Centro

A pioneira!

Escrito por Maria Luiza Piccoli

Hermínia, a primeira taxista mulher de Curitiba, passou a vida quebrando barreiras sociais

Já imaginou se em Curitiba existissem apenas 8 táxis? Em 1950 esse era o número de “veículos de aluguel” que atendiam o ponto localizado na Praça Osório, no centro da cidade. Naquele tempo, a “Boca Maldita” não tinha nome. Os bairros Portão e Bacacheri eram considerados Região Metropolitana e o bonde fazia a vez do ligeirinho. Em 1950, Curitiba tinha mais carros do que telefones e bem menos gente: 180 mil habitantes. Naquela época, a cidade era considerada moderna em comparação às outras capitais, mesmo com o mercado de trabalho praticamente restrito a ao público do sexo masculino, que na grande maioria se dedicava ao trabalho fabril nas novas indústrias que se instalavam por aqui.

Enquanto a maioria das moças curitibanas com idades entre 17 e 23 anos se preocupava em “arranjar um bom partido” obedecendo aos padrões sociais da época – uma jovem moradora do bairro Seminário se destacava das demais. Aos 16 anos, Hermínia Gantzel fugia do roteiro social seguido por grande parte adolescentes. Ao invés das salas de cinema e confeitarias do centro da cidade, a jovem escolheu trabalhar. A profissão, nunca antes exercida em Curitiba, rendeu-lhe o reconhecimento como primeira taxista curitibana do sexo feminino. Em homenagem ao Dia Internacional da Mulher, celebrado neste 8 de março, a Tribuna foi conhecer de perto essa personagem e mostrar que feminilidade e prazer consigo mesma, não têm prazo de validade.

Vanguarda

Foto: Marco Charneski
Enquanto as moças curitibanas se preocupavam em “arranjar um bom partido”, ela já estava na boleia do táxi. Foto: Marco Charneski

Filha de imigrantes alemães, Hermínia Gantzel nasceu numa casa simples, de madeira, no dia 23 de outubro de 1924, no antigo bairro “Barigui Seminário”, onde hoje fica o Mossunguê. Mais velha de 5 irmãos, a curitibana demonstrou desde muito cedo que estaria na vanguarda das suas contemporâneas. “Eu não queria saber de casar. As meninas só falavam em arranjar marido, e corriam atrás de namorados. Eu só falava em ter independência, e corria atrás de trabalho”, lembra entre risos.

Com o apoio do pai, ao completar 16 anos (idade legal para dirigir na época), Hermínia fez o teste de direção para retirar a carteira de motorista e, apesar dos apuros durante o exame, passou de primeira. “O examinador me fez parar no meio de uma ladeira nas Mercês. Ele disse que, para passar, eu tinha que sair de primeira sem deixar o carro voltar e eu consegui”, conta.

Com habilitação em mãos, Hermínia encontrou no documento a possibilidade de ganhar dinheiro. Logo, começou a trabalhar como motorista em um dos veículos da frota de “carros de aluguel”, da companhia de transportes particulares de seu pai.

“A empresa não tinha nome. Não era como hoje, que tem toda essa burocracia. Comecei cobrindo faltas de alguns funcionários. Meu pai aproveitava que eu sabia dirigir e me punha para manobrar. Depois, fazia viagens e corridas pela cidade. Eu adorava estar no volante”, diz. Se hoje tem “conversa de taxista”, para Hermínia não era assim. “Eu não dava conversa. Meu pai me proibia de ficar de papo e se preocupava com os trajetos que eu fazia”, lembra.

Cheia de conquistas

Foto: Marco Charneski
Foto: Marco Charneski

Em 1952, depois de dois anos de táxi, aos 28 anos, Hermínia largou o volante. Quando então todos acreditavam que ela iria “sossegar”, um novo emprego apareceu, dessa vez na empresa Singer, onde a contragosto do pai – aprendeu corte e costura. “Tomei gosto pela moda. Eu desenhava os croquis, cortava e costurava. Fiquei por dois anos lá e depois fui contratada numa loja de decorações onde trabalhei por 19 anos”.

A essas alturas, ninguém mais acreditava em casamento. Só que, mais uma vez, ela surpreende ao dispensar a fila de pretendentes e aceitar o pedido de casamento de um jovem médico guatemalteco, aos 32 anos. “No começo eu não queria. Meu pai era presidente no clube Duque de Caxias e eu sempre o acompanhava nos bailes. Durante as reuniões da diretoria eu gastava as solas na pista de dança. Mas aí conheci o Carlos Humberto, e ele disse que não ia me deixar fugir. Ele não me deixou em paz até que a gente casasse”, recorda.

Já casada e mãe, Hermínia trabalhou como modelo para lojas e butiques, onde descobriu seu potencial nas passarelas. Atividade que nunca mais abandonou, mesmo depois da chegada dos netos e bisnetos. Aos 93 anos, ela coleciona títulos de beleza, inclusive o de “mais bela idosa de Curitiba” promovido pela Fundação de Ação Social de Curitiba (FAS) – que venceu por três anos.

Ao contrário do que muitos acreditam, a beleza não se vai com o tempo. Com olhos brilhantes e sorriso muito vivo, Hermínia exibe a paz e a altivez de quem, ao longo da vida, colecionou muitos motivos para comemorar o Dia da Mulher. Enquanto namorava com as lentes do fotógrafo Marco Charneski, da Tribuna do Paraná, pediu licença: “Se eu pudesse dar um recado para todas as mulheres eu diria que nunca se abandonassem. Dediquem-se às atividades que gostam não importa quais. Trabalhar é maravilhoso. Diria que cultivem boas e novas amizades porque a convivência ensina e, na vida, a gente nunca para de aprender. Até o último dia”, finaliza.

Sobre o autor

Maria Luiza Piccoli

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