no Museu da Cracóvia, Polônia), A Virgem nos rochedos (tela óleo de 199x122cm, 1483, atualmente no Museu do Louvre, Paris).

Por volta de 1494, Leonardo inicia a elaboração do afresco A última ceia, destinada à parede de fundo do refeitório do Convento de Santa Maria das Graças, obra prodigiosa apesar do seu revestimento experimental; uma mistura de tempero e óleo desfavorável ao seu afresco que descascava muito rapidamente numa atmosfera úmida.

Após a queda de Ludovico, Leonardo fez um breve estágio em Veneza e, em seguida, em Mantua, antes de retornar a Florença, em 1503, onde foi encarregado de realizar a Batalha de Anghiari para o Palácio de Vecchio.

Em 1506, Leonardo deixou Florença com destino a Milão, onde se colocou a serviço de Charles d’Amboise, Marechal de França, e, em seguida, de Luís XI como “pintor e engenheiro”. Com a ajuda de seu aluno Giovanni Ambrogio de Predis, Leonardo executou a segunda Virgem nos rochedos.

Mais tarde partiu para Roma a pedido de Giuliano de Medicis, que escreveu a propósito de Leonardo da Vinci:

“Este homem só sabe imaginar, é incapaz de criar!”

No entanto, entre 1503 e 1505, Leonardo pintou o retrato de Mona Lisa, a famosa Gioconda, e os esboços de Leda e o cisne.

Como todos os pintores da Renascença, da Vinci deslocava-se de cidade em cidade à procura de um protetor e de sua encomenda. Pertenceu àqueles que lhe permitiram prosseguir seus estudos sobre todos os conhecimentos de sua época. Em 1516, Francisco I, seduzido pelo seu gênio, convidou-o a residir no Castelo de Cloux, próximo à cidade de Amboise, com o título de “primeiro pintor, engenheiro e arquiteto do rei”. Nessa ocasião, o rei adquiriu, por uma soma considerável, A Virgem, A criança e Santa Ana, São João Batista e a Gioconda.

Três anos mais tarde, em 2 de maio de 1519, no Castelo de Cloux, Leonardo da Vinci, com sessenta e sete anos, faleceu. Das trinta telas que lhe são atribuídas, só subsistiram quinze.

Leonardo deixou cerca de 6.000 desenhos relativos a quase todos os domínios da ciência, obras que contribuem ainda hoje para a sua fama como homem de ciência. Além dos desenhos técnicos, artísticos e científicos, existem estudos que possuem características espetaculares, como por exemplo, os esboços relativos às máquinas de guerra assim como os diversos desenhos de máquinas voadoras.

O que tornaram esses desenhos interessantes e fascinantes é saber se Leonardo tinha verdadeiramente pensado em realizar todos esses projetos. Não há dúvida de que Leonardo estava consciente dos problemas que tais realizações exigiam. A curiosidade e a imaginação o impulsionavam a conceber esses estudos e projetos que ultrapassam de longe as possibilidades técnicas de sua época. Em virtude de uma tal tenacidade, pode-se falar de um triunfo da curiosidade científica sobre as possibilidades práticas de realização.

Aliás, logo que esses desenhos começaram a ser publicados, há cerca de um século, muito viram em Leonardo o precursor genial de todas as invenções da mecânica moderna desde o helicóptero à bicicleta.

Pesquisas históricas mais avançadas colocaram em evidência sua dívida em relação aos seus predecessores e aos seus contemporâneos: a maior parte das máquinas que Leonardo desenhou existiam já em sua época ou faziam parte dos sonhos e das aspirações dos engenheiros. Descobriu-se recentemente que a originalidade e a modernidade de Leonardo residia no fato de haver compreendido que a base do funcionamento de qualquer máquina – do moinho à bicicleta – residia em um número limitado de mecanismos – molas, bielas, engrenagens – e que só os progressos no estudo desses mecanismos permitiriam melhorá-los como máquinas propriamente ditas.

Para o jornalista britânico de divulgação científica Michael White, autor de Leonardo, o primeiro cientista, publicado recentemente pela Editora Record, da Vinci teria usado o método científico antes de Galileu e Newton. Tal conclusão irá provocar sem dúvida uma enorme polêmica entre os historiadores de ciência, apesar de White ter relacionado os mais envolventes relatos sobre as conquistas científicas, artísticas e pessoais de Leonardo. Mesmo discordando dessa ilação vale a pena ler, por exemplo, os relatos sobre o telescópio que o gênio da Renascença teria projetado construir. É um livro inovador e atraente.

Ronaldo Rogério de Freitas Mourão, além de pesquisador-titutar do Museu de Astronomia e Ciências Afins, do qual foi fundador e primeiro diretor, escreveu mais de 65 livros, entre outros, “Do universo ao multiverso: uma nova visão do cosmos”. Consulte a homepage:

http://www.ronaldomourao.com

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