Curitiba

Malabarismo

Foto: Marcelo Andrade/Gazeta do Povo
Escrito por Giselle Ulbrich

Será que estar gestante é um empecilho para as mamães circenses? Será que elas continuam na estrada? Crianças de circo não deixam de estudar por causa das andanças com a família. Pelo contrário, às vezes se empenham mais do que os alunos “fixos”. A Tribuna foi descobrir!

A dona de casa Bertha Casção, 39 anos, mostra que uma das diferenças entre a vida “fixa” e a itinerante do circo é quase não poder ter um médico fixo. Durante a gestação dos filhos, ela conseguia um novo ginecologista/obstetra na cidade onde estava. Quando chegava perto do parto, já corria pedir indicações de um bom médico na cidade para se fixar com ele e marcar a cesárea.

“Eu sempre tinha uma pastinha bem organizada com os meus exames. Então cada novo médico tinha ali todo o meu histórico. Nunca tive problemas. Só na minha última gestação que tinha um certo risco. Então quatro meses antes do parto eu já me fixei com um bom médico. Acabamos mudando de cidade e ficamos a 300 quilômetros deste obstetra. Mas com 39 semanas eu já voltei para a cidade deste médico, que eu já tinha gostado e confiava, para fazer a cesárea”, diz ela.

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E sempre que precisam de um médico, procuram algum bom profissional na cidade onde estão. Com a bailarina Emanuele Lupato, esposa do malabarista Henrique Maximiliano, a gestação foi igual, sempre com os exames organizados numa pasta e um obstetra em cada cidade. E agora, com Lorenzo, de um ano e meio, buscam bons pediatras em cada lugar que passam, às vezes particular, às vezes público. “Mas nunca tive problema. Aqui em Curitiba só que passei um dos maiores tempos de espera. Depois que acabou o espetáculo (eram quase 23h), levamos o Lorenzo na UPA, porque ele estava com febre. Esperamos quatro horas na fila com ele chorando. Em algumas outras cidades que passamos, quando veem que é criança com febre, chorando, eles já passam na frente”, diz a bailarina.

O único médico que a família de Bertha tem “fixo” é a endocrinologista do filho Marinho, 12 anos, em Campinas (SP). Há quatro anos a família descobriu que o adolescente é diabético tipo I e precisa de acompanhamento constante. Mas a distância não é nenhum impedimento. Marinho usa uma bomba de insulina e periodicamente manda as informações da bomba para a médica, através de um aplicativo específico de mensagens. A médica recebe os dados, analisa e se comunica com a família pelo WhatsApp, dando orientações e mostrando se é preciso fazer alguma nova configuração na bomba de insulina. Ela também orienta sobre medicamentos que ele pode ou não usar, entre outras “consultas virtuais”.

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“A endócrino sempre usa o nosso exemplo para acalmar o coração de outras mães, que acabaram de descobrir a diabetes nos filhos. Elas ficam preocupadas, se perguntam como vai ser agora?. Então a endócrino deixa para marcar consulta para estas mães no mesmo dia que eu estarei lá no consultório, para que eu converse com elas, acalme e mostre que não é um bicho de sete cabeças, que é possível ter uma vida normal. E sempre dá o nosso exemplo, mostra que se nós vivemos uma vida normal na estrada com um diabético, porque elas não podem ter uma vida tranquila também?”, diz Bertha, que sente-se orgulhosa em ajudar outras mães.

Dentista

O que às vezes fica difícil nesta vida itinerante, por exemplo, é fazer um tratamento dentário. Se o artista não consegue concluir enquanto está na cidade, tem que tentar arranjar um jeito de viajar de volta para lá, para terminar. Ou, tentar arranjar algum profissional que aceite terminar o trabalho do outro, na nova cidade onde estão.

Alunos nota 10

Em todas as escolas que passam, os filhos de famílias circenses sempre viram alvo de curiosidade dos colegas de classe. Muitos querem saber como é a vida no circo, como eles fazem para estudar nesta vida itinerante, o que eles e seus pais fazem no circo, enfim, a aula é interrompida e praticamente ninguém mais estuda naquele dia. Mas eles estudam muito, às vezes mais do que os estudantes “da cidade”, para conseguir dar conta do conteúdo e tirar notas boas.

Foto: Marcelo Andrade/Gazeta do Povo
Karlenia Rodrigues (filha de palhaço) terminou os estudos no trailer. Foto: Marcelo Andrade/Gazeta do Povo

A lei federal 6.533/78 assegura ao aluno circense (filhos de profissionais que exerçam atividades itinerantes) o direito a vaga e transferência de matrícula em escolas públicas, ou vaga autorizada nas escolas particulares, para Ensino Infantil, Fundamental e Médio. A artista Karlênia Rodrigues, 24 anos, formou-se no Ensino Médio há alguns anos. Ela conta que o circo geralmente fica de um a dois meses em cada cidade. E em cada uma delas, seus pais a matriculavam numa escola local.

A trapezista diz que na maioria das vezes os artistas circenses estudam mais que os “fixos”. “Como a nossa vida é corrida, a gente se divide entre escola, ensaio e trabalho, a gente estuda muito nos primeiros bimestres, pra já conseguir garantir boas notas, pois a gente nunca sabe como será a escola na próxima cidade”, diz a jovem, que estudou a vida toda em escolas particulares. Somente no último mês do Ensino Médio estudou numa escola pública, pois a cidade que o circo estava era muito pequena e não havia escola particular por perto.

A trapezista ainda mostra que o ensino às vezes é muito diferente de uma escola para outra, não só pelo método de ensino, mas porque algumas estão com o conteúdo mais adiantado, outras mais atrasado. “Quando o conteúdo estava atrasado, até ficava mais fácil para nós, porque a gente já tinha estudado aquilo. Mas quando estava adiantado, era um ‘Deus nos acuda’. A gente tinha que sair correndo atrás de xerox de apostila, de estudar mais em casa, de conseguir aula de reforço, de pedir ajuda para os colegas. Mas a gente dava conta e colocava o conteúdo em dia”, conta a trapezista, que apenas uma vez na vida ficou de recuperação em uma matéria, mas passou de ano. Tirando isso, garante a jovem, sempre tirou boas notas.

Mas o lado bom de tudo isso, diz Karlênia, foram as amizades feitas ao longo dos anos, em todos os cantos do Brasil. Ela procura manter o contato virtual com quase todos e combinam de se encontrar, quando ela volta para aquela cidade.

Karlênia sonha em fazer faculdade de Educação Física ou Administração. Mesmo optando pelo ensino à distância, ela teme não estar perto dos pólos da faculdade nos períodos de provas, visto que os exames são presenciais. Mas não desistiu e ainda “estuda” o assunto.

Trabalho

Enquanto crianças, os filhos circenses apenas “brincam” de circo. Seus pais fazem fantasias para eles e, ao final das apresentações, entram no picadeiro apenas para reverenciar o público. “Não é trabalho, é só pros pequenos sentirem-se artistas”, afirma Karlênia. Mas quando a adolescência vai chegando, a maioria já quer seguir os passos dos pais. Treinam algum número e começam a se apresentar. Então, estudam num período, no outro estudam em casa e ensaiam e à noite vão para o espetáculo. Assim, Karlênia começou a se apresentar aos 10 anos e hoje é trapezista, equilibrista, bailarina e acrobata.

Aliás, no Circo Fantástico, que está em Curitiba, ao lado da Havan da Linha Verde, hoje há nove crianças em idade escolar, todos estudando. Bertha Casção, uma das donas do circo, diz que em cada cidade que chegam, ela pesquisa e ajuda a conseguir escola para todos. Mas é responsabilidade de cada família arcar com os custos dos estudos e com o transporte. Às vezes, quando são vários estudando no mesmo colégio, os pais circenses se revezam entre levar e buscar.

Grande Família

 

Sobre o autor

Giselle Ulbrich

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