Curitiba

Tarado do busão

Escrito por Lucas Sarzi

Uma estudante de 19 anos relatou nas redes sociais o medo e a vergonha que passou dentro de um ônibus da linha Inter 2 nessa semana, ao ver um homem se masturbando e olhando para as passageiras. A jovem contou que as outras pessoas também viram, mas ninguém esboçou reação. “Apenas assistiram ao que aconteceu”, disse Clara*.

À Tribuna, a moça disse que foi a quarta vez em que viu o tarado se tocando no ônibus. “Nessa última vez, assim como em todas as outras, ele se masturbava por cima da calça. Só que eu não me controlei, fiz cara feia e ele me xingou e ameaçou dizendo que iria me encher de porrada quando descesse do ônibus”, contou.

Segundo a jovem, que estuda fotografia, das outras vezes o homem não se aproximou dela, mas assediou outras mulheres, da mesma forma, se masturbando por cima da roupa. “Em um dos casos, vi e chamei a moça para que ela saísse de perto. Ele não gostou, mas continuou a se tocar”, disse Clara, que antes de sair do ônibus ainda gritou com o homem perguntando se ele não tinha vergonha e ele retrucou e a chamou de vagabunda.

“Naquele dia, eu saí correndo e fui trabalhar. Não achei que iria mais encontrá-lo. Mas tive o azar e, dessa vez, ele me encarou e começou a mexer nas partes íntimas, como fez com as outras mulheres que eu tinha visto”, contou a estudante. Ao perceber o que acontecia, apenas um passageiro ofereceu à Clara que trocasse de lugar. “Mas ninguém fez nada. As pessoas faziam sinal de negativo com a cabeça, reprovando o que viam, mas só isso”.

Segundo a jovem, no mesmo dia, uma moça do banco da frente contou que já tinha presenciado o homem fazendo as mesmas coisas dentro do Inter 2 outras vezes. “Ela me contou que já viu inclusive ele encostar-se a algumas mulheres, que desceram porque ficaram assustadas e enojadas”, comentou Clara.

Denúncia ao segurança

Segundo a jovem, o homem desceu no terminal do bairro Portão e fugiu correndo. Ela denunciou o caso a um segurança de uma empresa privada que estava no local. “Ele me disse que já tinha ouvido relatos de outras mulheres e que o homem já tinha levado uma ‘coça’, mas nada pôde fazer, porque o homem foi embora”.

A jovem enfatizou que o homem não abusou dela. “Em mim ele não passou a mão, mas eu vi o que ele estava fazendo. Agora pense nas meninas que ele conseguiu abusar, nas crianças que podem ter visto estas cenas dentro do ônibus, do trauma que pode causar nas mulheres”.

Nas redes sociais, alguns comentários na publicação de Clara atacavam a jovem, dizendo que ela tinha gostado do que viu. “Fala sério, se fosse o Caio Castro (ator) ela ia gostar”, disse um homem. “Será que a história é verdadeira ou ela só quer ficar famosa”, comentou outro. “As pessoas julgam demais, sem se colocar no lugar da gente. Até fiquei triste com o que li, mas não me fez parar de mostrar que o que eu vi precisa ser punido. “Se ele é doente ou algo do tipo, não pode estar na rua, tem que ser internado, tratado. A gente tem que mudar isso”, desabafou a estudante de fotografia.

Foto: Gerson Klaina.
Foto: Gerson Klaina.

Tarado famoso

Vanessa*, 21, disse que – assim como Clara – já presenciou os abusos dentro do Inter 2. “Eu entrei no ônibus no terminal do Campina do Siqueira, onde ele também pega. O coletivo estava vazio e me sentei num dos primeiros bancos. Quando começou a encher, percebi que o homem sentado atrás de mim respirava ofegante e vi que ele estava se masturbando”, contou.

Segundo a jovem, estudante de serviço social, o homem sequer se constrangeu e continuou o que fazia. “Ele parecia feliz. Eu nunca tinha visto nada parecido antes, então não tive reação. Mudei de lugar no ônibus. Uma mulher sentou onde eu estava e, minutos depois, também saiu”.

Como o ônibus estava cheio, muitas outras pessoas perceberam o que acontecia, mas todos apenas assistiram àquilo. “O que me irritou é que ninguém fez nada. O ônibus não estava mais vazio e, mesmo assim, as pessoas fingiram que não viram. Fiquei horrorizada”.

Há dois anos e meio na função, um cobrador de ônibus disse que já ouviu muita coisa das mulheres. “Teve um caso, inclusive, que a moça desceu do Inter 2 dizendo que saiu porque o homem estava se masturbando lá dentro. Sempre tem relato”, comentou o rapaz, que não pode ser identificado.

Foto: Gerson Klaina.
Foto: Gerson Klaina.

Usuários revoltados

A Tribuna ouviu alguns usuários de ônibus e a revolta foi geral. “Não é só no Inter 2, mas no Santa Cândida Capão Raso, por exemplo. Sempre tem algum tarado se esfregando na gente. O mais engraçado, é que as pessoas pensam que nós é que somos culpadas quando contamos”, desabafou a também estudante Jéssica*, 22.

Já Ricardo*, 26, acha que o curitibano precisa pensar mais nos outros. “O povo curitibano parece que é de uma cultura muito rígida, não se envolve com o que acontece ao redor”.

O rapaz, que é de São Paulo disse que a população lá reage prontamente contra estes abusos. “No mínimo o cara leva umas porradas. E aqui em Curitiba se algum dia eu presenciar, essa pessoa vai se complicar e muito”.

O cobrador de ônibus disse que se visse algo do tipo também não ficaria quieto. “Eu, no mínimo, iria retirar o cara do tubo e chamaria a polícia”, assegurou.

Letícia e Ana, de 30 e 35 anos, costumam pegar o Inter 2 diariamente e nunca viram nada estranho. “Não julgo as vítimas, porque a gente não sabe como a mulher se sente na hora, né? Mas o que eu digo é que, comigo, esse homem já não faria mais isso. Eu arrancava o braço dele se fosse preciso”, falou Letícia.

Foto: Divulgação.
Foto: Divulgação.

Busão Sem Abuso

O Setransp, sindicato que representa as empresas de ônibus de Curitiba e região metropolitana de Curitiba, admitiu que abuso nos ônibus são frequentes. Para combater isso, o sindicato criou a campanha Busão Sem Abuso, que – em formato de cartilha – explica aos motoristas e cobradores o que devem fazer com situações deste tipo.

O material, conforme o sindicato, foi passado aos motoristas para que saibam como lidar com o assunto, sempre chamando a Guarda Municipal ou a Polícia Militar. O Setransp não esclareceu se foi feito algum treinamento para orientar os funcionários sobre o conteúdo.

GM na cola

A Guarda Municipal informou que já tem a descrição do suspeito e está realizando buscas pela cidade. De acordo com a nota, a vítima não registrou boletim de ocorrência. A Guarda orienta os usuários de ônibus, que em casos como este, a pessoa deve de imediato ligar no telefone 153 da Guarda e informar da situação, para que a patrulha do Transporte Coletivo possa atender a ocorrência o mais breve possível. Caso o suspeito não seja detido em flagrante, registra o boletim de ocorrência na delegacia mais próxima.

*Os nomes são fictícios, a pedidos dos entrevistados.

Sobre o autor

Lucas Sarzi

Jornalista formado pelo UniBrasil e que, além de contar boas histórias, não tem preconceito: se atreve a escrever sobre praticamente todos os assuntos.

(41) 9683-9504