Mossunguê

Vizinhos da tragédia

Escrito por Maria Luiza Piccoli

Nove anos depois do acidente que vitimou Gilmar e Murilo, pouco mudou no local da colisão

Aos nove anos de idade, Yasmin Cardoso de Almeida não sabe muito bem o que diz o Código de Trânsito Brasileiro, mas sabe escrever uma boa redação. Ela não conhece os termos necessários para construir um discurso político, mas já fala inglês fluentemente. Yasmin não sabe a diferença entre Pinot Noir e Cabernet Sauvignon, mas aos nove anos, a pequena moradora do bairro Mossunguê, em Curitiba, já sabe que bebida e direção não combinam.

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Ivan Camargo, 29, é empresário e vizinho de Yasmin. Há nove anos, o então estudante ainda não sabia ao certo que rumo tomar na vida. O tempo foi suficiente para que ele se graduasse, abrisse cinco empresas e fechasse duas. Em nove anos, Ivan teve dois longos relacionamentos, viajou e mudou de casa duas vezes.

 “Nove anos é muito tempo pra que um caso como esse seja julgado”, afirma Ivan. Foto: Felipe Rosa
“Nove anos é muito tempo pra que um caso como esse seja julgado”, afirma Ivan. Foto: Felipe Rosa

Já para a cabeleireira, Claudete Polidoro, 50, nove anos foram suficientes para consolidar seu salão de beleza na Rua Paulo Gorski, comprar a casa própria, quitar o carro e realizar o sonho de infância de fazer uma “eurotrip”.

Idades diferentes, histórias diferentes e uma coisa em comum: o CEP, situado apenas alguns metros do local do acidente envolvendo o ex-deputado estadual Luiz Fernando Ribas Carli Filho (PR) que, em 2009, vitimou os rapazes Gilmar Rafael Yared, 26, e Carlos Murilo de Almeida, 19. Jovens enterrados cedo. Sonhos, planos e projetos, apagados de repente e que não vão mais acontecer.

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Na semana do julgamento de Carli Filho, é como se as memórias da tragédia voltassem de uma anestesia para a maioria das pessoas que não tinha nenhuma relação com os envolvidos. É o caso de Ivan, Claudete e Yasmin. O mesmo não acontece com os familiares das vítimas já que a dor, ainda muito viva, está longe de adormecer. Entre amigos e parentes, o momento é de expectativa por justiça, depois de nove anos de aniversários não comemorados. Nove natais com a família incompleta. Nove dias das mães – sem os filhos. Nesse tempo, é inevitável questionar o que teria sido da vida dos dois rapazes, afinal, em nove anos, tudo pode acontecer.

Desde 2009 o mundo não parou de girar. Em nove anos assistimos duas olimpíadas – uma delas no Brasil – em 2016. Nesse tempo também aconteceram duas copas do mundo, incluindo a de 2014, cenário do amargo 7×1. Vimos o terremoto que devastou o Haiti em 2010 e atingimos a marca de 7 bilhões de terráqueos em 2011.

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Em 2012, presenciamos o ataque talibã que quase matou a estudante paquistanesa Malala Yousafzai, de quinze anos e, pouco tempo depois, em 2014, assistimos a mesma estudante receber o Nobel da Paz. Em 2013, Eike deixou de ser bilionário e, em 2015, Estados Unidos e Cuba voltaram a ser “amigos”. Em 2016, aprendemos a escrever “impeachment” e depois, demos adeus à Obama, em 2017.

Cruzes brancas

“Espero que quem tem culpa seja condenado”, diz Claudete. Foto: Felipe Rosa
“Espero que quem tem culpa seja condenado”, diz Claudete. Foto: Felipe Rosa

Em 2018 voltamos ao cruzamento das ruas Paulo Gorski e Ivo Zanlorenzi, no bairro Mossunguê, em Curitiba, e a única diferença do cenário em relação ao dia do acidente, são as duas cruzes brancas fincadas na margem esquerda da via, sinalizando o local exato onde a colisão aconteceu. Enquanto para Yasmin acidentes como esse trazem a dúvida de querer conduzir o volante um dia, para Claudete, a morosidade da justiça merece ser combatida, tanto quanto a imprudência no trânsito.

“Espero que quem tem culpa seja condenado. Ainda mais quando falamos em figuras de autoridade, que teoricamente deveriam proteger o povo. Isso deveria servir de exemplo pra todos os irresponsáveis que fazem a mesma coisa”, afirma.

Já para Ivan, maior que o mérito do próprio caso, o julgamento adequado representaria igualdade, acima de tudo. “Independente do crime e de sua gravidade, todas as pessoas têm direito à defesa e merecem um julgamento justo. Infelizmente vivemos num país desigual onde somente os mais afortunados conseguem advogados melhores, que lhes dão boas condições de defesa. Nove anos é muito tempo para que um caso como esse seja julgado, sobretudo por se tratar de uma figura pública”, finaliza.

Sobre o autor

Maria Luiza Piccoli

(41) 9683-9504