O Código de Defesa do Consumidor e os vestibulares e concursos

Oscar Ivan Prux

Há uma similaridade entre as loterias e vestibulares (para universidades públicas) e concursos de acesso para empregos públicos: todos prometem uma esperança, seja a de um prêmio, seja de uma vaga. Para as loterias, tem se mostrado mais explícito aplicar-se o Código de Proteção e Defesa do Consumidor (Lei n.º 8.080/90). Já para situações de concursos ou vestibulares isso pode ser muito polêmico e até parecer inusitado. Todavia, verifique-se que na visão passada e ultrapassada pelos fatos, vestibulares e concursos serviam apenas para classificar candidatos. De outro modo, atualmente, eles deixaram de ser apenas uma forma de acesso (para empregos ou ensino público), mas tornaram-se também uma grande fonte de renda para quem o promove. Ou seja, um grande negócio que segundo dados publicados pela imprensa, calcula-se que movimentam algo em torno de 30 bilhões por ano. Note-se que vestibulares de universidades públicas sempre foram muito disputados, devido à gratuidade do ensino. Paralelamente, a busca incessante pela redução dos custos fomentada pelo sistema capitalista, trouxe a partir da última década, uma tendência muito forte no sentido de eliminação cada vez maior de empregos formais, com a valorização do trabalho autônomo ou como profissional liberal, com todos os riscos financeiros que isso significa para quem presta serviços. O fato de não ter carteira assinada e salário fixo, com amparo de direitos trabalhistas mínimos, tem levado muitas pessoas (os chamados “concurseiros”) a tentar conseguir um emprego público. É de conhecimento geral o quanto atrai uma enormidade de pessoas que se dispõem a gastar com sucessivas inscrições, na esperança de alcançar vaga numa universidade pública (economizando gastos com ensino) ou ter a segurança de um emprego com remuneração certa (e até estabilidade).

Diante dessa realidade, surgiu uma verdadeira “indústria arrecadadora” através de vestibulares e concursos. Antes, havia planejamento para que o cobrado dos candidatos fosse suficiente apenas para suportar os custos do processo seletivo. De outra forma, nos dias atuais, tem sido comum ver-se essa fórmula servir como meio de angariar valores que superam em muito os gastos havidos, ou mais precisamente, ser um meio de ganho. Por isso, os valores de inscrição foram sensivelmente elevados, há vestibulares de meio de ano sem que exista a abertura de turmas (guarda-se vagas, mas o objetivo básico é arrecadar com dois ou mais vestibulares anuais) e até existem concursos públicos apenas para reserva de contingência para eventuais contratações, ou seja, de candidatos para os quais talvez nem venham existir vagas.

Assim, se o vestibular ou concurso é feito basicamente para auferir ganhos, considerando-se que tal como no caso das loterias não existe legislação específica para essas situações, deve ser utilizado o recurso da analogia, e considerar-se o candidato como sendo um consumidor equiparado (vítima ou que, no mínimo, está exposto à prática), cabendo, então, a aplicação do CDC. Essa é a única forma de assegurar para quem se submete ao processo seletivo, que exista correta informação, que as instalações onde é realizado sejam adequadas, que exista transparência e igualdade de condições para os participantes, que a prova seja bem elaborada e apta para alcance da oportunidade almejada caso figure entre os aprovados. Mais precisamente, signifique uma chance justa de acesso e não um procedimento feito apenas para arrecadar, iludindo aos participantes. E mais, permite-se dessa forma, aplicar institutos como a responsabilidade objetiva, a inversão do ônus da prova, a proteção da parte vulnerável, etc.

Nesse contexto, então, quando o valor das inscrições equipara-se aos gastos, naturalmente não existe como conceber-se uma relação de consumo para essas situações. Mas quando o processo torna-se um negócio e abraça os mesmo objetivos da comercialização de serviço, a postura jurídica deve ser diferente.

Embora a tese seja bastante polêmica (e quanto a isso não há dúvida), reflita-se no sentido de que há de se considerar existir um verdadeiro mercado milionário nessa área; e quem aufere as vantagens deve assumir os riscos em favor daqueles que, em busca de seus objetivos profissionais, estão expostos a práticas substancialmente focadas nos ganhos propiciados pelas inscrições.

Oscar Ivan Prux é advogado, economista, professor, especialista em teoria econômica, mestre e doutor em direito. Coordenador do curso de direito da Unopar em Arapongas-PR. Diretor do Brasilcon para o Paraná.