Curitiba

Todo santo dia

Não tem um dia sequer que Curitiba fique sem registrar acidentes com motos. Excesso de confiança dos motociclistas e desrespeito dos motoristas em geral levam pelo menos 8 motociclistas para dentro das ambulâncias do Siate, todos os dias

 

Desde agosto de 2017 até hoje, Curitiba não ficou um dia sem acidentes com motocicletas. Diariamente o Siate atendeu feridos, fosse o motociclista, o garupa, o ocupante do outro veículo envolvido ou um pedestre. Apesar dos motociclistas estarem aos milhares no trânsito (em Curitiba, há 169.378 motos, 11% da frota total), eles parecem invisíveis, pois Curitiba tem uma média de 8 acidentes com motos por dia. Mas já houve dias de pico, como em 15 de dezembro do ano passado, que o Siate atendeu 19 colisões envolvendo motos. Ou no dia 7 deste mesmo mês, quando do total de 20 acidentes atendidos, 18 foram com motos.

O analista de sistemas Francys Krieck, 41 anos, já se acidentou 14 vezes, duas com gravidade. Quase uma ocorrência por ano, já que é motociclista há 15 anos. Destas, ele diz que três ou quatro foram inevitáveis e não foi culpa dele. Já em outras nove, ele diz com certeza que a culpa foi dele, porque estava onde não devia, acelerou quando não podia, “costurou” no meio dos carros ou realizou ultrapassagens imprudentes. Apesar da experiência negativa, ele tirou algo bom: mudou a forma de entender o trânsito. Adotou posturas mais seguras e já faz cinco anos que não sofre nenhum acidente.

Francys é apaixonado por motos desde criança. E as utiliza para os seus deslocamentos diários, não só pela paixão, mas também pela economia de combustível e tempo. Morador do Boqueirão, nas raras vezes que pegou o carro para ir ao trabalho, no Centro Cívico, demora cerca de 55 minutos. De moto, diz que chega em 15 minutos ao trabalho. E ele tem duas motos. Uma scooter, de 150 cilidradas, para os deslocamentos do dia a dia, e uma moto maior e mais potente, para fazer viagens curtas com os amigos nos fins de semana. Mas o curioso é que, apesar de transitar muito em estrada, todos os seus 14 acidentes ocorreram dentro das cidades.

E é isso que mostra os relatórios do Projeto Vida no Trânsito, coordenado pelas Secretarias de Saúde e de Trânsito de Curitiba, que reúnem dados sobre acidentes de trânsito provenientes de órgãos diversos. As estatísticas constatam que 75% dos acidentes com motos ocorreram nas ruas e avenidas de Curitiba, no ano passado. 15% deles foram em rodovias e 7% na Linha Verde, especificamente.

No caso de Francys, num dos acidentes graves que sofreu, ele bateu de lado com um carro. Ficou inconsciente, passou algumas horas em observação no hospital (não chegou a ficar internado) e teve que ficar uma semana “de molho” em casa. Ele não chegou a ter nenhuma fratura, mas não suportava as dores, dos hematomas e cortes que levou pelo corpo todo. Financeiramente, não teve enormes prejuízos, pois o seguro do outro motorista envolvido pagou tudo (os cerca de R$ 25 mil da moto). E o plano de saúde também custeou o atendimento médico. Mas o trabalho, Francys é empresário, ficou todo acumulado e “bagunçou” um pouco o andamento dos projetos.

“A moto é mais rápida e econômica. Mas também é mais perigosa. Porque qualquer coisa que dê errado envolvendo uma moto, é sempre o motociclista que sofre algo. Por isto, pode ser bem menos perigoso se o motociclista seguir as normas, não andar no ponto cego dos carros, não fazer coisas erradas”, aconselha o analista.

Foto: Lineu Filho/Tribuna do Paraná
Foto: Lineu Filho/Tribuna do Paraná

Campeões sem medalha

Os motociclistas lideram o ranking de mortes no trânsito. Ano passado, conforme o Projeto Vida no Trânsito, Curitiba teve 167 acidentes fatais, que resultaram em 178 vítimas. Destas, 66 eram motociclistas (37% do total), sendo 64 condutores e dois garupas. Entre as outras 112 mortes do trânsito em Curitiba, 61 pedestres, 40 ocupantes de automóveis, 10 ciclistas e um ocupante de caminhão.

Conforme a tenente Etiene do Carmo, porta voz do Batalhão de Polícia de Trânsito (BPTran), os acidentes com motos são gerados por uma combinação de fatores, de responsabilidade não só dos motociclistas, mas também dos outros agentes do trânsito (motoristas, pedestres e ciclistas). “Todos nós temos regras a seguir, que precisam ser respeitadas para termos uma boa convivência no trânsito, sem acidentes e mortes”, mostra ela.

Na visão da tenente, o primeiro fator que leva a acidentes é o desrespeito aos limites de velocidade. Quanto mais rápido, maior a possibilidade do motociclista se ferir ou morrer. Tanto quanto a velocidade, outro fator que gera muitos acidentes (73% deles) é o desrespeito à sinalização, principalmente o avanço de semáforo e de preferencial. Em terceiro lugar, porém em porcentagem bem menor, vêm as ultrapassagens proibidas, além das manobras imprevisíveis (de motoristas e motociclistas), como andar no corredor entre os carros, entrar repentinamente na frente de outros motoristas ou não dar a seta com antecedência para sinalizar suas intenções.

A falta de habilitação também é apontada como relevante nos relatórios do Projeto Vida no Trânsito. “Ela comprova que a pessoa passou por todos os passos da formação, que sabe se portar no trânsito, que usa a direção defensiva, que está com a saúde apta. Mas hoje em dia, com a facilidade de compra e o preço acessível das motos, as pessoas compram e já saem pilotando, sem ainda ter a habilitação”, lamenta a policial.

Segurança acima de tudo

Nos acidentes em Curitiba, as colisões entre carros e motos lideram o ranking (66% do total). Em segundo lugar, vêm as quedas (17%), mais comuns nos dias de chuva. “Os motociclistas sabem que o chão escorrega mais e que a visibilidade é menor, não só por causa da viseira do capacete molhada, mas também por causa da chuva em si. Sabem que a frenagem é mais demorada. Mas muitos não tomam consciência que precisam andar mais devagar e frear antes do que o de costume”, analisa a tenente.

Sobre a segurança física do motociclista, a policial aconselha, além do uso do capacete, a utilização de calças com tecidos mais resistentes (jeans ou couro, por exemplo) e blusas de mangas compridas, que podem proteger melhor de arranhões do que bermudas e camisetas, no caso de um acidente. Sem contar os calçados firmes no pé.

“Além disto, veja e seja visto”, aconselha ela, “puxando a orelha” também dos motoristas que cometem manobras imprudentes e colocam a vida dos motociclistas em risco.

Equipamentos de segurança x DPVAT

Das indenizações pagas pelo DPVAT no Paraná, de janeiro a maio deste ano, em acidentes com motos, 76% foram para vítimas que ficaram permanentemente inválidas e outros 16% para vítimas que usaram o dinheiro para pagamento de despesas médicas.

O uso do capacete é obrigatório por lei. Mas caso os motociclistas investissem mais em outros equipamentos de segurança, tão importantes quanto, gastaria-se menos com indenizações do DPVAT. E o dinheiro poderia ser utilizado em outras áreas de saúde, melhorias de infraestrutura viária, entre outros benefícios à população.

Poucas motos, maioria da grana

O Paraná é o quarto estado brasileiro que mais tem motos circulando (1.439.598), ou seja, 19,4% da frota total de veículos no estado (no Brasil, as motos correspondem a 27% da frota total). Só no mês de abril, foram 4.053 novos emplacamentos de motos no Paraná. Já em Curitiba há 169.378 motos, ou 11% da frota total. Foram 539 emplacamentos no mês de abril, último dado disponível do Denatran / Renavam. E o comércio de motos só cresceu neste ano. De janeiro a maio, conforme a Associação Brasileira dos Fabricantes de Motocicletas, Ciclomotores Motonetas, Bicicletas e Similares (Abraciclo), a produção de motos no país subiu 19% de janeiro a maio. No varejo, as vendas aos consumidores finais cresceu 7,7% neste período.

Apesar do crescimento, as motos ainda são uma parcela pequena da frota total. No entanto, correspondem a maior parte das indenizações por acidentes, pagas pela Seguradora Líder, que administra os recursos do DPVAT. No Brasil, as motos correspondem a 75% das indenizações.

O Paraná é o terceiro estado brasileiro que mais paga indenizações por morte (6,99% do total). Só perde para São Paulo (13,96%) e Minas Gerais (11,29%). E entre os estados do Sul, o Paraná é responsável por quase metade das indenizações (44%). Foram 870 pagas. Já entre as indenizações pagas por invalidez permanente, o Paraná ocupa o quarto lugar no ranking nacional.

  • Reportagem em vídeo: Maria Luiza Piccoli

Sobre o autor

Giselle Ulbrich

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