Curitiba

Novas prioridades

Escrito por Giselle Ulbrich

Só separar o lixo ou reciclar já não adianta. Veja o que é preciso pra resolver o problema do lixo

Você chegou a reparar em quantos quilos ou sacos de lixo você tira de dentro da sua casa toda semana? E alguém já lhe falou que você tem que diminuir a quantidade de lixo que você produz urgente? Para saudar o Dia Mundial do Meio Ambiente, que é celebrado nesta terça-feira (5), a Tribuna do Paraná vai mostrar para você leitor porquê o assunto lixo é mais importante e emergencial do que você imagina.

Na década de 80, Curitiba foi pioneira no Brasil ao implantar a coleta seletiva de lixo, repetindo incansavelmente a campanha da Família Folhas. Afinal, quem era daquela época lembra até hoje da música: “Lixo que não é lixo, não vai pro lixo. Se-pa-re”. E a campanha funcionou, pois hoje em dia, o curitibano não consegue mais misturar lixo orgânico e reciclável num saco só.

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Mas os tempos são outros e focar apenas na reciclagem não é mais suficiente. A Política Nacional de Resíduos Sólidos diz que há outras prioridades: não gerar lixo ou reduzir ao máximo essa produção. Depois, reaproveitar o que foi inevitável produzir. Só depois disto vem a reciclagem. Em seguida, só se envia ao aterro sanitário o rejeito, aquilo que não dá para aproveitar de forma nenhuma.

Longe disto

Gabriela Otero, coordenadora do departamento técnico da Associação Brasileira das Empresas de Limpeza Pública e Resíduos Especiais (Abrelpe), lamenta que todas as cidades brasileiras estão estagnadas (ou regredindo) nessa questão do lixo. Existem vários fatores influenciando este declínio: prefeituras não investem em comunicação para conscientizar as pessoas. “Veja a campanha da Família Folhas. Várias gerações ainda lembram e praticam. Mas como hoje em dia não se vê esse investimento em comunicação, as pessoas não se engajam com o assunto, porque desconhecem o assunto”, ressalta Gabriela.

Outra questão é a financeira, na qual todas as cidades brasileiras sofrem com a escassez de recursos. Nenhuma delas quer tirar dinheiro da saúde e educação, por exemplo, para investir na gestão do lixo. E com a crise econômica do País, que deixou muita gente sem emprego, mostra Gabriela, muitos que não trabalhavam com coleta de materiais recicláveis passaram a trabalhar com isto. Assim, passam em frente às casas, recolhem o lixo que tem melhor valor comercial e deixam para trás o lixo “pior”, fazendo os índices da coleta seletiva oficial piorarem.

Junto a tudo isso, analisa a especialista, está a “culpa” das indústrias e do comércio, que ainda não estão cooperando. “Você compra uma bolacha no mercado, que vem dentro de três embalagens. Vai comprar duas espigas de milho e elas vêm numa bandeja de isopor, enrolada em plástico filme. A fruta já vem descascada dentro de um pote plástico. As indústrias e o comércio não estão preocupados com esse excesso de embalagens. E o consumidor que é menos consciente vai lá e compra. Os supermercados, por exemplo, precisam ter uma postura mais pró-ativa, não reativa. Prefeituras têm que proibir esse excesso de embalagens. Cidadãos precisam se engajar mais”, alerta ela.

Papel de cada um

“O comportamento consciente do cidadão vai até o ponto que começa a incomodar. Produzir menos lixo implica numa mudança de hábito das pessoas. Mas quando a pessoa vê que precisa diminuir o consumo, de abrir mão de trocar de celular todo ano e de ter 20 pares de sapato, que precisa levar a sacola retornável ao mercado em todas as compras, de não pedir a segunda via do recibo do cartão, abrir mão do canudinho de plástico, enfim, quando a pessoa se depara com essas tantas tarefas que a tornam sustentável, há resistência. Comportamento é uma barreira difícil de ultrapassar, até conseguirmos ter massas conscientes”, diz Gabriela Otero, dando um “puxão de orelha” nas pessoas.

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“Deveria haver uma taxa de lixo proporcional à quantidade de resíduos que a pessoa gera. Pois por enquanto, como a pessoa não paga pelo que produz, ela gera mais lixo, mistura resíduos. Não tem nenhum motivador para a mudança”, sugere ela.

Ainda somos exemplo

Foto: Felipe Rosa
Foto: Felipe Rosa

Apenas 18% das cidades brasileiras (1.055, do total de 5.561, conforme o IBGE), possuem coleta seletiva. Os outros 82% ainda misturam lixo orgânico e reciclável num saco só. E tudo isso vai para os lixões ou aterros. Mas Curitiba ainda é uma das cidades pioneiras neste aspecto. Mesmo ainda tendo muito a progredir, é uma destas poucas que está trabalhando para cumprir a Política Nacional de Resíduos Sólidos.

Edélcio Marques dos Reis, superintendente de Controle Ambiental da Secretaria Municipal do Meio Ambiente (SMMA) de Curitiba, mostra que a capital tem cumprido boa parte do que a legislação exige. A falta de verba impede de fazer melhor. Ele é consciente que uma campanha de marketing bem trabalhada traria um impacto positivo muito maior. Mas enquanto a verba não vem, a SMMA se desdobra em campanhas de conscientização, não só falando da reciclagem, mas focando na redução e reaproveitamento do lixo.

Edélcio ressalta que Curitiba sempre foi pioneira nesta questão ambiental. Enquanto uma boa parte das cidades brasileiras ainda possui lixões, Curitiba já implantou o aterro sanitário lá na década de 80. A organização dos catadores de recicláveis em associações e cooperativas e a parceria com estas 40 entidades torna o trabalho mais eficiente e gera renda.

Empreendedorismo

Um exemplo de reutilização são os paletes, que hoje se transformam em móveis, sofás, prateleiras, estrados de cama, etc. Garrafas pet também são muito utilizadas em artesanatos. Pneus também já caíram no gosto do curitibano, que os utiliza em vasos e decorações do jardim, proteções de muretas em parques infantis, etc. “isso depende muito da visão empreendedora das pessoas”, elogia ele.

Ele também mostra que já existem muitos exemplos positivos de logística reversa. “Isso se vê na indústria de agrotóxicos, que recolhe as embalagens, lava, inutiliza e dá o fim certo ao plástico. A indústria de pneus e de lâmpadas fluorescentes também faz isso muito bem”, diz Edélcio.

Mas ainda existem pontos da Política Nacional de Resíduos Sólidos que precisam avançar e isto depende de muito mais engajamento de vários setores da sociedade. “As câmaras técnicas precisam discutir mais o assunto, estabelecer marcos, fiscalizar atividades do comércio, indústria e administrações públicas, o governo federal precisa destinar mais verba para os municípios trabalharem a questão. Porque a lei veio. Mas com municípios passando por dificuldade financeira, quem vai querer tirar do hospital ou da escola pra colocar no lixo? Falta política de liberação de recursos”, alerta o superintendente.

Edélcio acredita que mudar a cultura do desperdício é algo que ainda demora uma, duas gerações. “As pessoas procuram por coisas mais práticas. Chegam em casa cansadas e querem fazer um jantar rápido, em 20 minutos, para descansar logo, ou porque ainda vão à aula ou precisam estudar. Ainda é preciso muito boa vontade pra mudar o comportamento”, lamenta Edélcio.

Foto: Átila Alberti
Foto: Átila Alberti

Lixo em números

– Cada curitibano produz 1,09 quilo de lixo / dia

– Curitiba produz 1,8 mil tonelada de lixo/dia (coleta domiciliar)

– Quase 40% do lixo de Curitiba é papel, papelão e plástico

– 60% das cidades brasileiras encaminham 30 milhões de toneladas de lixo/ano para locais inadequados

– Brasil produz 80 milhões de toneladas resíduos sólidos /ano (200 estádios de futebol)

Manejo do lixo:
3.ª maior gasto das cidades

Coleta seletiva:
Está em apenas 18% das cidades

Economia perde:
R$ 120 bilhões/ano em produtos que poderiam ser reciclados

– Brasil tem quase 3 mil lixões que afetam 76,5 milhões de pessoas e geram prejuízo aos cofres públicos de R$ 3,6 bilhões ano em gastos socorrendo o meio ambiente e tratando pessoas doentes

Fontes: Plano Municipal de Resíduos Sólidos (Curitiba, 2017), Associação Brasileira das Empresas de Limpeza Pública e Resíduos Especiais e Movimento Cidades Lixo Zero.

Lixão x aterro sanitário

Lixão: área que não tem nenhuma preparação do solo para receber lixo. Simplesmente abre-se um buraco e joga-se lixo dentro. O chorume (caldo preto que escorre do lixo polui o solo e o lençol freático (água que abastece as cidades). O lixo também fica exposto, sem nenhum cuidado, cheio de animais e insetos, e com acesso livre às pessoas, inclusive crianças e adolescentes, em busca de materiais recicláveis. Acaba trazendo sérios problemas de saúde pública, não só pela poluição do meio ambiente, mas também pelo contato das pessoas com o lixo.

Aterro: existem dois tipos, o controlado e o sanitário. No aterro sanitário, todos os cuidados são tomados para que o chorume não polua o solo e o lençol freático. O lixo é diariamente coberto, para evitar mau cheiro e aproximação de animais, o chorume recebe tratamenwto e é feito o manejo correto do gás metano produzido pelo lixo. O aterro controlado é um intermediário entre o lixão e o aterro sanitário. Possui certos tratamentos, mas ainda assim passa alguma poluição ao solo e lençol freático.

Sobre o autor

Giselle Ulbrich

(41) 9683-9504