Curitiba

Sem glúten

Escrito por Giselle Ulbrich

Dois milhões de brasileiros têm a Doença Celíaca, a intolerância ao glúten, mas nem sabem

A Luiza Leal tem 9 anos. Mas foi no ano passado que ela comeu, pela primeira vez na vida, um pão francês e foi a uma pizzaria. Ela ficou tão alegre que a mãe, a fotógrafa Evary Leal, quase chorou de emoção. “Nossa mãe, nunca imaginei que eu ia comer pizza fora de casa”, disse a menina nesse dia. A garota tem a Doença Celíaca, que é uma intolerância do organismo ao glúten. Por isto, ela não ainda não tinha experimentado coisas que são normais ao dia a dia das outras pessoas. Ontem, dia 16 de maio, foi comemorado o Dia Internacional do Celíaco.

Pessoas celíacas não podem comer nada à base de trigo, aveia, centeio e cevada. Por isto, desde um pouco antes dos dois anos, quando sua mãe descobriu a doença, Luiza não comia pães, biscoitos, macarrão, pizza, ou qualquer outro produto feito com estes cereais. Bastava Luiza comer alguma coisa com glúten, que em uma hora ela começava a sentir muitas dores na barriga e a vomitar.

Sem contar a contaminação cruzada, ou seja, produtos que não são feitos com glúten, mas foram preparados em recipientes em que foram preparados alimentos com glúten antes. Mesmo sendo muito bem lavado, traços do glúten continuam ali e são suficientes para causar a alergia nos celíacos, que precisam ter uma cozinha inteira separada (até mesmo esponja e panos de prato).

Luiza tinha diarreia recorrente. Quando ela tinha um ano e meio, tinha um inchaço muito grande na barriga e os membros do corpo muito magros, sinais de uma criança desnutrida. Evary começou a digitar os sintomas da filha na internet, até que chegou no blog de uma mãe, que mostrava a foto de sua filha. “Era igual ao jeito que minha filha estava”, disse Evary, que correu para a pediatra, que até então estava tratando a criança com antibióticos, como se fosse infecção intestinal. A pediatra solicitou o exame de sangue que verifica a quantidade de transglutaminase no sangue (e o de Luiza deu muito alterado, confirmando a suspeita).

Com o resultado, Evary levou Luiza ao gastro, que confirmou o diagnóstico do exame de sangue solicitando uma biópsia do duodeno. Estes são os dois exames necessários para se fechar o diagnóstico de Doença Celíaca. Bastou Luiza excluir o glúten da dieta que melhorou do problema, que é genético. O avô paterno de Luiza teve úlcera de duodeno e o avô materno tem alergia à cerveja. “O diagnóstico foi um susto, mas fiquei aliviada por saber que a única coisa que precisaria fazer é dieta e não seria necessário nenhum medicamento de uso contínuo”, disse a mãe.

Em busca dos produtos sem glúten

A pequena Luiza sofria com dores e vômitos. Depois que teve a alimentação adaptada, passou a viver bem melhor. Foto: Evary Leal/Colaboração
A pequena Luiza sofria com dores e vômitos. Depois que teve a alimentação adaptada, passou a viver bem melhor. Foto: Evary Leal/Colaboração

Evary Leal conta que, no começo, a adaptação à dieta sem glúten foi bem difícil. Ela tem outros dois filhos e a família toda teve que entrar no “regime”. Até acertar no cardápio, se bateu bastante. Mas quando ela acertou, até seus outros filhos entraram “na dança” e o irmão mais velho de Luiza aprendeu a fazer cookies sem glúten pra ela.

Mas tão difícil quanto cozinhar era fazer a compra de mercado. “Às vezes eu demorava três horas fazendo compras, porque tinha que ler todos os rótulos. E mesmo os produtos sem glúten poderiam ser problema, pois poderiam ter sido empacotados na mesma empacotadeira que manipulou produtos com glúten antes. Mesmo sendo higienizada, ficam os traços do glúten na máquina.

É a tal contaminação cruzada. Para quem tem grau severo da doença, é o suficiente para passar muito mal. Até então, a lei permitia uma tolerância de glúten nos alimentos. Mas ano passado, com a mudança da lei da rotulagem, as indústrias são obrigadas a descrever nos rótulos todo e qualquer traço de glúten, além de outros alimentos causadores de alergias alimentares”, explicou Evary.

A fotógrafa explica que, há 10 anos, era muito difícil fazer uma compra de mercado. Hoje os rótulos estão mais bem detalhados, o que facilitou bastante. Porém o preço dos produtos sem glúten são muito altos. “Um pão de forma sem glúten custa R$ 15. Já uma bolacha recheada (com três bolachinhas somente dentro do pacote) custa R$ 10. Mas graças a Deus a Luiza aceitou bem a dieta, pois como ela não gosta de passar mal, aceita bem não comer certos alimentos.

No início da fase escolar ela reclamava um pouco, dizia que não queria ter esse problema, pois sempre que tinha festinha, ela tinha que levar a marmita dela. Mas depois se acostumou. Hoje ela tem uma coleguinha de turma que é celíaca também. E muitas pessoas são solícitas, algumas mães me ligam para saber como atender melhor a Luiza nas festinhas, nos encontro com os amigos”, diz a mãe.

O que é a doença celíaca?

O organismo da pessoa celíaca não possui uma enzima capaz de “quebrar” o glúten, que é uma proteína encontrada no trigo, aveia, cevada (e no seu subproduto que é o malte) e centeio. Sendo assim, o sistema imunológico da pessoa reage ao acúmulo do glúten no corpo e ataca a mucosa do intestino delgado. Esta parte do intestino possui uma superfície bem irregular, cheia de vilosidades, que ajudam na absorção dos nutrientes dos alimentos ingeridos. Mas, por causa desta reação alérgica, a parede do intestino dos celíacos fica “lisa” e absorve menos nutrientes, o que deixa a pessoa desnutrida e acarreta outros problemas de saúde.

A doença, de origem genética (quando há celíacos da família, principalmente os parentes de primeiro grau), dá os primeiros sinais entre o primeiro e o terceiro ano de vida de uma criança, período em que muitos cereais são introduzidos na dieta dos pequenos. Mas há casos em que o diagnóstico só acontece na vida adulta, quando a pessoa já apresenta carências nutricionais graves, pois não tem os sintomas clássicos dos celíacos (diarreia crônica por mais de 30 dias, dor de barriga, barriga inchada, humor alterado – irritabilidade ou apatia-, perda de apetite, desnutrição, anemia, vômitos, emagrecimento ou pouco ganho de peso, atraso no crescimento).

A doença não tem cura e só pode ser tratada com alimentação. A partir do momento que o organismo não tem contato com o glúten, o intestino começa a refazer suas vilosidades e o paciente volta a ganhar peso e absorver nutrientes normalmente. E se consumir glúten, o problema acontece de novo.

Desafio diário

“É preciso ter uma abordagem mais saudável da alimentação”, diz Luiza. Foto: Felipe Rosa
“É preciso ter uma abordagem mais saudável da alimentação”, diz Luiza. Foto: Felipe Rosa

Happy hour com os colegas de trabalho, reuniões familiares, festinhas dos amigos de escola. Isto pode ser um problema para o portador de Doença Celíaca. Mas, a vida tem ficado mais fácil para este grupo de pessoas, pois já existem vários estabelecimentos em Curitiba com produtos totalmente sem glúten, ou seja, livres inclusive da contaminação cruzada.

“A gente acaba ficando mais esperto com isso. Os restaurantes colocam farinha de trigo no feijão para engrossar o caldo ou no hambúrguer para dar liga. Ou as coisas fritas foram colocadas no mesmo óleo que fritou alimentos empanados, por exemplo, que usam farinha de trigo”, diz a jornalista Luiza Lafuente, que descobriu a doença celíaca há seis anos. “Mas fiquei feliz porque fui num happy hour com amigos esses dias e tinha duas opções de cerveja sem glúten. Em Curitiba já tem restaurante, pizzaria e confeitaria com alimentos sem glúten. Há seis anos eu só tinha a opção de comer pão sem glúten, vendido em lojas especializadas, e que custavam o olho da cara”, comemora ela.

As festas de família também eram difíceis para Luiza. Apesar dela não sofrer com a contaminação cruzada, pois a doença é mais branda em seu corpo, ela já ouviu coisas desagradáveis como “Ah, é frescura”, ou “É modinha né? Você não come porque está querendo emagrecer”. “As pessoas não entendem e falam pra comer só um pouquinho, que não faz mal”, lamenta ela.

No começo, Luiza até tentava comer um pouquinho. Mas logo vinha a enxaqueca, a dor de barriga ou o inchaço, conforme o alimento que comia. “Então eu me conformei. Melhor cortar mesmo, fazer uma dieta controlada, do que passar mal”, diz ela, que acabou melhorando de outros problemas de saúde que vinha apresentando.

Luiza desconfiou que era celíaca durante a conversa com uma amiga, que também tem a doença e disse que os sintomas que Luiza descrevia eram muito parecidos com os dela. Então a jornalista procurou uma nutricionista, que montou um cardápio sem glúten de duas semanas. “No final deste tempo, eu não emagreci. Mas parei de passar mal e minha barriga diminuiu 15 centímetros. Desinchei num tempo muito rápido”, relata Luiza, que com o tratamento alimentar, também melhorou de uma alergia de pele e a fraqueza do cabelo que tinha, tudo porque seu intestino não conseguia absorver direito os nutrientes dos alimentos que ela comia.

“Aprendi não somente a substituir coisas, mas a ter uma abordagem mais saudável da alimentação. As pessoas são muito bitoladas que tem que comer pão no café, macarrão no almoço e pizza na janta. Nossa alimentação está muito baseada nisto. Mas aí você olha pro lado, vê que tem outras opções e abre um leque enorme. Mas tem que ter a cabeça aberta para estas mudanças. Dá trabalho no começo, mas depois a gente se adapta”, incentiva ela.

Bom negócio

A indústria alimentícia e os restaurantes perceberam que a doença celíaca é um bom negócio. Em Curitiba já existem restaurantes, indicados por associados da Associação dos Celíacos do Brasil – Paraná (Acelpar), que possuem pratos sem glúten. E os supermercados também são obrigados, por lei, a possuir uma prateleira identificada com produtos sem glúten, outra para alimentos sem lactose e outra para os dietéticos, para que pessoas que possuem problemas com estes alimentos possam identifica-los mais facilmente, sem se bater o mercado inteiro atrás destes produtos.

É uma vitória e alegria para quem possui alergias alimentares, como os celíacos. Mas também uma tristeza na hora de abrir a carteira, pois o preço destes alimentos, nos supermercados e nos restaurantes, são mais caros que as comidas “normais”.

Uma pizza calabresa grande, com 8 pedaços, por exemplo, custa nas pizzarias comuns de R$ 35 a R$ 40. O prato, num restaurante sem glúten, pode ficar em torno dos R$ 50. Já uma pizza de um sabor especial, que custa entre R$ 40 e R$ 50 nas pizzarias comuns, pode chegar a quase R$ 70 na opção sem glúten.

No mercado, o cálculo é bem mais salgado. A Tribuna do Paraná esteve em um supermercado do bairro Tarumã e constatou que os produtos sem glúten chegam a ser entre 45% a 1.246% mais caros. O produto que teve a menor diferença foi o macarrão, no formato penne. Um pacote de 500 gramas comum estava R$ 3,21 e o feito com farinha de arroz custava R$ 4,79.

Uma diferença de 45%. Já o produto sem glúten mais caro, considerando o preço por quilo, foi a bolacha wafer. Um pacote comum, que possui cerca de 120 gramas (os pesos vão de 100 a 145 gramas, dependendo da marca), custa, em média, R$ 13,21 o quilo. Já o produto especializado chega a 177,80 o quilo, ou seja, uma diferença de 1.246%.

Nada de lactose

 

Sobre o autor

Giselle Ulbrich

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