Curitiba

Cada ideia…

Alguns projetos de lei “curiosos” estão sendo discutidos na Câmara Municipal de Curitiba, como tornar todos os assentos de ônibus preferenciais, multar quem “cantar” as mulheres nas ruas ou quem usar narguilé em locais públicos. O papel do vereador é criar leis e fiscalizar o trabalho do prefeito. Para isso, cada um recebe um salário líquido de R$ 11.486,04, uma verba de R$ 51.533,76 por gabinete, que permite nomear de um a sete assessores, além de ter à sua disposição um veículo com cota de 200 litros de combustível por mês.

Sidney: Medelin: são projetos que não vêm ao encontro com o que a população precisa
Sidney: Medelin: são projetos que não vêm ao encontro com o que a população precisa

Mas será que essas propostas têm relevância ao município? Para o cientista político Ricardo Costa Oliveira, da UFPR, esses projetos não se relacionam com o trabalho dos vereadores. “Toda legislatura tem uma série de projetos folclóricos, fora da alçada deles”. Segundo ele, é preciso ver a necessidade desses projetos e se tem como fiscalizar. “Temos graves problemas de saúde, transporte, pobreza urbana, e os vereadores tem que engajar nos problemas sociais mais relevantes”.

Questionados sobre a importância desses projetos, alguns vereadores rebatem. “Eu não deixo de fiscalizar o prefeito em todos os sentidos, e não é por isso que não podemos propor outros assuntos”, afirma o vereador Tico Kuzma (Pros). Fabiane Rosa diz que a preocupação deve ser com o bem comum. “Estamos aqui para tudo isso, uma causa não exclui a outra, não exclui meu trabalho na fiscalização do poder público”.

“Fiu-fiu”

Medelin: Acho que não vai dar certo, ninguém para, não adianta
Medelin: Acho que não vai dar certo, ninguém para, não adianta

Um dos projetos de lei mais “curiosos” em tramitação na Câmara de Curitiba é o que multa quem for flagrado passando uma cantada. A iniciativa da vereadora Maria Letícia Fagundes (PV) prevê multa de R$ 280 e a obrigação a frequentar programas de reeducação. De acordo com o projeto, o infrator, seja homem ou mulher, seria identificado pela Guarda Municipal, inclusive com a utilização de filmagens de segurança. “Acho que não vai dar certo, ninguém para, não adianta”, afirma Medelin Cristina Almeida Santos. “Tem tanta coisa para ser feita na cidade e são projetos que não vêm ao encontro com o que a população precisa”, afirma o diretor sindical Sidney Antônio da Silva, 49. A matéria aguarda instrução da procuradoria jurídica.

Maria Letícia, que havia informado à Tribuna que só comentaria sua proposta de multar autores de “cantadas” nas vias públicas após o trâmite da matéria nas comissões da Casa, enviou uma nota à redação após a publicação da matéria. Ela defendeu o projeto, dizendo que trata-se de “um assunto delicado que envolve saúde e segurança pública, baseado em fatos e estatísticas de mais de 20 anos de atuação no IML-PR. Crimes como assédios em vias públicas precedem os casos de estupro, já comprovados nas estatísticas do IML-PR”.

Maria Letícia faz menção “à luta histórica em defesa das mulheres contra a violência”. “Meu papel como vereadora é trazer à baila este assunto extremamente incômodo e carregado de tabus e culturas machistas enraizadas ao longo do tempo. A proposta foi feita justamente para expor o tema que está escancarando pensamentos e posições viscerais, que por si só justificam
a discussão do tema”, assegurou. Sobre a atuação parlamentar, destacou que “não foi o salário de vereadora o motivo que me trouxe à Câmara Municipal de Curitiba”. “Protocolei diversas proposições e projetos de lei – todos fundamentados em dados oficiais e demandas sociais”, rebateu.

Todos os bancos preferenciais

Enquanto isso, já está pronto para votação o projeto de lei que torna todos os assentos dos ônibus preferenciais aos passageiros idosos, com deficiência, gestantes e pessoas com crianças de colo. Atualmente 30% dos lugares são reservados às pessoas com preferência. De autoria do vereador Helio Wirbiski (PPS), não é considerado a melhor saída aos usuários do transporte público.

Maria: Acho que deveria ser meio a meio, todos não. Tem que pensar o lado do trabalhador
Maria: Acho que deveria ser meio a meio, todos não. Tem que pensar o lado do trabalhador

“Acho que deveria ser meio a meio, todos não. Tem que pensar o lado do trabalhador, muitos trabalham o dia inteiro 12 horas e não veem a hora de sentar”, opina a desempregada Maria Cristina Leal, 54. Para Sidney, a ideia é exagerada. “Todos não necessitaria, talvez 60 ou 70%”.

Wirbiski afirma que o projeto pretende chamar a atenção da população. “É uma campanha pela boa educação porque muitos jovens são mal educados e não respeitam. Os lugares não serão demarcados, as pessoas com preferência poderiam sentar em qualquer lugar”. Segundo ele, o projeto não prevê multa porque a sanção seria chamar a atenção da pessoa dentro do coletivo. “Me revoltei com isso e acho que tem que ser discutido”.

Proibição do narguilé em locais públicos

Para justificar seu projeto que proíbe o uso de narguilé em locais públicos abertos ou fechados, além da venda de cachimbos, essências e complementos para sua utilização aos menores de 18 anos, o vereador Dr. Wolmir Aguiar (PSC), alega que a substância é mais prejudicial que o cigarro. “Temos estudos e estatísticas do mau que o narguilé faz. E temos vários casos no setor de queimados do Hospital Evangélico, inclusive de menores, por causa disso”. O estudante Ivo Augusto Rodrigues, 18, não concorda com a proibição. “Não é certo porque o cigarro contém nicotina e a quantidade de nicotina no narguilé é muito menor. Os vereadores deviam cuidar de outras coisas”.

Ivo: Os vereadores deviam cuidar de outras coisas
Ivo: Os vereadores deviam cuidar de outras coisas

A proposta prevê que os estabelecimentos que comercializam os produtos serão obrigados a solicitar o documento de identidade que comprove a maioridade do comprador. Quem for flagrado fazendo o uso em locais públicos terá o aparelho de narguilé apreendido pelas autoridades competentes, e a devolução ficará sujeita ao pagamento integral de multa no valor de 25% do salário mínimo (R$ 234,25). Em caso de reincidência, a multa aumenta progressivamente. Sobre a fiscalização, o autor diz que cabe ao Executivo regulamentar. “Acho que é possível sim, desde que haja um planejamento. A fiscalização deverá ser feita pela Guarda Municipal em convênio com a Polícia Militar. Quando se tem boa vontade, dá certo”, opina. A proposta aguarda análise das comissões.

Multa pra uso de drogas nas ruas

Outra proposta polêmica, que ainda vai ser analisada por duas comissões da Câmara, é multar pessoas que forem flagradas consumindo drogas ilícitas em lugares públicos, como praças, parques, imediações das instituições de ensino e também nos locais de concentração de crianças, adolescentes, jovens, gestantes e idosos. O projeto de lei de iniciativa do vereador Tico Kuzma (Pros) prevê multa de R$ 100e participação em grupos de mútua ajuda ou curso educativo sobre prevenção de uso de drogas. “A ideia principal não é multar, e sim educar, fazer com que as crianças cresçam sabendo que usar droga é proibido”. Se o infrator for menor de idade, caberá aos pais pagar a multa e participar das reuniões juntamente com o infrator. O valor arrecadado com a multa será destinado ao Fundo Municipal de Prevenção às Drogas (Funpred).

Basta nos fogos de artifício!

A vereadora Fabiane Rosa (PSDC) quer proibir o uso de fogos de artifício com estampido, independente de sua classificação. “Causa problema a vários tipos de animais, como cães e aves; às pessoas autistas e ao meio ambiente, mais que a poluição”, diz. Um projeto similar foi protocolado em fevereiro pelo deputado federal Ricardo Izar (PP-SP) na Câmara Federal. Para a operadora de telemarketing Medelin Cristina Almeida Santos, 21, os fogos são prejudiciais. “Atrapalham os animais, tem animais que acabam morrendo do coração”.

Mas o presidente da Associação e Comércio de Fogos de Artifício do Paraná, Rodolpho Aymoré Junior, considera o projeto inconstitucional: “ele afronta as leias nacionais e estaduais que já existem, e que liberam a fabricação e comercialização”. Um abaixo-assinado com 1.250 assinaturas foi protocolado na Câmara Municipal. “Nós acreditamos que este projeto não seja aprovado, pois estão quebrando um direito nosso”, frisa Aymoré. A proposta original de Fabiane recebeu um substitutivo, que passará por instrução jurídica antes de tramitar pelos colegiados da Câmara.

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