Araucária

Fim de linha

Há quase um mês Vladimir dos Santos, 13 anos, não tem mais a companhia do pai e seu auxílio para fazer o dever de casa. “Meu pai me ajudava todas as noites a fazer a lição e depois, a gente jantava junto: eu, ele e minha mãe. Ele chegava às 19h30, mas agora só consegue estar em casa depois das 22h30 e neste horário eu já estou dormindo”, confidencia. “O pai dele sai às 4h para ir trabalhar e agora, tem chegado muito tarde. E sem a ajuda dele, ficou tudo mais difícil”, conta Terezinha de Fátima dos Santos, 50, mãe do Vladimir.

A mudança na rotina, que tanto entristece o garoto e que também tem gerado transtornos à população, foi provocada pela extinção da linha de ônibus Tupi-Pinheirinho, que há mais de 25 anos atendia os moradores dos bairros Campina da Barra e Costeira, em Araucária, que contavam com o coletivo para se dirigir até Curitiba.  Segundo a população, com o Tupi-Pinheirinho, o trajeto entre a cidade metropolitana e o terminal do Pinheirinho levava aproximadamente meia hora. Sem ele, agora, quem precisa ir até a capital precisa passar pelo Terminal Central de Araucária, antes de embarcar em outro ônibus para Curitiba. Alterações que aumentaram – e muito – o tempo levado neste deslocamento.

Prejuízos

Foto: Giuliano Gomes
Pai de Vladimir chega em casa depois das 22h30. Foto: Giuliano Gomes

Na família do comerciante Cicero Lachowski, 45, morador do Jardim São Francisco, os mais afetados pela extinção da linha foram seus dois filhos, que fazem faculdade em Curitiba. “Minha filha Fernanda, de 20 anos, estuda à noite, em uma faculdade no Rebouças. Ela sempre pegava esta linha até o Pinheirinho e de lá, o Ligeirão. Agora ela precisa ir até o centro de Araucária e isso demora muito mais. À noite, quando ela volta, nem sempre consegue pegar o ônibus Linhão II no terminal, por isso tenho que ir buscá-la. A partir de agora, ela vai precisar sair mais cedo da aula”, conta.

O irmão dela, Victor, 17, passa pela mesma situação. “Ele sai de casa às 6h para chegar à faculdade, no Juvevê, às 8h30. Ao todo, ele perde quatro horas por dia dentro dos ônibus, que agora estão sempre superlotados. Estamos pensando até em alugar um apartamento pequeno em Curitiba, para que eles consigam continuar estudando”, relata a mãe dos jovens, a comerciante Paola Lachowski, 43.

Sem opções

Filhos do casal Paola e Cícero fazem faculdade em Curitiba e sofrem com a mudança da linha de ônibus. Foto: Giuliano Gomes
Filhos do casal Paola e Cícero fazem faculdade em Curitiba e sofrem com a mudança da linha de ônibus. Foto: Giuliano Gomes
Vilsa: Sem ela (linha) não há trabalho e renda para ninguém.
Vilsa: Sem ela (linha) não há trabalho e renda para ninguém.

Para a artesã Vilsa Valério, 48, a falta do ônibus tem trazido sérias consequências para os moradores do Jardim Tupy e adjacências. “Esta linha faz parte da história do nosso bairro. Sem ela não há trabalho e renda para ninguém. Fora que isto está acabando com o convívio familiar de muitas pessoas. Meu marido, por exemplo, inicia no trabalho às 14h, mas agora, está tendo que sair de casa às 10h, e mesmo assim, ainda chega atrasado. Para voltar, sem o Tupi-Pinheirinho, ele depende de carona de colegas ou do transporte da empresa. O trajeto dele, que levava 20 minutos daqui até o Tatuquara, tem durado mais de duas horas e meia”.

“Nós temos trabalhadores, pais e mães aqui no bairro, que precisam acordar às 4h, para poder pegar o ônibus para trabalhar. São cerca de 25 mil pessoas em Araucária, mais os moradores da Caximba e quem trabalha na região da BR-116, que deixam de contar com esta linha de ônibus. Isto está sendo péssimo para todos. Há 60 dias enfrentamos dificuldades, desde que a prefeitura transferiu a gestão da linha e há um mês estamos sem ônibus. Os poucos que circulam estão sempre cheios e há ônibus que só operam de segunda a sexta. Queremos uma linha que continue fazendo este trajeto. Já tentamos contato com a prefeitura e com as autoridades, mas não fomos ouvidos, eles não atendem a gente”, afirma o presidente da Associação dos Moradores do Jardim Santa Clara, Luiz Ubirajara Santos, 52, que junto com outros moradores, parou o Terminal Central de Araucária na manhã de ontem por 20 minutos, em protesto contra o corte da linha Tupi-Pinheirinho.

Roseli: Estamos abandonados em termos de transporte.
Roseli: Estamos abandonados em termos de transporte.

A auxiliar de produção Roseli Soares, 37, tem sofrido. “Estamos abandonados em termos de transporte. Estamos pagando pelos erros de gestão dos nossos governantes. Eu trabalho em Pinhais e gasto três horas para ir e mais três para voltar para Araucária, todos os dias. Saio às 4h e chego em casa quase 21h, é muito cansativo. Queremos nosso ônibus de volta, com o mesmo itinerário. Diariamente, eram pelo menos quatro mil usuários nesta linha”, argumenta.

Emprego

Sem conseguir chegar no horário, a doméstica Irene Glatz, 49, desistiu do serviço. “Eu trabalhava em Santa Felicidade, mas sem o ônibus, não fui mais. Não tem condições, minha patroa ficou desesperada, mas não teve jeito. Já estou há um mês sem trabalhar, sem renda, dependendo do meu marido. Independente desta linha ser irregular ou não, precisamos que eles se acertem e coloquem outro ônibus para a gente, com o mesmo itinerário”.

Irene teve que deixar o emprego em Santa Felicidade
Irene teve que deixar o emprego em Santa Felicidade

A repercussão negativa desta situação já ultrapassa os limites da cidade. Segundo o caldeireiro desempregado Edivam Silva, 30, falar que mora nos bairros Campina da Barra e Costeira causa mal-estar entre os recrutadores das empresas. “A dificuldade também é a de procurar trabalho. As empresas de Curitiba já estão deixando de ofertar vaga para quem mora em Araucária. E quem está trabalhando está correndo o risco de ser demitido”.

“Estou desempregada e mesmo tendo várias oportunidades de emprego, não consigo trabalho. Isto porque a maioria das entrevistas acontece de manhã cedo e eu não consigo chegar no horário. Ir até o terminal de Araucária, que já não suporta tantos passageiros e esperar bastante para poder embarcar em um ônibus lotado, é bem difícil. Você vai feito uma sardinha, passa horas dentro do ônibus e ainda assim, não consegue chegar. Tiraram nossa linha, sem avisar, sem debater e não colocaram outra no lugar. Pior ainda, não aumentaram nem a quantidade de ônibus nas linhas que continuam circulando no bairro”, explica.

Entenda o imbróglio

Confira o trajeto da linha Hortência-Pinheirinho
Confira o trajeto da linha Hortência-Pinheirinho

A linha de transporte coletivo Tupi-Pinheirinho (operada pela empresa Transtupi) era gerenciada pela Companhia Municipal de Transporte Coletivo de Araucária (CMTC) até 20 de janeiro, quando a Coordenação da Região Metropolitana de Curitiba (Comec) assumiu o compromisso de passar a gerenciar a linha. A CMTC argumentou que a linha operava sem licitação e era intermunicipal. A Transtupi obteve uma liminar para continuar o serviço, mas a decisão foi logo derrubada. A linha funcionou até 6 de março. A empresa alega que a ordem de concessão valeria até agosto de 2019 ou até a Comec transferir a gestão do contrato ou abrir licitação do transporte metropolitano. A prefeitura informa que ampliou a frota de ônibus sob sua responsabilidade, para facilitar o acesso dos moradores da região do Tupi aos terminais da cidade, onde é possível embarcar em linhas da Comec que levam a Curitiba.

No dia 13 de março, a Comec anunciou que a linha Begônia-Pinheirinho seria ampliada e passaria a ligar a cidade metropolitana ao terminal do Pinheirinho a partir de ontem, em substituição à Tupi-Pinheirinho. Na semana passada, o órgão estadual adiou o início da nova rota, alegando questões relacionadas a operação e contratos de concessão local. “Está sendo analisada uma nova alternativa para atender a população de Araucária, que deverá ser divulgada em breve”, limitou-se a informar.

Segundo documentos obtidos pelos moradores, as três variáveis da linha Tupi-Pinheirinho, que atende os Jardins Tupy, Turim, Santa Clara, Santa Eulália, São Francisco, entre outros, agora devem ser substituídas pela linha Hortência-Pinheirinho, com trajeto diferente do original, não passando mais pela BR-116. Alteração que gerou revolta entra a população, por não atender as necessidades dos moradores.

Demissões

Foto: Giuliano Gomes
Foto: Giuliano Gomes

O Sindicato dos Motoristas e Cobradores de Curitiba e Região Metropolitana (Sindimoc) busca um acordo com a Transtupi para a situação dos 43 motoristas que atuavam na linha Tupi-Pinheirinho. E ingressou na Justiça com uma ação contra a empresa para localizar bens que garantam a rescisão dos trabalhadores afetados pelo fim do itinerário, que ainda estão com os contratos em aberto.

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Sobre o autor

Paula Weidlich

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