esportes

Longe do glamour, juvenis superam até fome no caminho rumo ao tênis profissional

Esqueça o glamour de Wimbledon, a entrada triunfal dos tenistas no ATP Finals e todo o entretenimento dos torneios norte-americanos. Deixe de lado também o placar luminoso, os boleiros com toalhas à espera dos tenistas e até o juiz de linha. No mundo dos jovens atletas das raquetes, isso tudo é uma realidade muito distante. Placar até existe, mas é atualizado manualmente e somente a cada dois games, para não sobrecarregar os atarefados e raros pegadores de bola. Árbitro, somente de cadeira, quando tem. E a toalha fica pendurada, no alambrado enferrujado ou no cadeado que tranca a quadra.

Assim é a vida dos tenistas juvenis dentro de quadra. E fora, o suor continua. Acompanhado de lesões, falta de patrocínio, ansiedade pelo futuro profissional e até fome. O brasiliense Paulo Saraiva se enquadra em todos estes casos.

Nascido numa família humilde, de pai pedreiro e mãe diarista, o jovem de 16 anos se encantou pelo tênis num projeto social em Itapoã, uma das cidades mais pobres do Distrito Federal, a 15km de Brasília. E, logo nas primeiras rebatidas na bolinha amarela, sentia a resistência da família. “Paulo, você já viu filho de pobre jogando tênis?”, questionava a mãe, que logo se acostumou com a ideia.

A entrada no circuito juvenil surgiu com o apoio do treinador. Antônio Lindoso identificou talento no rapaz. Identificou também deficiências, principalmente na parte alimentar. “Eu percebia que, depois de uma hora de treino, ele começava a tremer”, diz o treinador. Saraiva ia para o treino sem tomar café da manhã porque não tinha comida suficiente em casa.

Lindoso, então, passou a fornecer frutas e verduras ao jovem atleta. Também ajudava com raquetes e bolinhas. Aos poucos, o técnico invertia a lógica mercadológica e passava a pagar para treinar o garoto. Os resultados começaram a aparecer. Mesmo se iniciando no esporte de forma tardia, Saraiva conquistou títulos locais e nacionais. No ano passado, tornou-se o número 1 do Brasil na faixa dos 16 anos.

Mas a boa colocação não evita os apuros de quem tenta romper o estigma de que o tênis é um esporte elitizado. Em 2016, perdeu na estreia num torneio em Salvador. Como não tinha dinheiro para a passagem da volta, ficou uma semana lá esperando a mãe ganhar o dinheiro suficiente para pagar o bilhete. “Treinava na casa de um amigo do meu treinador. E tinha um restinho de dinheiro para comer”, conta o tímido Saraiva.

O técnico tem convicção de que seu pupilo pode ir longe. No entanto, esbarra numa barreira econômica ainda maior nesta fase de desenvolvimento do tenista. É o momento da delicada transição do juvenil para o profissional e somente a experiência e os pontos em torneios internacionais – e suas caras viagens – podem levar à cobiçada pontuação na Associação dos Tenistas Profissionais (ATP), primeiro sinal de profissionalização do atleta.

Neste processo de transição, que é um grande funil para os aspirantes ao mundo profissional, Saraiva apostou numa “vaquinha online”, no site Kickante. A meta era somar R$ 30 mil para um giro de competições na Europa. Arrecadou pouco mais de R$ 9 mil. Sem atingir a meta, conta agora com um mecenas na Espanha. Um experiente treinador daquele país conheceu a história do brasiliense e ofereceu sua estrutura para treiná-lo gratuitamente. Mas os custos de viagem e hospedagem ainda pesam sobre o jovem tenista.

DO BOLO À BOLINHA- A busca por recursos para bancar esta fase da vida dos tenistas é tão exigente que mobiliza até famílias em situações econômicas mais favoráveis. É o caso de Gabriela Azambuja. Filha de um promotor de Justiça, a jovem de 17 anos é de Palmas, no Tocantins, mas mora e treina em Itajaí (SC), a quase 2 mil km de distância da família, na ADK Tennis, que vem se tornando celeiro de jovens tenistas no País.

Os recursos do pai, contudo, não são suficientes para bancar as viagens de Gabriela pelos torneios da América do Sul e o custos da família, que conta com a mãe, dois irmãos – um deles faz faculdade no interior de São Paulo – e um neto. A solução veio da própria mãe. Mery Azambuja, dona de casa, aprendeu a fazer bolos na própria cozinha e começou a vendê-los para ajudar a filha tenista. “Aprendi só para poder vender e ajudá-la. O patrocinador oficial agora sou eu”, brinca Mery.

Com os esforços da mãe e do pai, a tenista que começou o ano como número 1 do juvenil brasileiro conseguiu somar pontos no ranking da ITF em competições no Paraguai, Peru e Uruguai. Longe de casa e do clube onde treina, seu maior desafio aconteceu fora da quadra. Sem recursos para viajar de avião, precisou de três ônibus e dois dias de viagem para voltar de Punta del Este, no ano passado. Viajou sozinha, então com 16 anos, sem a companhia do treinador. Mas a experiência e os pontos fizeram a “aventura” valer a pena. “Fui vice-campeã daquele ITF”, comemora a jovem tenista, com suas unhas azuis e jeito de menina, mas discurso de adulto.

“Mais da metade dos meus custos é bancado pelos meus pais. O tênis é um esporte caro, né. É muito sacrifício da família. Meus pais abrem mão dos sonhos deles para bancar as minhas viagens. Mas, se Deus quiser, esse sacrifício vai valer a pena”, diz Gabriela, ao revelar a angústia de retribuir o quanto antes o investimento feito neles, algo comum aos tenistas nesta fase de transição.

O mineiro João Ferreira, uma das promessas do tênis masculino, compartilha desta preocupação. “Minha família sempre me ajudou. E, às vezes, isso até acaba me gerando um pouquinho de ansiedade nos jogos, para dar uma contrapartida ao sacrifício deles”, diz o tenista de 16 anos, filho de pais dentistas.

Tanto Gabriela quanto João se inspiram em Gustavo Kuerten, que também penou no juvenil até se tornar o profissional que conquistou o tricampeonato de Roland Garros. “Foi nesta transição, quando estava entre os cinco melhores do mundo, que perdi o patrocínio. Nos seis meses seguintes, perdi para todo mundo, tudo por causa da queda na confiança. Bateu dúvidas. E aí entra a importância do treinador. O Larri [Passos] me botava para treinar quase ‘na marra’ e me fazia acreditar que eu poderia me tornar um profissional. Os treinadores precisam de mais incentivo no Brasil”, disse Guga, em entrevista exclusiva ao Estado.

Voltar ao topo