Bacacheri

Motel-mocó!

Escrito por Giselle Ulbrich

Antigo Moinho Curitibano, no Bacacheri, está completamente abandonado. Apesar da placa de “vende” na frente, investidores já estariam negociando novo rumo pro moinho

A fábrica que ficava na Rua Nicarágua, no Bacacheri, já produziu muita farinha, farelo, o macarrão Ouro Verde e a bolacha Muriz, produtos que eram levados a todos os cantos do Paraná. Infelizmente, o Moinho Curitibano, que fechou há uns 15 anos, agora é um motel-mocó e só produz baderna.

Morador de um sobrado ao lado do terreno, um homem conta que assiste tudo de camarote, inclusive cenas de sexo no local. Da mesa do seu escritório, que fica no último andar da casa, basta ele olhar para fora, a qualquer hora do dia ou da noite, e encontrar jovens transando na escadaria do antigo prédio. “A gente vê meninas novas entrando aos montes aqui, junto com caras mais velhos. Às vezes vêm com uniforme de escola”, lamenta o morador, que já fez fotos das invasões para mostrar aos responsáveis pelo terreno.

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Uma das coisas mais comuns encontradas no terreno, de quase 14 mil metros quadrados, são as latas de tintas. Os grafiteiros espalharam sua arte por todos os muros e paredes. Misturadas às latas estão embalagens de bebidas alcoólicas diversas, incluindo vinhos caros. E é bem provável que o imóvel seja usado também por skatistas.

Há quem use o local também como moradia. A Tribuna encontrou prováveis pertences de moradores de rua. Havia muitas roupas socadas em cantos e buracos, espumas jogadas ao ar livre, mas também uma “casa” organizada. Num dos barracões, um canto tinha um colchão, com a cama forrada, roupas dobradas, uma mesa improvisada com um garfo lavado, potes de comidas, garrafa de água e até um rastelo. E ele parece “caprichoso”. Lavou a bermuda e a cueca e pendurou as roupas para secar num banheiro.

Num dos barracões, um canto tinha cama forrada, roupas dobradas e uma mesa improvisada. Foto: Felipe Rosa
Num dos barracões, um canto tinha cama forrada, roupas dobradas e uma mesa improvisada. Foto: Felipe Rosa

Derrubando aviões

Os moradores da região contam que não sabem como nenhum jovem caiu de cima do prédio abandonado. Os aviões que descem no Aeroporto do Bacacheri, a uma quadra dali, passam “raspando” no telhado, a pouquíssimos metros. Inclusive, dizem moradores antigos do bairro, que o dono do Moinho, Pedro Nicolau, precisou ir ao Rio de Janeiro, pedir autorização ao alto comando das Forças Armadas, para conseguir construir um prédio de seis pavimentos por ali, um dos mais alto da região.

O temor com acidentes é porque, quando os aviões passam, diz um morador, os jovens sobem no telhado e ficam jogando pedra nos aparelhos, inclusive usando estilingues. “Uma hora ou alguém cai do telhado, ou eles conseguem derrubar algum avião”, diz o morador, que também teme que crimes aconteçam ali.

“Esses dias entraram quatro meninas bem novas aqui. Vieram fazer fotos umas das outras no prédio abandonado. Já pensou se entra um malandro armado aqui? Estupra as quatro meninas, mata, joga os corpos ali dentro daquele silo e ninguém vê. Isso aqui é uma oportunidade para uma tragédia”, diz um morador.

O que impede o início das obras são negociações com a prefeitura e com as Forças Armadas. Foto: Felipe Rosa
O que impede o início das obras são negociações com a prefeitura e com as Forças Armadas. Foto: Felipe Rosa

Doenças

Os moradores da região não vão se espantar se algum dos invasores ficar doente com leptospirose, pois há uma “legião” de ratazanas dentro do terreno. “Tem dias que sai ratos aos montes aí de dentro”, reclama uma jovem, que mora na Rua Nicarágua. E no prédio maior, onde os assoalhos dos pavimentos foram tirados, os pombos se espalham pelas lajes que restaram. No térreo, as fezes dos pombos forram o chão feito um tapete de crochê.

Um morador da rua lateral, a Rua Capitão José da Silva Sobrinho, diz que o moinho passou muitos anos bem fechado, até que há uns três anos as invasões começaram. Há uns cinco meses atrás, pedreiros trabalharam no local para retirar telhados, janelas e outros acabamentos. Ficaram somente as paredes dos prédios e o mato foi cortado. Mas, terminado o trabalho dos pedreiros, um portão dos fundos foi roubado e um portão pequeno da frente foi arrombado. Apesar das invasões, os moradores e transeuntes da região afirmaram que não são importunados, nem tiveram a residência arrombada.

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Destino definido

O imóvel do Moinho Curitibano – com terreno de quase 14 mil metros quadrados e área construída de sete mil metros quadrados – tem uma placa de vende na frente. Mas a Tribuna entrou em contato com a imobiliária, que informou que, na verdade, o anúncio já deveria ter sido retirado. Conforme o corretor de imóveis, os proprietários do terreno fecharam uma parceria com um grupo de investidores para aproveitar o “esqueleto” já construído e fazer um empreendimento.

Como há três prédios, a ideia é fazer três tipos de comércios diferentes. No maior deles, de seis pavimentos, afirma o corretor, já está batido o martelo que será um supermercado. E assim que conseguirem as devidas autorizações da prefeitura, em poucos meses ele deve começar a construção e início das atividades. Nos outros dois prédios, ainda há negociação. Mas pode ser uma praça de alimentação e um centro comercial, com muitas vagas para estacionamento.

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O corretor de imóveis informou que a parceria está fechada há uns cinco anos. Mas, o que impede o início das obras são questões burocráticas, inclusive uma negociação com a prefeitura e com as Forças Armadas. Por causa da lei de zoneamento, e também pelo fato do terreno estar em área militar, há restrições quanto à abertura de alguns tipos de comércios ali.

Já um vizinho próximo ao Moinho, que não quis se identificar, soube de outra dificuldade nesta negociação. Pelo fato de o terreno estar embaixo da rota de descida dos aviões, quase na cabeceira da pista, há restrições quanto à altura do prédio e a aglomeração de pessoas. “Parece que queriam construir uma igreja aí. Mas o negócio não saiu por causa dessa questão da aglomeração. Se cai um avião, imagina a tragédia”, explicou o vizinho.

Foto: Felipe Rosa
Foto: Felipe Rosa

Dívidas

Conforme o cabeleireiro Elói Farias da Silva, que mora e tem comércio ali perto, outra dificuldade dos interessados em comprar e investir no terreno do Moinho seriam as dívidas astronômicas de impostos, além de questões trabalhistas na Justiça, INSS, entre outros. Sem contar discussões por causa de herança. A Secretaria de Finanças da Prefeitura de Curitiba informou que não pode divulgar dados tributários, por se tratarem de informações sigilosas e que só competem ao proprietário. A Secretaria de Urbanismo também foi acionada, para ver se há reclamações quanto a invasões ao local, delinquência, mas não retornou resposta até o fechamento desta matéria.

Histórico

O historiador Marcelo Sutil, da Fundação Cultural de Curitiba, precisou fazer alguns levantamentos históricos do Moinho Curitibano, há alguns anos. Ele verificou que o prédio foi construído em 1949, quando a região já havia sido delimitada como área militar (isto ocorreu em 1943). Por isto, dizem que o dono do moinho, Pedro Nicolau, precisou negociar com as Forças Armadas a construção dos prédios, inclusive um deles com seis pavimentos. Este prédio maior era destinado à moagem e produzia 25 toneladas de cereais por dia.

Diferente de outros bairros de Curitiba que já se desenvolveram industriais, como Rebouças, Juvevê e Portão, o bairro Bacacheri não tinha vocação fabril inicialmente. Era um bairro residencial e militar, que começou a ter sua expansão intensificada no final do século XIX. O bairro era um elo de ligação entre Curitiba e o litoral, através da Avenida Erasto Gaertner. Já na década de 40, chegou o Moinho, que junto com a Cerâmica Colle, fez desenvolver todo um polo de moradores e comércios ao redor das indústrias e gerou muitos empregos.

Mas, diz Marcelo, apesar do crescente interesse de investidores por prédios de antigas indústrias e do prédio do Moinho Curitibano ser histórico, não é considerado uma unidade de preservação.

https://www.tribunapr.com.br/cacadores-de-noticias/curitiba/moco-gigante/

Sobre o autor

Giselle Ulbrich

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