Centro

Celular “pechincha”

Sem nota fiscal, carregador, caixa e muito menos garantia. É desta maneira que muitos aparelhos celulares sem procedência são vendidos diariamente pelas ruas do Centro de Curitiba. Quem movimenta o “mercado negro” da telefonia são homens que passam o dia em praças e vias de grande circulação de pessoas, oferecendo seus produtos. Dos bolsos e mochilas destes “vendedores”, que andam sempre em dupla ou grupos, saem aparelhos de diversas marcas e modelos, oferecidos para quem passa a preços convidativos, impossíveis de serem superados por qualquer promoção feita pelas lojas tradicionais.

Com uma câmera escondida, um produtor da Tribuna abordou um grupo que comercializa celulares na Praça Tiradentes, ao lado do ponto de embarque da Linha Turismo. Ao chegar perto deles, bastou perguntar quem tinha um celular barato para vender para que um homem oferecesse ao nosso jornalista um aparelho por R$ 80, vendido sem carregador, mas segundo ele já com “tudo desbloqueadinho”.

A compra não foi finalizada e nosso produtor despistou, dizendo que iria pesquisar um pouco mais antes de voltar para fechar negócio. Mas antes de ir, ele ainda recebeu dicas do vendedor. “Nunca fale em dinheiro, fale o que você quer comprar e peça para ver. E se pedirem R$ 150, fale que você dá R$ 100. Nunca fale o preço que você quer [pagar]. E você tem que pegar um “bagulho” que não te dê problema mais tarde. Ou [corre o risco de] pegar aparelho com problema, o que pode acontecer. Aqui é picaretagem, você não é bobo. Se não, você não vinha aqui”, disse o homem, que ainda recomendou que o produtor voltasse mais tarde, horário em que são vendidos os aparelhos “cabulosos”, aqueles mais caros e mais desejados.

Top por R$ 280

Em outro ponto da região central, na Rua Pedro Ivo, nas proximidades das praças Carlos Gomes e Rui Barbosa, outros homens também comercializam os telefones. Um deles, parado em frente à uma loja demostrava “sem cerimônia” um celular novinho, da Samsung. Pelo aparelho, que segundo o rapaz, custa R$ 700 nas lojas, o valor pedido foi de R$ 380. Preço que caiu para R$ 280, após uns minutos de conversa. E além do “desconto”, o vendedor ainda garantiu que o celular viria com carregador, caixinha e memória de 32 GB, “uma pechinha”. “Com este preço, deste você não compra em nenhuma loja”, disse.

Ainda no Centro, na esquina das ruas Voluntários da Pátria e Pedro Ivo, ao lado da Praça Rui Barbosa, ao ser abordado por nossa equipe de maneira anônima, outro vendedor deste mercado paralelo tirou vários modelos de sua mochila. Em suas mãos, aparelhos da LG, Samsung e Motorola, oferecidos ao preço médio de R$ 300. Questionado se ele teria um modelo específico, um celular top da LG, ele respondeu que não, mas que poderia conseguir. “Mais novos ou mais caros como esse eu não tenho, mas dá para encomendar”, confirmou.

Violência e armas

Atacado no entorno da Rua da Cidadania da Praça Rui Barbosa, o autônomo Rubens Viera, 51 anos, é mais uma das vítimas dos ladrões de celulares que agem no Centro. Ele conta que falava ao telefone quando teve o aparelho arrancado de suas mãos.

“Eu estava fazendo uma ligação, nisto passou um piá de bicicleta e puxou o celular. Mas por sorte, meus amigos, que estavam perto, me ouviram gritar e conseguiram pegar o celular de volta”, relata, acrescentando que mais três amigos tiveram os celulares levados no Centro e nunca foram recuperados.

Outras vítimas contam que os criminosos também agem com violência ou utilizam armas para ameaçar suas vítimas e roubar os aparelhos. Mas a situação parece não intimidar todas as pessoas. Para a vendedora Fernanda Masquio, 25, flagrada com seu celular nas mãos andando tranquilamente no calçadão da Rua XV, basta ter cuidado. “Às vezes ando com o celular na mão quando estou na rua, mas só nas mais sossegadas. Se não fica, na bolsa. Nunca fui roubada, mas sei que pode ser perigoso”, diz.

Alta procura

Foto: Arquivo/Tribuna.
Foto: Arquivo/Tribuna.

Comerciante na região da Praça Rui Barbosa, M*, que pediu para não ser identificado, conta que a grande maioria dos aparelhos vendidos informalmente pelas ruas do Centro foram furtados ou roubados. “É um comércio intenso, que só existe porque tem gente que compra. Isso acontece também porque os celulares Android são muito fáceis de serem desbloqueados, tem até vídeo no Youtube que ensina como fazer isto”. Mas segundo ele, a maioria dos proprietários de lojas regularizadas dificilmente se arrisca nesta prática. “Às vezes até aparece alguém, mas só pegamos aparelhos que têm nota fiscal”, afirma o lojista, que vende de celulares e acessórios.

De cinco lojas percorridas na região central, em quatro os comerciantes disseram que o desbloqueio do IMEI, o número único de identificação de cada aparelho, só é feito pelas operadoras de telefonia se a pessoa tiver a nota fiscal. Mas em uma delas, ouvimos que era possível desbloquear o IMEI e que este serviço, que seria feito por um amigo do comerciante, custaria cerca R$ 80.

Cadastro

Dados do Sindicato Nacional das Empresas de Telefonia e de Serviços Móvel Celular e Pessoal (SindiTeleBrasil) mostram que atualmente, em todo o País, há 8,3 milhões de aparelhos bloqueados por perda, roubo furto e extravio.

Sobre a fragilidade do sistema e os meios de desbloquear o IMEI, o SindiTeleBrasil esclarece que “com o objetivo de evitar o uso indevido de aparelhos celulares perdidos, roubados, furtados ou extraviados, as prestadoras criaram em 2000 um cadastro – o CEMI, Cadastro de Estações Móveis Impedidas – onde esses aparelhos são registrados e bloqueados a pedido do cliente”. E no início do ano, as prestadoras incluíram novas funcionalidades no sistema, permitindo a solicitação do bloqueio mesmo que o cliente não saiba o número do IMEI.

Conforme o sindicato, outra mudança integrou o sistema com órgãos de segurança pública (Polícia Federal e Polícias Civis Estaduais), o que permitirá o bloqueio do aparelho também a pedido da autoridade policial quando o usuário, vítima de um furto ou roubo, realizar o registro da ocorrência.

Segundo os representantes das operadoras, o combate ao mercado irregular de celulares deve passar por reforço na segurança dos aparelhos, para evitar que sejam adulterados ou tenham o seu IMEI modificado ou clonado. “Para o SindiTeleBrasil, os aparelhos não homologados devem ser retirados progressivamente do mercado, conforme propõe a Anatel, mas essa medida deve ser acompanhada de outras iniciativas essenciais de combate ao mercado irregular de celulares”.

Como bloquear?

Foto: Arquivo/Tribuna.
Foto: Arquivo/Tribuna.

Quem tem o celular furtado, roubado ou perdido pode fazer o bloqueio do IMEI ao entrar em contato com a operadora, solicitando o bloqueio da linha e do aparelho. Para isto é necessário informar dados pessoais e outras informações de segurança. Se o cliente souber, também pode informar o número de série do aparelho, o IMEI. Nestes casos, muitas operadoras recomendam bloquear o aparelho em todas as empresas, para evitar que volte a ser utilizado. Para descobrir o IMEI, basta digitar no teclado do aparelho *#06#. O número que aparecer é o IMEI, que deve ser anotado e guardado. Já para saber se um celular está bloqueado por extravio, furto ou roubo, basta acessar www.consultaaparelhoimpedido.com.br

Qual é a pena?

Segundo o delegado Matheus Laiola, da Delegacia de Furtos e Roubos (DFR), não há números sobre os furtos e roubos de celulares em Curitiba. Mas ele comenta que hoje os roubos de celulares têm basicamente duas finalidades: ou viram moeda de troca para produtos como drogas ou são desmontados para venda de peças.

De acordo com o Laiola, quem fomenta este comércio ilegal, abastecido pela criminalidade, são as pessoas que compram os celulares sem buscar saber a procedência dos aparelhos. “Só existe esse tipo de crime, sendo furto ou roubo, porque tem uma demanda específica para a compra destes aparelhos”.

Situação que pode ser explicada pela falta de punições rigorosas aos criminosos. “No meu entender, a legislação ainda é branda, ela trata quem recebe estes aparelhos com uma pena de um a quatro anos. E por causa do sistema jurídico brasileiro, se a pessoa é primária e tem bons antecedentes, ela pegaria uma pena em regime aberto, ou seja, nem dá cadeia. Mas para quem está vendendo os celulares, em meio físico, pela internet ou em grupos, tem um agravante, aí a pena é alta, de três a oito anos, para quem sabe comercializar produtos de crime “, explica.
Para quem foi vítima dos ladrões, a recomendação é sempre registrar boletim de ocorrência em uma delegacia.

Disque 190!

Sobre os frequentes roubos e furtos na região central da capital, a 1ª Companhia do 12º Batalhão informa que faz patrulhamento de rotina com as Rondas Ostensivas Tático Móvel (ROTAM), Rondas Ostensivas com Apoio de Motocicletas (ROCAM) e do Pelotão de Policiamento Comunitário (PCOM) nas praças, com módulos móveis.

Para evitar ser vítima dos ladrões, a PM orienta que os cidadãos evitem expor seus aparelhos enquanto caminham pela rua, para não chamar a atenção dos criminosos. “Caso a pessoa seja vítima de alguma ação criminosa, é indicado não reagir, manter a calma e tentar memorizar detalhes da característica do suspeito que possam identificá-lo e, assim que puder, acionar a PM pelo 190 para formalizar a denúncia”, orienta.

Caso alguém presencie o comércio de produtos que possam ser roubados ou furtados, a recomendação é ligar para o 190. Caso haja flagrante, os suspeitos serão encaminhados até uma delegacia da Polícia Civil.

Sobre o autor

Paula Weidlich

(41) 9683-9504