2011 chega ao fim com brilhantes realizações no teatro

Parecem sempre um tanto injustas essas listas de melhores do ano. Difícil confiar na memória e no julgamento de alguém que possua essa suposta habilidade de discriminar o que se destacou, o que resultou melhor, o que merece ser lembrado e guardado pelos outros. Ressalvas feitas, mãos à obra. Pode-se começar dizendo que 2011 teve grandes e brilhantes realizações no teatro. Espetáculos para se guardar na lembrança. E, certamente, para se revisitar de tempos em tempos.

Uma das marcas do ano foi o regresso de protagonistas da última década. Denise Stoklos, Gerald Thomas e os mineiros do grupo Galpão retornaram com novas criações. Mas não foi daí que surgiram as melhores surpresas da temporada que se encerra. Como já é costume, o ambiente do teatro de grupo manteve-se como celeiro da maior parte dos trabalhos capazes de trazer novos ares à cena paulista.

Em 2010, os curitibanos da Cia. Brasileira de Teatro já haviam arrebatado a crítica com Vida. Chegaram a São Paulo já coroados pela aura de melhor espetáculo do ano. E, por aqui, só confirmaram a fama. Em 2011, o quadro não foi muito diferente.

Destaque absoluto no último Festival de Curitiba, Oxigênio também confirmou-se como uma das mais importantes produções a passar pela cidade. Com a peça, o diretor Marcio Abreu perseverou em sua tarefa de dar novos contornos ao elemento performativo. Manteve a recusa à representação, com atores libertos das amarras de personagens e prontos a estabelecer um novo pacto como espectador. Sublinhou o talento de um intérprete incomum: Rodrigo Bolzan. E, não bastasse, revelou a dramaturgia subversiva do russo Ivan Viripaev.

Tal impacto talvez só encontre par em Luís Antônio – Gabriela. Com recursos modestos e sem fazer muito alarde, a montagem se impôs no calendário. Rapidamente, tornou-se um fenômeno de público. Obrigando a crítica a render-lhe a atenção devida. Não por acaso, sagrou-se vencedor do APCA e é recordista de indicações para o próximo Prêmio Shell.

A cargo da dramaturgia, o diretor Nelson Baskerville encontrou esteio na própria biografia. Vasculhou corajosamente a traumática história do irmão – de quem se manteve distante por 30 anos. Isso, sem resvalar em momento algum no drama. Ao contrário. Ofereceu uma eloquente prova em contrário para os que gostam de alardear o esgotamento de Bertolt Brecht e de seu teatro épico.

Brecht também serviu de norte a outro trabalho notável: Ópera dos Vivos. O espetáculo que consumiu vários anos de empenho da Cia. do Latão tem proporções agigantadas: é um compêndio de quatro atos e extrapola o território das artes cênicas. Estabelece pontes com o cinema, a música popular e a televisão. Tudo isso, para lançar luzes sobre os modos de criação artística e o impacto que os anos de ditadura militar ainda exercem nessa seara. Escapar da tentação de incorrer em qualquer revisionismo histórico é um dos méritos da peça. Mas não o único. Ópera dos Vivos nos lembrou que a ideologia não está apenas no que se diz, mas na forma de dizer. Além de uma bela obra, uma obra necessária.

Quem também esteve preocupada em refletir sobre seu processo de criação foi a Cia. Balagan. Sem trazer algo novo a público desde 2006, o grupo da diretora Maria Thais retornou com Prometheus – A Tragédia do Fogo. Concebido de forma a escapar da “dinâmica das estreias”, a peça foi testada por um longo período antes de entrar definitivamente em cartaz. Tempo durante o qual se experimentaram múltiplas possibilidades para a encenação. Diferentes cenários, incontáveis releituras do mito grego. A dramaturgia desdobrou a figura heroica. Deu-lhe matizes e complexidade. A isso somou-se um minucioso trabalho com as vozes, a música, o uso do espaço. O resultado levado ao palco não foi unânime. Mas, às vezes, o que falta é gente para dar conta do extraordinário.

Foi Leonardo Moreira quem escreveu a versão de Prometeu defendida pela Balagan. Porém, não seria esse o único trabalho pelo qual o jovem dramaturgo brilharia. Consagrado com o Prêmio Shell de melhor autor por Escuro (2010), ele voltou a surpreender com O Jardim. Na última criação, exibiu delicadeza e argúcia para mirar as perdas e os desvãos da memória. Mas não só. Neste épico familiar, no qual ecoa a influência de Chekhov, Moreira manejou, com destreza incomum, tempos e espaços. Em sua composição dramatúrgica, fez opção pelo fragmentário, emaranhou as linhas de três histórias. Sim, e o mais importante: soube evidenciar o melhor do texto em uma encenação cheia de achados.

A veterana Cia. Razões Inversas completou 21 anos em 2011. E transformou A Ilusão Cômica em prova inconteste de sua maioridade. Tendo um Corneille do séculos 17 nas mãos, o diretor Marcio Aurélio concebeu uma encenação magnética. Tudo torna-se mágico porque muito simples. Reluz porque dispensa o adorno desnecessário. Ilusão Cômica é, essencialmente, uma reflexão sobre o ator e o teatro. Sobre a potência de uma arte, uma máquina que continua capaz de criar e compartilhar ilusões. As informações são do jornal O Estado de S. Paulo.

Voltar ao topo