“O Nó do Diabo” retrata o resquício da escravidão em um bom terror

Foto: Divulgação/Vermelho Produção

Na última quinta (14), estreou nos cinemas da capital paranaense o terror brasileiro “O Nó do Diabo”. O filme paraibano é divido em cinco partes, com direções de Gabriel Martins, Ian Abé, Jhésus Tribuz e Ramon Porto Mota. O elenco é formado por Isabél Zuaa (As Boas Maneiras), a veterana Zezé Motta (O Outro Lado do Paraíso) e Fernando Teixeira (Aquarius) interpretando o grande vilão da história.

O longa retrata a escravidão e o preconceito racial enfrentado pela população negra durante os 200 anos. Confira o trailer:

E olha que legal, a gente conseguiu conversar com um dos diretores de “O Nó do Diabo”. Gabriel Martins é mineiro e dirigiu a parte II, além de participar dos roteiros da parte I, II, III e IV. Martins também foi roteirista de “Alemão” (2013) e foi diretor de fotografia de “A Cidade do Futuro” (2016).

Confira a entrevista abaixo:

1. Como foi a construção do longa “O Nó do Diabo”?

GM: Este é um projeto do Vermelho Profundo, que é uma produtora lá da Paraíba, idealizada por Ramon Porto Mota, Ian Abé, Jhésus Tribuz e Fabiano Raposo. [O Nó do Diabo], na verdade, é um projeto deles. Eu entrei no projeto bem depois. Ele começou como série. Eles decidiram, então, no meio desse processo que esses episódios poderiam virar um longa.

2. “O Nó do Diabo” é separado em cinco partes que vai do presente ao passado e não ao contrário. Por que nessa ordem?

GM: A ideia é que a gente vai voltando no tempo e de certa forma a gente vai criando uma relação mais densa com a casa, talvez até abrindo o caminho para entender o que aconteceu ali.  É abrir esses “armários” desses passados pra falar de um trauma e de encarar de maneira frontal.

3. A população brasileira tem muito conhecimento sobre o cinema pernambucano, no que se refere às produções nordestinas,mas desconhece os filmes realizados em outros Estados da região. Como você vê o cinema paraibano atualmente?

GM: Bom, eu não sou da Paraíba, sou mineiro. Então a relação que eu tenho [cinema paraibano] é de admirador das obras dos meninos [Mota, Abé, Tribuz e Raposo]. Mas a imagem que eu tenho é que o cinema pernambucano que a gente vê há um bom tempo tomando vários holofotes ele se diz respeito não só a vários talentos que existem por lá, mas de uma política pública que foi feita que antes não existia. Há um bom tempo, Pernambuco tem os melhores editais do Brasil e isso eu acho que reflete no orbital da cinematografia local. No caso da Paraíba, eu acho que tem um cenário um pouco mais complicado, assim de editais. “O Nó do Diabo” foi feito com edital federal e os meninos [ da Produtora Vermelho Profundo] foram contemplados também para fazer um outro longa, inclusive já rodaram, com um edital local que premiou três filmes para serem feitos lá. Mas no que diz respeito à cinematografia de lá [Pernambuco] é uma coisa que está construída com um tempo, e realmente falta [na Paraíba] mais editais, editais melhores.

4. Podemos observar que ultimamente tivemos dois filmes brasileiros do gênero terror estreando nos cinemas: “Motorrad – A Trilha da Morte” e “As Boas Maneiras”. Como você vê o gênero horror de filme brasileiro atualmente?

GM: Eu acho que nesses casos específicos, há uma variedade de diretores, e cada vez mais diretores estão conseguindo fazer filmes e então vemos ideias diferentes também. Eu acho que o horror é usado de um jeito pra falar sobre problemas contemporâneos, política e sociais. Então eu acho que, por causa das políticas públicas, hoje a gente filma mais. E tem mais variedades de diretores do que tínhamos há 10 anos atrás. O gênero horror, nem sempre, mas tem certa tendência de ser um pouco caro [de ser produzido]. Então eu acho que tem a ver com essas várias questões.

Crítica

Cena do filme "O Nó do Diabo". Foto: Reprodução
Cena do filme “O Nó do Diabo”. Foto: Reprodução

13 de maio de 1888, através da Lei Áurea, o Brasil de vez deu liberdade aos negros. Seria ótimo se ainda não tivéssemos que saber que a cada 23 minutos um jovem negro é assassinado no Brasil, que apenas 5,5% deles frequentam o ensino superior e que ainda recebem o equivalente a 50% dos salários da população branca. E pasme, segunda a ONG britânica Oxfam, a igualdade salarial só irá acontecer em 2089. Dois terços das casas presentes nas periferias ou favelas são chefiados por homens ou mulheres negras. E pra finalizar, eles representam 54% da população do país. Então a escravidão acabou de vez?

Cena do filme "O Nó do Diabo". Foto: Reprodução
Cena do filme “O Nó do Diabo”. Foto: Reprodução

Pois é, em “O Nó do Diabo”, Gabriel Martins, Ian Abé, Jhésus Tribuz e Ramon Porto Mota retratam em cinco partes os problemas que o Brasil sofreu e deixou como a herança que foi a escravidão no Brasil. E não tinha lugar melhor para retratar do que em um antigo engenho situado no interior da Paraíba. Pra quem não se lembra, a região norte foi onde tinha o maior número de usinas produtoras de açúcar e também foi uma das últimas regiões a extinguir de vez a escravidão. Pressionada pelo Reino Unido, os senhores de engenhos se viram obrigados a aceitarem assalariar os seus trabalhadores, visando ao prejuízo financeiro dos proprietários rurais, além do crescimento dos centros urbanos e surgimento das indústrias.

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Outro fato curioso é a cidade escolhida, Pilar (PB), mesmo município em que nasceu o escritor paraibano José Lins do Rêgo, autor de Menino de Engenho, Bangüê e Fogo Morto. Obras que retratam o sistema canavieiro e as relações entre senhores de engenhos e escravos.

O terror brasileiro retrata como foi o sofrimento dos negros durante 200 anos no país. Contado do presente para o passado, o longa tem o mesmo antagonista nas cinco partes, representado por Seu Vieira, dono das terras que ultrapassa gerações.

Cena do filme "O Som ao Redor". Foto: Divulgação
Cena do filme “O Som ao Redor”. Foto: Divulgação

Assim como “As Boas Maneiras” e “Motorrad – A Trilha da Morte”, “O Nó do Diabo” é um terror brasileiro que merece atenção: com bons efeitos, ótima edição de som e direção, o filme prende a atenção do público do começo ao fim. O longa do quarteto cineastas tem uma pitada de suspense estilo “Onde os Fracos não tem Vez” e direção à la “O Som ao Redor”. Digamos que é um “Horror em Amityville” e “A Chave Mestra” brasileiro, onde a casa é o motim da trama. Alguns contos se destacam mais que o outro, porém se casam bem entre eles. O primeiro é um verdadeiro “abre alas” para a história e a quinta parte fecha com chave de ouro.

“O Nó do Diabo” ainda está nas salas dos cinemas de Curitiba, confira os horários.

Avaliação: ⭐⭐⭐ 1/3
Pra quem gosta: terror
Pra assistir: amigos ou sozinho.
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