Rebouças

Tem, mas tá em falta

Escrito por Maria Luiza Piccoli

Passageiros que poderiam viajar de graça em linhas interestaduais denunciam falta de ônibus convencionais

Se você valoriza o suado dinheirinho de todo o mês, certamente sabe a diferença que cem reais fazem na conta. Se pra qualquer um economizar é importante, pra quem ganha menos de dois salários mínimos ou depende exclusivamente da aposentadoria do Instituto Nacional de Seguridade Social (INSS), qualquer sobra no fim do mês pesa. Pensando nisso, o Ministério Público Federal (MPF) ­ por meio da Agência Nacional de Transportes Terrestres (ANTT) ­ estabeleceu uma série de resoluções que garantem aos idosos, deficientes e jovens de baixa renda, viajarem gratuitamente, de um estado para outro, em ônibus de empresas particulares.

O problema é que a regra só vale para veículos convencionais e, diante da aparente redução das frotas da categoria por parte das empresas de ônibus, muitos clientes reclamam da dificuldade em utilizar o benefício na hora de viajar.

Manhã de segunda-feira. Na Rodoferroviária de Curitiba o habitual vai e vem de passageiros movimenta o terminal. À boca do guichê de uma das empresas de ônibus que operam no local, é grande o número de clientes que aguardam na fila preferencial. Luis Ruben Franco, 65, acaba de ser atendido mas se sente frustrado.

“Não consegui pegar o assento gratuito e o não posso esperar o próximo ônibus para Florianópolis. Tive que comprar a passagem”, lamenta. Para o aposentado, qualquer centavo faz diferença no orçamento. “Mesmo pagando metade, pra muita gente esse dinheiro não é nada. Mas pra nós que temos a grana curta, dói no bolso”, diz.

Logo atrás de Ruben, a dona de casa Vini Ema, 78, aguarda na fila. Ela sabe que é difícil conseguir os assentos gratuitos. “Recorro ao benefício sempre que viajo mas sei que não é fácil conseguir sem reservar com muita antecedência. Por isso, ou eu pago meia passagem ou acabo comprando inteira, de acordo com o horário que fica melhor pra mim. Já me conformei”, diz.

“Recorro ao benefício sempre que viajo mas sei que não é fácil conseguir sem reservar com muita antecedência. Por isso, ou eu pago meia passagem ou acabo comprando inteira", diz Vini Ema. Foto: Gerson Klaina
“Recorro ao benefício sempre que viajo mas sei que não é fácil conseguir sem reservar com muita antecedência. Por isso, ou eu pago meia passagem ou acabo comprando inteira”, diz Vini Ema. Foto: Gerson Klaina

Quem pode

Em tese, não deveria ser tão difícil assim. Aprovada em 2006, a Resolução nº 1692 ­ sancionada pela ANTT ­ estabelece a obrigatoriedade das empresas prestadoras do serviço de transporte rodoviário interestadual de passageiros a reservarem aos idosos com renda igual ou inferior a dois salários-mínimos, duas vagas gratuitas em cada veículo.

Viabilizado em conformidade com o Estatuto do Idoso (artigo 40), o benefício pode ser solicitado por qualquer pessoa de 60 anos, ou mais, com renda de até dois salários mínimos, mediante comprovação de idade e financeira. Caso os assentos gratuitos já tenham sido ocupados, o Estatuto prevê o direito a um desconto de cinquenta por cento no preço da passagem, para as demais poltronas.

Também estão inclusas no benefício pessoas com deficiência física, mental, visual ou auditiva – comprovadamente carentes – além de estudantes com idade entre 15 e 29 anos, pertencentes à família com renda mensal de até dois salários mínimos e inscritos no Cadastro Único do Governo Federal.

Foto: Aniele Nascimento
Foto: Aniele Nascimento

Procon

Diante da solicitação de informações por parte da Tribuna, o Departamento Estadual de Proteção e Defesa ao Consumidor (Procon) afirmou, por intermédio da diretora do órgão Cláudia Silvano, que vai abrir uma ação de investigação para averiguar a existência de reclamações nesse sentido e descobrir se a prática fere a Lei.

A aposentada Jandira Lopes, 75, que frequentemente viaja para visitar a família que mora em Santos, no litoral de São Paulo. Ela reclama da falta de ônibus convencionais disponíveis para o trajeto. “É desproporcional. Enquanto saem quatro leito e semi-leito, só dois convencionais. E mesmo assim é quase impossível conseguir viajar de graça”, desabafa.

Grátis? Só que não

A equipe Tribuna fez uma rápida pesquisa nos guichês de algumas companhias de ônibus da Rodoferroviária de Curitiba. Pela Viação Kaissara, por exemplo, das 12 saídas programadas no dia para São Paulo, 10 eram por veículos leito, semi-leito ou executivo. Já das 32 saídas para Joinville, pela Viação Catarinense, 30 eram feitas por ônibus convencionais. A questão gera polêmica, já que a frequência de viagens interestaduais de veículos convencionais é diretamente proporcional à demanda.

De acordo com a resolução nº 447 da ANTT (artigo 33) as empresas devem viabilizar o serviço, com pelo menos um ônibus, por sentido, a cada semana. Para definir se mais viagens serão disponibilizadas, a agência utiliza uma fórmula baseada no número de passageiros da cidade. Na Rodoviária de Curitiba, o serviço é monitorado pelo posto de fiscalização e atendimento da ANTT, que também é responsável por verificar se as empresas têm cumprido as exigências legais. Em tese, tudo está funcionando.

Foto: Gerson Klaina
Foto: Gerson Klaina

Outro lado

Se de um lado reclamam os beneficiários do serviço, de outro, representantes das empresas de ônibus se defendem. Segundo Thadeu Castello Branco e Silva, diretor e superintendente do Sindicato das Empresas de Transporte Rodoviário Intermunicipal de Passageiros do Estado do Paraná (Rodopar), a garantia de gratuidades deve ser vista com parcimônia por parte das autoridades reguladoras, principalmente diante da crescente clandestinidade dos serviços de transporte particular.

“Hoje todos os sistemas transporte, públicos e privados, sofrem um bombardeio com a questão da clandestinidade. Seja por aplicativos ou até mesmo troca informal de caronas pela internet. Ninguém mais recolhe impostos. Já as empresas de ônibus continuam recolhendo impostos e mantendo as frotas ­ que têm um custo. Se é de graça pra alguns, pra outros vai ter um custo. Por isso somos contrários aos ‘festivais de gratuidades’. Alguém sempre terá de pagar por isso”, afirma.

A Tribuna tentou contato com as empresas de ônibus citadas na reportagem. A Viação Catarinense afirmou, por meio do departamento de comunicação, que disponibiliza mais assentos com benefício de gratuidade do que a quantidade mínima exigida pela ANTT. A empresa afirma que só neste primeiro trimestre, só em Curitiba, 15 mil passageiros foram utilizados com o benefício. Também tentamos contato com a Viação Kaissara, por telefone, sem sucesso.

O que é o que?

Entenda a diferença entre os ônibus Convencional ­ ônibus da categoria mais simples e com menor custo. Conta com 46 a 50 poltronas pouco reclináveis e banheiros. Alguns oferecem ar condicionado.

Executivo – traz mais comodidade e custo um pouco maior. O serviço deve oferecer 44 poltronas semi-leito, descanso para as pernas, ar-condicionado, calefação, toalete, TV e frigobar.

Leito – ideal para viagens mais longas, tendo em vista que oferece recursos como ar-condicionado, calefação, toalete, TV, manta, travesseiro e frigobar. Ao todo o serviço deve oferecer 24 lugares.

Semi-leito – 36 poltronas reclináveis, travesseiros e cobertas, apoio para as pernas, frigobar, banheiro, ar condicionado e fones de ouvido para assistir TV ou ouvir música.

As especificações são estabelecidas pela resolução nº 4130 da ANTT

Como solicitar o benefício?

Idosos

Para fazer uso da gratuidade, o idoso deve solicitar um único “Bilhete de Viagem do Idoso”, nos pontos de venda próprios da transportadora, com antecedência de, pelo menos, três horas (e máximo de 30 dias) em relação ao horário de partida do ponto inicial da linha do serviço de transporte, podendo solicitar a emissão do bilhete de viagem de retorno, respeitados os procedimentos da venda de bilhete de passagem, no que couber. Para isso, deve apresentar um documento original que contenha foto, além de comprovante de renda, que pode ser Carteira de Trabalho e Previdência Social com anotações atualizadas; contracheque de pagamento ou documento expedido pelo empregador; carnê contribuição para o Instituto Nacional de Seguro Social – INSS; extrato de pagamento de benefício ou declaração fornecida pelo INSS ou outro regime de previdência social público ou privado; documento ou carteira emitida pelas Secretarias Estaduais ou Municipais de Assistência Social ou congêneres.

Pessoas com deficiência

No caso de pessoas com deficiência (seja ela física, mental, auditiva ou visual), para usufruir da gratuidade, é necessário que o viajante obtenha a carteira do Passe Livre no Ministério dos Transportes.

Jovens

Assim como as pessoas com deficiência, os jovens de baixa rende precisam de um documento diferente para obter a gratuidade, que, no caso deles, é a Identidade Jovem.

 

Sobre o autor

Maria Luiza Piccoli

(41) 9683-9504