A moça que namorou com o bode

Histórias-em-quadrinhos e literatura de cordel. Eis aí uma dupla que, se não dá rima, tem dado bom resultado. Prova é A Moça que Namorou com o Bode, um apreciável álbum lançado graças à parceria das editoras Tupynanquim, do Ceará; Coqueiro, de Pernambuco; e Clube dos Quadrinhos, de São Paulo. Trata-se da adaptação de um cordel do cearense Ari Evaldo Lima, assinada por seu irmão, o quadrinhista (e também cordelista) Klévisson Viana (que já realizara, em 1998, para a Editora Hedra, Lampião… Era o Cavalo, atrás da Besta da Vida).

Quadrinhos e cordel representam importantes manifestações da cultura popular brasileira, não obstante os primeiros tenham sido importados da América do Norte e o segundo tenha chegado ao Nordeste do Brasil com os colonizadores portugueses.

União vem de longe

A especialista Sônia M. Bibe Luyten, coordenadora do Programa de Mestrado em Comunicação da Universidade Católica de Santos e apaixonada por gibis, que assina o prefácio da publicação, juntamente com o marido, o pesquisador Joseph M. Luyten, catedrático da Unesco, assegura que as histórias-em-quadrinhos e a literatura de cordel coexistiram juntas, por um bom tempo, muito antes de aportarem por aqui. E lembra que, “nos bons tempos da Idade Média, quando os trovadores iam de feira em feira cantando as histórias e expunham suas ilustrações, quadro a quadro, dando vida à narrativa”.

A Moça que Namorou com o Bode conta a história de uma bela Chiquinha, que é alvo do desejo do todos os rapazes de uma cidadezinha do sertão do Ceará. Só que, como toda donzela, ela tem um pai que é uma fera e vive prometendo capar quem dela se aproximar. Até o dia em que a jovem, enquanto tomava banho nua num riacho, conhece um bode, que não é um bode qualquer. Por magia, ele se transforma num belo rapaz e os dois se amam sob as águas. Com isso, Chiquinha engravida e problema passa a ser: como convencer a família que o filho é de um bode?

Homenageados

Além de todo falado num delicioso “nordestinês”, preservando as rimas próprias do cordel, o trabalho de Ari Evaldo Lima, Klévisson Viana e Marivaldo Lima (que assina a arte-final), homenageia ilustres figuras da cultura popular nordestina, que fazem uma “ponta” na história. Entre elas, o Cego Aderaldo, uma legenda da cantoria; Pedro Boca Rica, genial bonequeiro cearense; o sanfoneiro Luiz Gonzaga, o “Rei do Baião”; o cartunista e bandolinista paraense Biratan Porto; João Lucas Evangelista, poeta, cordelista e menestrel, autor do clássico A Carta de um Marginal; o advogado Quintino Cunha, um dos maiores talentos verbais do Ceará, que até virou nome de bairro em Fortaleza; Profeta Gentileza, que peregrinou pelo país inteiro com sua doce doutrina “Gentileza gera gentileza”; e Antônio Gonçalves da Silva, o Patativa do Assaré, um dos maiores nomes da poesia popular brasileira, autor do cultuado livro Cante lá que eu canto cá.

Os autores

Ari Evaldo Viana Lima nasceu na fazenda Ouro Preto, em Quixeramobim (CE), e nem bem aprendeu a juntar as sílabas com a avó, desandou a ler os folhetos da literatura de cordel. Hoje, é autor dos livros O Baú da Gaiatice, São Francisco de Canindé na Literatura de Cordel e A Mala da Cobra, este ainda inédito, e de uma centena de histórias de cordel.

Antônio Klévisson Viana Lima, também cearense, nasceu no ano da graça de 1972. Além de cartunista, é também poeta popular e tesoureiro da ABC – Academia Brasileira de Cordel. Como desenhista, trabalhou em inúmeros jornais do Ceará e ilustrou dezenas de livros. É um obcecado pela divulgação da cultura nordestina, tendo já publicado seus trabalhos na Turquia, Bélgica, Itália e Holanda. Com o álbum anterior, Lampião… Era o Cavalo do Tempo atrás da Besta da Vida, recebeu o prêmio HQ Mix, em 1998, na categoria “Melhor Graphic Novel Nacional”.

A Moça que Namorou com o Bode está à disposição dos interessados na boa cultura popular brasileira nas livrarias e gibeterias do país, entre elas a curitibana Itiban Comic Shop da Av. Silva Jardim, 845.

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