Curitiba

Empoderadas!

Escrito por Maria Luiza Piccoli

Empresárias provaram que lugar de muitas mulheres pode ser, sim, a construção civil.

Na cabeça, a charmosa bandana colorida prende o cabelo longo e ondulado num nozinho. Nas orelhas, brincos pequenos e discretos combinam com a correntinha no pescoço. Nos lábios, um leve batom rosado. E o look? Um macacão paramentado com enormes bolsos tipo saco, que faria conceito em qualquer passarela de alta costura. Até aí, tudo ok no script feminino, não fosse a enorme furadeira debaixo do braço. No lugar do salto alto, tênis confortáveis e em vez da bolsa de fivelas, maleta de ferramentas. Devidamente equipada, Guta Brandt, 30, segue para mais um dia de trabalho ao lado da amiga Melany Sue, 36. Há dois anos, as empresárias trocaram o ar condicionado dos escritórios pelos andaimes dos canteiros de obras. Pioneira no mercado, a empresa “Mari Donas”, fundada pelas curitibanas, traz um conceito diferente do que estamos acostumados a ver quando o assunto é construção civil.

Quem nunca levou um susto ao estourar um curto circuito? Ou não se desesperou diante de um vazamento? Quem nunca se estressou com uma torneira pinga-pinga ou preferiu deixar a porta sem trinco por não saber como recolocar? Foi assim. Com reparos pequenos que Guta e Melany começaram a se interessar pelo universo da construção. Profissionais das áreas de comunicação e marketing, a ideia de negócio lhes veio em 2015, depois de presenciarem a trágica reforma do apartamento de uma amiga. “A gente almoçava juntas todos os dias e ela compartilhava com a gente o drama que vivia como empreiteiro. Além de destruir o apartamento dela, ele atrasava o serviço, faltava, cobrava mais caro. Falamos, brincando, que poderíamos nós mesmas tocar a obra. E assim surgiu a ideia”, revela Guta.

Cada vez mais clientes estão trocando a enrolação de alguns pedreiros pelo bom serviço das Mari Donas. Foto: Felipe Rosa.
Cada vez mais clientes estão trocando a enrolação de alguns pedreiros pelo bom serviço das Mari Donas. Foto: Felipe Rosa.

Dados levantados pela Fundação Sistema Estadual de Análise de Dados (Seade), de São Paulo, apontam que em 2008, vinte e duas mil brasileiras trabalhavam registradas como pedreiras no Brasil. Em 2016, o número saltou para 30.000, porém, contando com o número de trabalhadoras informais, estima-se que mais de 200 mil mulheres, hoje, exerçam cargos diversos em canteiros de obras espelhados pelo país. Mesmo com a crescente presença feminina no segmento, o começo foi difícil para as duas que, para fugir da informalidade, buscaram especialização o que tomou tempo e investimento.

Preconceito

“Não queríamos fazer bico. Queríamos levar a coisa a sério. Por isso fizemos curso atrás de curso e aprendemos tudo que podíamos nas áreas elétrica, hidráulica, drywall e de azulejista”, lembra. Únicas alunas da turma, as amigas não foram bem recebidas pelos colegas. “Éramos vistas com certo preconceito e nos tratavam como se não fôssemos capazes de realizar os trabalhos. Até com as roupas tínhamos que cuidar porque as olhadas e piadinhas eram bem desagradáveis”, desabafa. Depois de todo o investimento nos cursos e na compra de equipamentos veio a recompensa.

Em fevereiro do ano passado, a Mari Donas abriu as portas e já começou com o pé direito, superando as expectativas das próprias empresárias. “A aceitação foi imediata. Começou com algumas obras na casa de amigos e logo estávamos com as agendas cheias”, recorda.

Guta e Melany trocaram o ar condicionado dos escritórios pelos andaimes dos canteiros de obras. Foto: Felipe Rosa.
Guta e Melany trocaram o ar condicionado dos escritórios pelos andaimes dos canteiros de obras. Foto: Felipe Rosa.

De primeira!

Engana-se quem pensa que o serviço é procurado só por mulheres que moram sozinhas, atrás do bom e velho “marido de aluguel”. Pais com filhos pequenos, homens cansados do stress com empreiteiros e o público LGBT fazem parte do leque de clientes da marca. Entre as principais vantagens do serviço, segundo os próprios clientes, estão a segurança e a garantia de um trabalho bem feito. É o que afirma a publicitária, Kelen Azuma, 34, que contratou a “Mari Donas” para reformar um dos banheiros do seu apartamento, no Centro. “O maior diferencial foi a confiança e a qualidade do serviço. Eu deixava as chaves na portaria sem a menor preocupação pois sabia que com elas não tinha o que temer. Elas foram responsáveis, detalhistas e cumpriram o prazo. É bom ver que num meio dominado pelos homens, o sexo feminino oferece um serviço de qualidade igual ou superior. É preciso que a mentalidade do mercado evolua nesse sentido”, afirma.

Com bons feedbacks e o crescente boca-a-boca, a Mari Donas é a prova de que o lugar de muitas mulheres pode ser, sim, a construção civil. “Ficamos gratas com esse retorno, mas reconhecemos que só chegamos até aqui porque tivemos a oportunidade. Pagamos pelo estudo, investimos no material. Somos brancas de classe média e encontramos nesse nicho uma oportunidade de negócio. É triste, no entanto, ver que centenas de mulheres que dependem desse serviço e exercem a mesma função que a gente, são subjugadas e tratadas com preconceito pelos profissionais do setor”, desabafa.

Abra o olho!

Nos patamares anônimos, Maria de Oliveira, também conhecida como “Baiana”, conhece bem essa triste realidade. A servente de limpeza, é também responsável pela Secretaria de Informação do Sindicato do Trabalhadores nas Indústria da Construção Civil de Curitiba (Sintracon). Ela endossa a afirmação de Guta. “Não nos dão oportunidade por puro preconceito. É preciso que os contratantes abram os olhos e enxerguem que as mulheres têm enorme capacidade de alcançar cargos grandes no setor, como carpinteiras ou mestres de obras, por exemplo. Somos diligentes, responsáveis e caprichosas, mas infelizmente nos colocam em posições inferiores como serventes de limpeza, por exemplo. Tudo por preconceito”, diz.

Felizmente nem todos os engenheiros e empreiteiros pensam da mesma forma. É o caso do engenheiro civil, Peter Heinrichs Júnior, que atua no setor há 20 anos. Ele admite que, aos poucos, o papel da mulher no ramo começa a ser reconhecido. “Se por um lado alguns funcionários não aceitam receber ordens das mulheres, por outro, muitos respeitam principalmente com o linguajar, o que torna o meio de trabalho mais ético. Além disso, quando tem mulheres trabalhando na obra, observo que o serviço tende a ser mais limpo e organizado. Nos quesitos capricho, cuidado e educação com clientes e colegas, elas saem ganhando”, ressalta.

Com o objetivo não apenas de ensinar outras mulheres mas também de dar-lhes autonomia quando o assunto são pequenos reparos domésticos, a Mari Donas vai promover um curso especial para o público feminino este mês. Dividido em dois módulos o workshop dura um dia e as unidades abordarão noções em elétrica e hidráulica, com atividades práticas como instalação de torneiras e fiações. Para se inscrever, basta acessar o site de cursos da “Mari Donas”. O valor da inscrição é de R$150 por módulo, ou R$250 pelos dois. Aos que optarem pelas duas unidades (elétrica e hidráulica), as empresárias reservam um brinde: uma caixinha de ferramentas especial.

 

Sobre o autor

Maria Luiza Piccoli

(41) 9683-9504