Curitiba

Minha bike, minha vida!

Escrito por Giselle Ulbrich

Por décadas, a bicicleta era vista no Brasil como objeto de lazer, esporte ou brinquedo. Mas já há algum tempo as pessoas voltaram a enxergá-la como modal de transporte. Não há estatística oficial, mas nos últimos três anos é visível o aumento de ciclistas no trânsito de Curitiba.

Há cinco anos, a massoterapeuta Silvana Batista, 43 anos, usa a bicicleta para tudo na vida. Ela mora no Boqueirão e trabalha no Centro Cívico. “Nem sei qual é a distância, mas geralmente faço o percurso em 30 minutos. De carro acho que daria o mesmo tempo ou mais, dependendo do trânsito”, analisa. A massoterapeuta não larga da bicicleta nem em dias de chuva. Na mochila, leva capa, lanche, água e uma roupa extra. Aos domingos, a bicicleta vira lazer: ela e o marido (que também se locomove em duas rodas para tudo) vão a parques. “Meus filhos me chamam de mãe louca. Dizem que não sou uma mãe comum, daquelas que ficam em casa fazendo tricô, crochê ou cozinhando”, ri.

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Douglas leva 15 minutos para ir ao trabalho de bicicleta.

Para Silvana, as maiores dificuldades na bicicleta são os trechos compartilhados com carros e ônibus. O ponto mais crítico do trajeto é próximo ao Carrefour, na Avenida Marechal Floriano Peixoto, onde não há nenhuma infraestrutura cicloviária e é preciso se arriscar na canaleta, concorrendo com ônibus, ciclistas e skatistas, entre outros. “É tenso. A gente fica olhando para todos os lados. Não é que nem aqui na ciclofaixa, que eu relaxo e vou embora”, compara a massoterapeuta, que optou pela bicicleta pela convicção de que o modal é o melhor para a cidade, por desengarrafar o trânsito e deixar o meio ambiente mais limpo. “Gosto disso, de mais vida”, resume.

Economia

Já o assessor de gerência Douglas Barbosa, 28 anos, optou pela bicicleta após analisar que o gasto anual com combustível era alto. “Sempre gostei de bicicleta. Minha mãe conta que, ainda bem pequeno, ela colocava a mamadeira na ponta da mesa, eu saía da cama, pegava e ia tomar andando na bicicleta”, conta. Ele gasta 15 minutos de casa, no Batel, até perto da PUCPR, no Prado Velho – mesmo tempo que gastaria de carro.

50 anos na bike

Foto: Antônio More
Júlio começou a andar de bicicleta para pagar o seu casamento. Foto: Antônio More

Na malha cicloviária da capital paranaense é possível encontrar pessoas de todas as idades usando bicicleta. O aposentado Júlio Carboneira, 75 anos, anda de bicicleta há 50 anos – 40 deles em Curitiba. Ele veio de Taguaí (SP) e conta que tudo começou porque queria casar. “O combustível era muito caro. Não dava pra andar muito de carro. Então comecei a usar a bicicleta para economizar para o casamento”.

Júlio se acostumou tanto com o modal, que hoje resolve tudo sobre duas rodas, não importa a distância. Roda pelo Boqueirão e Xaxim de bicicleta. Só tira o automóvel da garagem quando precisa levar a esposa a algum lugar. Já teve três bicicletas roubadas e a que usa hoje foi comprada em 1985. Em cima de duas rodas, viu o crescimento do trânsito da capital e nota que, com mais carros, ficou muito difícil andar. “Melhorou bastante com estas vias específicas para as bicicletas, mas ainda é difícil”.

Foto: Antônio More.
Damião mora no Boqueirão e vai ao trabalho, que fica no Centro, de bicicleta. Foto: Antônio More.

Outro adepto da bike é o garçom Damião Souza, 19. Em São Luís (MA), de onde veio, não existe malha cicloviária. “Em Curitiba existe e é muito mais fácil andar de bicicleta aqui. Mas há trechos em que não há espaço exclusivo e qualquer distração pode ser fatal”, observa. No primeiro dia, ele não percebeu que a ciclofaixa da Avenida Marechal Floriano Peixoto mudava de um lado a outro da rua e quase foi atingido por um carro. Ele pedala 25 quilômetros por dia, da casa no Boqueirão ao trabalho no Centro.

Damião pretende comprar logo uma moto. Mas acha que não conseguirá deixar a bicicleta, pois se acostumou bastante com o modal nesse um ano de uso. Antes, usava ônibus. Sentia muito cansaço e dor nas pernas. Agora, está muito mais disposto e sem dores.

Mais ciclistas, mais mortes

Foto: Arquivo Tribuna
25% das mortes está relacionado a má infraestrutura. Foto: Arquivo Tribuna

As mortes de ciclistas preocupam a Secretaria Municipal de Trânsito (Setran), pois saltaram 72,7% de 2014 para 2015 (de 11 para 19). A maioria morreu em colisões com automóveis. “Nós convidamos as pessoas a utilizarem mais a bicicleta nos seus deslocamentos. As pessoas aderiram ao convite e começamos a ver mais ciclistas nas ruas. Em contrapartida, os óbitos aumentaram”, lamenta a secretária de Trânsito, Luiza Simonelli, que trabalha em projetos que melhorem a mobilidade do ciclista e separem as bicicletas de outros veículos, em algumas vias. Exemplos destas melhorias são a Via Calma, as ciclofaixas, ciclorrotas e ciclovias (veja infográfico).

Entre os motivos que causaram a morte de ciclistas na capital, a infraestrutura ruim para bicicletas foi a maior delas: 25% dos casos. Os principais problemas foram: engenharia que induz ao erro, má conservação da via e falta de acostamento. Por causa desta constatação, do comitê do projeto Vida no Trânsito, dos R$ 22 milhões investidos pela Setran em 2015, 40% foram destinados à engenharia.

O que é cada coisa?

Ciclofaixa
Espaços parcialmente segregados do tráfego de motorizados e pedestres (pintado de vermelho e separado por tachões). São vias exclusivas para uso das bicicletas.

Via Calma
Espaço compartilhado entre motorizados e bicicletas, onde a prioridade é do ciclista. A velocidade máxima dos motorizados é 30 Km/h.

Bicicaixa
Área destinada à parada de bicicletas enquanto o semáforo está vermelho para os veículos, localizada entre a faixa de pedestres e os motorizados. Ela é feita para que os ciclistas arranquem antes dos carros, como forma de serem vistos. Assim, evita-se que carro que queiram fazer uma conversão e precisem passar por cima da ciclofaixa atinjam um ciclista.

Ciclorrotas
Vias secundárias de trânsito menos intenso (sinalizadas por um grande círculo azul no asfalto), onde motorizados e bicicletas andam juntos. Velocidade é de 30 km/h para os veículos e a prioridade é do ciclista, que deve andar pelo canto da rua.

Passeio compartilhado
Espaço na calçada onde ciclistas e pedestres compartilham a mesma área de circulação. Ciclista deve pedalar atento ao pedestre e em velocidade segura para ele e os pedestres.

Passeios de pedestres
Calçadas destinadas aos pedestres e pessoas com deficiência. Bicicleta é proibida, a não ser para acesso às garagens.

Vias de tráfego geral
Onde não há identificação de área para uso de bicicleta, por lei, ciclista deve andar no canto da via (não rente ao meio-fio) ou no acostamento, no sentido do trânsito. Não pode andar na contramão.

Empresas têm mais sucesso que prefeitura

Foto: Antônio More
Silvana usa bicicleta para tudo na sua vida. Foto: Antônio More

O poder de influência de uma empresa sobre seus funcionários, em campanhas educativas, é maior do que o de uma prefeitura sobre seus cidadãos. Por isso, Luís Cláudio Patrício, coordenador de projetos da Cicloiguaçu e mestrando em gestão urbana pela PUCPR, defende que as empresas poderiam incentivar mais seus funcionários a usarem a bicicleta como modal de transporte.

Em sua dissertação sobre “Mobilidade Corporativa”, Luís diz que todas as cidades que começam a incentivar o uso da bicicleta começam mexendo na infraestrutura. E segundo o cicloativista, Curitiba ainda tem pouca infraestrutura cicloviária. Mas não é só isso que incentiva as pessoas a saírem de casa sobre duas rodas. São necessárias campanhas que incentivem a mudança de hábito. Curitiba, diz Luís, é a cidade mais motorizada do País, motivo pelo qual os curitibanos ainda resistam a trocar o carro pela bike. “No dia 13 de maio é o Dia Nacional da Bicicleta ao Trabalho. Curitiba não fez nada em relação a isso. Nas empresas e nas escolas, a bicicleta ainda é um deslocamento incomum. Pessoas associam o modal com pobreza ou brincadeira”, critica.

Na visão dele, há vários tipos de pequenas medidas que custam pouco para as empresas, mas que podem se reverter em enormes ganhos financeiros, de produtividade e saúde, como abono de horário para quem usa a bicicleta, reconhecimento dos funcionários que vêm de bicicleta, estrutura para que a pessoa possa usar o modal (bicicletário, vestiário, espaço para manutenção, etc.).

Gestão

Em alguns países da Europa, empresas que possuem mais de 100 empregados são obrigadas a ter um gerente de mobilidade corporativa, com planos e metas de redução do uso do carro. Em Curitiba, a estimativa é que 8 a 10% dos deslocamentos urbanos sejam feitos de bicicleta, enquanto em Copenhagen, na Dinamarca, esse índice passa de 30%. Nem a neve impede a população de usar o modal. “Mobilidade sustentável é aquela em que você pode escolher o seu modal por opção”, analisa Luís.

Estudar trânsito só com 18 anos

Foto: Antônio More
Em Curitiba, a estimativa é que 8 a 10% dos deslocamentos urbanos sejam feitos de bicicleta. Foto: Antônio More

No Brasil, as pessoas só costumam estudar sobre trânsito quando estão prestes a tirar a carteira. Não há a tradição de já se falar do assunto ainda na escola, com as crianças. Muitos ciclistas também acham que é só pegar a bicicleta e sair pedalando, sem saber que existe uma legislação de trânsito aplicada à bicicleta e que o ciclista tem direitos e deveres. Assim pensa José Carlos Assunção Belotto, coordenador do programa Ciclovida, da UFPR, e presidente da Federação Paranaense de Ciclismo.

Ele acredita que, se desde a infância as pessoas começassem a estudar o assunto, o trânsito seria muito mais seguro. Não é só o motorista que tem que aprender a se comportar. Um modal influencia no outro e, assim, todos precisam aprender a se portar no trânsito.

De 2002 para cá, diz José Carlos, muito da mobilidade melhorou na capital. Mas, ainda está longe do ideal, principalmente quando se compara Curitiba com outras cidades com alto uso da bicicleta. “A convivência com o motorista melhorou e eles passaram a perceber mais a bicicleta. Mas ainda é difícil andar em Curitiba”, analisa. José Carlos reconhece que a bicicleta não é para todos, pois há pessoas que, por motivos diversos, não conseguem encaixar o modal no seu deslocamento diário. Mas há uma parcela muito grande de pessoas que poderiam usar a bicicleta, mas não querem deixar o conforto do carro.

Para tentar convencer as pessoas a usarem a bicicleta, o projeto Ciclovida elaborou um simulador, que calcula quantas calorias a pessoa perde, quantos quilos de gases poluentes deixam de ser emitidos na atmosfera e quando economizará de dinheiro (combustível, manutenção do carro ou passagem de ônibus). Veja no Ciclovida e clique em Simulador.

VOCÊ SABIA?

Segundo o artigo 58 do Código de Trânsito:
– Bicicletas têm preferência no trânsito sobre outros veículos
– Quando não há ciclovia, ciclofaixa ou acostamento, é obrigatório ao ciclista andar no canto da pista (não rente ao meio-fio) e no sentido do trânsito
– O ciclista só pode andar no sentido contrário ao trânsito se houver ciclofaixa

É obrigatório:
– Elementos refletivos (branco na frente e vermelho atrás)
– Espelho retrovisor, que permite uma visão mais rápida e precisa, sem girar a cabeça
– Campainha, para alertar os demais usuários do trânsito

Recomendável:
– Luzes, branca na frente e vermelha intermitente atrás. Elas devem ser vistas a 100 metros de distância. Prefira o LED, mais potente e duradouro
– Capacete
– bem ajustado à cabeça, para evitar que escape da cabeça numa queda

Segurança:
– Mantenha distância dos veículos em movimento e estacionados
– Cuide para a roda dianteira não atingir obstáculos (buracos, poças de água, etc.). Você pode capotar!
– Fique atento a tudo ao seu redor. Não use fones de ouvidos ou fale ao celular
– Se quer respeito, respeite você também semáforos e sinalização
– Use roupas adequadas, principalmente claras e com reflexivos, para ser visto principalmente à noite
– Evite ficar em pontos cegos (entre carros, ônibus e caminhões)
– Nos semáforos, posicione-se na frente dos carros. Assim, será impossível não ser visto
– Não pare na faixa de pedestre e espere o sinal verde. Use a bici caixa quando houver
– Planeje sua rota usando a infraestrutura cicloviária ou ruas de pouco trânsito
– Antes de sair, verifique pressão dos pneus, freios e altura do guidão e selim
– A calçada é dos pedestres. Se precisar andar por ela, levante da bicicleta e caminhe

Fontes: Código de Trânsito Brasileiro e Guia do Ciclista (acesse: Mais Bici)

Sobre o autor

Giselle Ulbrich

(41) 9683-9504