Portão

Sinais de amor

Escrito por Maria Luiza Piccoli

Paróquia em Curitiba promove missas para surdos

O som do cântico ecoa pelas paredes da igrejinha de vitrais quadriculados coloridos em tons de verde, amarelo, vermelho e azul. Duas ou três vozes entoam o hino, acompanhadas por instrumentos musicais, quase lembrando um recital diante do silêncio da plateia atenta. Quem, porém, observar com mais atenção, vai ver que os expectadores sentados diante do grupo que conduz o louvor, acompanham cada estrofe com gestos, numa verdadeira orquestra de sinais. Alguns discretos, outros fervorosos. Todos fiéis devotos de Nossa Senhora da Ternura, a padroeira que dá nome à paróquia localizada na Rua Professor Ulisses Vieira, no bairro Portão. Há 6 anos, a igreja promove missas especiais para surdos por meio da Liguagem Brasileira de Sinais (Libras) e desde que começaram, os cultos têm recebido cada vez mais frequentadores.

O projeto, na verdade, nasceu há 18 anos quando então o bispo Ricardo Hoepers ­ um dos responsáveis pela missão ­ ainda era padre na Catedral Basílica Menor Nossa Senhora da Luz dos Pinhais, também conhecida como “Catedral da Praça Tirandentes”, em Curitiba. A “Pastoral dos Surdos”, como foi batizada, começou em 1997 a partir da própria sensibilidade do padre, que percebia a carência de atenção, por parte igreja católica, diante do público deficiente auditivo. “Não havia acompanhamento específico para os surdos na época, e as instituições não autorizavam a ministração em Libras. Percebíamos que as outras doutrinas realizavam serviços ativos junto ao público com deficiência auditiva e que algo devia ser feito por eles no âmbito católico”, lembrou. Foi na escola Nydia Moreira Garcez ­ uma das principais instituições de ensino para surdos do Paraná ­ que as primeiras reuniões começaram.

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Logo o público dos encontros cresceu em números e frequência, e a questão ganhou, enfim, a atenção das autoridades religiosas. “Foi por estímulo do bispo Dom Pedro Fedalto que decidi aprimorar a comunicação com os surdos. Busquei um curso de Libras e me apaixonei por essa missão. Cheguei a gravar vídeos dos fieis conversando para ‘estudar’ em casa”, lembra o bispo Ricardo. Com a fundação oficial da Pastoral dos Surdos, as reuniões passaram a acontecer na catedral da Praça Tiradentes onde funcionaram até 2006. Foi na Capela Imaculada Conceição, situada na Avenida Água Verde, que as reuniões viraram missa oficialmente. “Todas as semanas eu chamava um padre e realizava a tradução em Libras. As missas eram abertas tanto aos ouvintes, quanto aos surdos”, conta o bispo.

IGREJA SANTA IZABEL

Mal sabiam os fiéis que, logo, a compreensão da palavra de Deus ficaria ainda mais afinada por meio das mãos de outro líder, também surdo e “falante” de Libras. Sob o comando do padre Wilson Csaia, a paróquia “Nossa Senhora da Ternura” passou a funcionar no mesmo endereço onde funciona a Paróquia Santa Isabel, no bairro Portão, e as missas passaram a acontecer todos os sábados às 16h.

Os cultos contam com todos os ritos comuns às celebrações eucarísticas: músicas, leitura da Bíblia, orações, comunhão e profissão de fé. A diferença é que tudo é traduzido em Libras por cerca de 8 intérpretes que se revezam na exposição dos atos. Terezinha Selenko, 46, é uma das voluntárias. Ela começou a traduzir por conta da necessidade da própria igreja, e hoje, a interpretação de Libras é sua principal atividade profissional. “Eu conhecia o Padre Wilson há muito tempo e sabia que precisava de ajuda no serviço da paróquia. Fiz cursos de Libras e me profissionalizei. Como intérprete, trabalhei em uma universidade e também numa emissora de televisão, fazendo a janela de tradução”, conta. Sobre a interpretação das missas, a tradutora afirma que o trabalho exige atenção, principalmente quando as palavras têm sinais semelhantes. “Uma vez o padre falava sobre as estrelas no céu na missa. Percebi que os fiéis não estavam entendendo mas continuei traduzindo normalmente. No final alguém veio me perguntar por que eu tinha dito que o céu estava cheio de pipocas. É que, em Libras, os sinais de ‘estrela’ e ‘pipoca’ são muito parecidos. Acabei trocando sem querer. Foi muito engraçado”, lembra.

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A rotina na paróquia, que hoje conta com aproximadamente 100 membros, também segue o padrão de qualquer outra congregação, porém com algumas diferenças. Assim como todo o pároco, o padre Wilson também conduz o ato da confissão, porém, entre surdos, o rito é feito “cara a cara”. Vinícius Barreto é membro e também trabalha na igreja. Para ele, o serviço literalmente traduz o amor de Cristo. “Na própria Bíblia vemos a humildade de Jesus em falar com os leprosos, coxos e surdos. Isso nos faz perceber como ele é ‘um de nós’. Em nossa comunidade temos um padre que é surdo, e por ele todos os deficientes auditivos têm a possibilidade de se aproximarem e de ‘ouvirem’ mais de Jesus”, diz.

Neste Natal a Paróquia Nossa Senhora da Ternura contará com uma programação especial. As missas de celebração em Libras acontecem no dia 24, às 19h e no dia 25, às 10h30. Os cultos são abertos a todos os públicos ­ inclusive os ouvintes. Para o bispo Ricardo Hoepers, a oportunidade é ideal para a reflexão a respeito da humildade e do amor de Cristo para com todos. “Natal é, acima de tudo, a comunicação de Deus com a humanidade. O próprio Deus se fez conhecer como menino frágil e pequeno, sob a forma humana. Com isso, Ele comunicou amor. A Paróquia faz a comunicação do amor de Deus pelas mãos desses surdos. Isso serve para qualquer instituição em âmbito social. Toda a vez que qualquer espaço abre as portas para portadores de necessidades especiais, isso representa uma experiência de amor”, afirma.

Os significado da data também é marcante para os fiéis. Para Vinícius, a vinda de Cristo ao mundo deve servir como exemplo para todos, principalmente em relação à feitura do bem ao próximo. “Quando o Cristo foi ao encontro do surdo, ele e o fez ouvir e falar. ‘Efatá’, foi o que Jesus disse para que o surdo começasse a ouvir. Traduzida, essa palavra é uma ordem que diz ‘abra-te’. Neste Natal temos a confiança que Deus poderá fazer que a surdez de todos seja curada, pois sempre fechamos nossos ouvidos para as coisas de Deus e para palavra que Jesus fala a cada um”, finaliza.

Quem é Nossa Senhora da Ternura?

Representada pelo ícone clássico da Virgem Maria, Nossa Senhora da Ternura se difere das demais por conta do bebê que segura no colo. Sob os cuidados dela, o menino Jesus é representado sem visão, com mãos e pernas sutilmente paralisadas. A imagem é originária da Rússia e foi escolhida para representar a padroeira dos portadores de necessidades especiais.

SERVIÇO
Missas de Natal em Libras
Quando: dia 24, às 19h; dia 25 às 10h30
Onde: Paróquia Nossa Senhora da Ternura – Rua Professor Ulisses Vieira, 621, Curitiba
Telefone: 3242-5575

Sobre o autor

Maria Luiza Piccoli

(41) 9683-9504