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Difícil detectar

Escrito por Giselle Ulbrich

Sintomas do autismo começam a aparecer ainda em bebês, mas a maioria dos pais não sabe reconhecê-los

Seu filho costuma se isolar para brincar? Gosta de organizar coisas, ou tem algumas birras com choro excessivo (e que para os outros parece que a criança é mimada e os pais não dão educação)? Tem dificuldades na fala? Fique atento, pois existe a hipótese do seu filho ser autista. E o pior, há muitos profissionais da pediatria que não conseguem diagnosticar o transtorno, o que retarda a intervenção nesta criança. Quanto mais cedo for o diagnóstico, maiores as chances de melhorar a qualidade de vida do autista.

A jornalista Adriana Czelusniak, 36 anos, descobriu o transtorno autista no filho Gabriel, 12 anos, quando ele tinha 6 anos. “Ouvi pela primeira vez que ele tinha autismo aos 3 anos e meio. Mas o diagnóstico só se confirmou quando ele tinha 6 anos”, diz Adriana. E assim como todas as mães com filhos autistas, ela diz: “Hoje, eu vejo que ele já tinha os sintomas desde o primeiro ano de vida”, diz ela.

Ainda bebê, Gabriel chorava muito e demorava para acalmar. E alternava as crises de choro com momentos de extrema calma. Ele também não tinha a troca de olhares com a mãe durante a amamentação. Sempre foi muito apegado a objetos, ao invés de pessoas, e não respondia quando chamado pelo nome. As primeiras palavras, ele falava corretamente. Mas, quando chegou a fase de formar frases, ele não conseguia formá-las e repetia exatamente o que os outros diziam (ecolalia).

Gabriel hoje tem poucos amigos e Adriana ressente-se em perceber que, em muitos casos, é por preconceito. “Claro que os amigos só vão chamar para as brincadeiras e festinhas aqueles que possuem mais afinidade, que conversam mais. E autistas tem problemas na comunicação”, diz a jornalista. As famílias de autistas também acabam restringindo um pouco sua vida social, saem só em família e os convites para jantares e festas ficam mais restritos.

Adriana descobriu o transtorno autista no filho Gabriel, 12 anos, quando ele tinha 6 anos. Foto: Felipe Rosa
Adriana descobriu o transtorno autista no filho Gabriel, 12 anos, quando ele tinha 6 anos. Foto: Felipe Rosa

Diagnóstico

Muitas vezes, os sintomas que os autistas apresentam são discretos e difíceis de detectar. Mesmo possuindo um sobrinho autista e conhecendo os sintomas, a tradutora Sigrid Bastos da Costa, 42 anos, só descobriu o autismo do filho Benjamin, 6 anos, quando ele já tinha 3 anos.

“Muitas crianças possuem fala normal até certa idade e de repente param de desenvolver, de falar”, explica Sigrid, que também sofre com o preconceito das pessoas. “Toda criança tem birra. Mas crise, só o autista tem, como por exemplo uma crise de choro exagerada. Isto é porque muitos autistas tem sobrecargas sensoriais, como irritação a muito barulho, calor, frio, luz. O Benjamin, por exemplo, não pode com a voz feminina. Nenhuma mulher pode cantar perto dele”, explica.

Como Sigrid tem um sobrinho autista, hoje com 11 anos, vivia pesquisando sobre os sintomas e estava sempre de olho em Benjamin, quando nasceu. “Eu vivia fazendo aqueles testes mais genéricos disponíveis na internet e o resultado sempre deixava naquela margem de dúvida se ele era autista ou não. Eu tinha aquela dúvida comigo. Fomos procurar uma neuropediatra, e depois outra, e com quase três anos veio a confirmação do diagnóstico”, diz ela.

“Independente de qualquer transtorno que ele tenha, é meu filho e continuo amando igual”, diz Sigrid. Foto: Felipe Rosa
“Independente de qualquer transtorno que ele tenha, é meu filho e continuo amando igual”, diz Sigrid. Foto: Felipe Rosa

Mães em “luto”

“A gente idealiza um filho, que ele vai ser saudável, que vai fazer isto e aquilo. Mas de repente, a gente recebe a notícia que nosso filho é autista e temos que enterrar aquele filho que a gente idealizou. O estigma da palavra autismo é muito grande. Paralisa qualquer mãe. Vira uma fase de luto”, explica a tradutora Sigrid da Costa, que ficou seis meses “paralisada”, “digerindo” a informação, sem buscar mais nenhuma ajuda médica.

“Mas caí na real que independente de qualquer transtorno que ele tenha, é meu filho e continuo amando igual”, diz ela, que só depois deste período procurou intervenção (como são chamadas as diversas terapias para autistas). “Me arrependo por cada dia destes seis meses sem intervenção. Um tempo perdido, que ele poderia ter desenvolvido alguma habilidade, pois quanto mais cedo a intervenção, melhores os resultados”, lamenta.

Não é doença

 

Autismo não é doença e, portanto, não tem cura. A intervenção feita no autista é para que ele e seus familiares aprendam a conviver com os sintomas e que o autista tenha uma melhor qualidade de vida, oportunidades e bons relacionamentos sociais. Quem explica isto é a psicóloga Yanne Ribeiro Gonçalves.

Yanne explica que o autismo não é como qualquer outra doença, que pode ser detectada através de um exame biológico (de sangue ou urina) ou de imagem (ultrassonografia, tomografia, etc.). A constatação do autismo é feita através de exames clínicos, observando-se o comportamento da criança, fazendo entrevistas com os pais, testes, além de outros instrumentos de observação. Por conta disto, não é todo pediatra que está com os olhos apurados para detectar o transtorno.

"Quanto mais cedo começar a intervenção no autista, melhor deve ser a qualidade de vida dele”, diz a psicóloga Yanne Ribeiro Gonçalves. Foto: Felipe Rosa
“Quanto mais cedo começar a intervenção no autista, melhor deve ser a qualidade de vida dele”, diz a psicóloga Yanne Ribeiro Gonçalves. Foto: Felipe Rosa

“Infelizmente ainda são muitos os relatos de pais e mães, que ouvem dos pediatras: ‘Não, isso é da idade, já vai passar’, ‘Espera crescer um pouco’. Só que quanto mais cedo começar a intervenção no autista, melhor deve ser a qualidade de vida dele”, diz a psicóloga.

No entanto, quando a criança ainda é bebê, já é possível detectar sintomas. Geralmente, interessam-se mais por objetos do que pessoas, possuem problemas com o sono, não gostam de ficar no colo. Quando crescem, os sintomas ficam mais perceptíveis (veja infográfico).

Mas, conforme a psicóloga, depois de confirmado o diagnóstico com um neuropediatra (de preferência, especializado em autismo), as intervenções podem ocorrer com profissionais de diversas áreas: terapia ocupacional, psicopedagogia, musicoterapia, psicomotricidade ou fisioterapia, fonoaudiologia, equoterapia, entre outros. Vai depender das necessidades específicas de cada paciente. E não são somente os autistas que recebem intervenção.

Muitas vezes, os familiares também precisam de apoio e orientação para aprender a lidar com o transtorno e viver harmoniosamente.

Encontro

No próximo domingo, das 9h às 17h, a União de Pais pelo Autismo (Uppa) vai realizar, no Parque Barigui, o Encontro pelo Autismo, com o objetivo de difundir o conhecimento do transtorno na população. Haverá diversas atividades como recreação, aulão de ginástica (10h30), caminhada pelo autismo (11h), apresentações musicais, além de brinquedos como cama elástica e infláveis. As famílias autistas estarão vestidas de azul, que é a cor que representa o transtorno.

 

SINTOMAS

Motores:

– Correr de um lado para o outro, bater palmas ou chacoalhar as mãos para cima e para baixo (movimento chamado de flapping).
– Têm ações atípicas repetitivas, como alinhar/empilhar brinquedos, observar objetos aproximando-se muito deles, prestar atenção exagerada a certos detalhes de um brinquedo;
– Dificuldade de se aninhar no colo dos cuidadores ou extrema sensibilidade em momentos de desconforto.

Sensoriais:

– É comum o hábito de cheirar ou lamber objetos; sensibilidade exagerada a determinados sons (como liquidificador ou secador de cabelos), insistência visual em detalhes de objetos ou naqueles que têm luzes que piscam e/ou emitem barulhos, bem como nas partes que giram (como ventiladores).

Rotinas:

– Há tendência a rotinas ritualizadas e rígidas e as mudanças podem desencadear crises de choro, gritos ou manifestações intensas.
– Algumas crianças, por exemplo, só bebem algo se usarem sempre o mesmo copo; outras exigem que os alimentos estejam dispostos no prato sempre da mesma forma. Ou querem sentar-se sempre no mesmo lugar ou assistir apenas a um mesmo DVD.

Fala:

– Muitos repetem palavras que acabaram de ouvir, imitam falas ou “slogans/vinhetas” que ouviram na televisão sem sentido contextual.
– Pode haver características peculiares na entonação e no volume da voz.
– Algumas crianças com autismo deixam de falar e perdem certas habilidades sociais já adquiridas entre um e dois anos de idade de forma gradual ou súbita.
– Dificuldade de encontrar formas de expressar diferentes sentimentos, preferências e vontades.

Sobre o autor

Giselle Ulbrich

(41) 9683-9504