A vinculação de médicos aos fornecedores de produtos, serviços e materiais de uso na medicina

Oscar Ivan Prux

O Conselho Federal de Medicina colocou em vigor as Resoluções n.º 1.595 de 2000 e a de n.º 1.956 de 2010.

A primeira proíbe o médico de receber vantagens econômicas para prescrever tratamentos, produtos ou equipamentos de uso na área médica (incluindo-se remédios). Já a segunda veda aos médicos que indiquem determinado fornecedor ou marca comercial (exclusiva de alguma empresa) quando prescrevem a necessidade de prótese, órtese ou materiais especiais no tratamento.

A questão centra-se no fato de que muitos médicos costumam receitar produtos ou serviços somente de alguns fornecedores. Ou, então, quando prescrevem tratamentos necessários, fazem por indicar que os produtos sejam apenas de determinada marca ou apontam características tão peculiares que apenas alguma empresa específica tem condição de realizar o fornecimento. E, quando não, eles mesmos fazem aquisição junto a indústria ou distribuidoras e os aplicam no tratamento do paciente, os não éticos, por evidente, o fazem pagando um preço e cobrando do paciente outro muito maior.

Esse tipo de conduta, no mínimo, atrai suspeita de cumplicidade e relacionamento comercial entre o profissional médico e o fornecedor. Naturalmente, não por coincidência, os produtos e serviços indicados são, normalmente, os mais caros dentre os disponíveis para aquisição no mercado. O motivo é que se o médico, desconsiderando o que é melhor para o doente, optar por receitar dando preferência ao que é fabricado ou vendido por determinado fornecedor, este último ganha market share (participação no mercado) e seus lucros aumentam. Assim, segundo voz corrente no mercado, para incentivar essa prática desonesta esses médicos recebem presentes de fornecedores, de objetos de valor até viagens para congressos ou mesmo apenas de turismo. E o que é pior, esse tipo de conduta criminosa conta com a medrosa complacência daqueles que trabalham honestamente, mas não denunciam atos dessa índole.

A saúde é um dos direitos fundamentais para qualquer pessoa e tanto faz que os tratamentos sejam custeados pelo consumidor, pelo plano de saúde ou pelo SUS, é indubitável que essas práticas encarecem o custo dos atendimentos e, principalmente, geram conflitos entre os envolvidos, ensejando lides que vão engrossar o rol de processos judiciais (eles aumentaram em 400% nos últimos cinco anos). Acrescente-se que são lides complexas para as quais o Juiz não é tecnicamente formado (pois normalmente não detém conhecimentos de medicina) e nas quais sempre há pedido de alguma medida liminar ou de antecipação de tutela, gerando decisões em que a urgência faz diminuir a segurança jurídica. E mais, tudo acontece em clima de angústia para o paciente consumidor cuja saúde debilitada reclama um tratamento que venha em tempo muito mais rápido do que costumam ser solucionados os processos judiciais.

Pois bem, nesse contexto conturbado, mesmo que contribuam em muito para diminuir custos de operadoras de planos de saúde (e também para o SUS), não se pode dizer que as mencionadas resoluções não tenham sido editadas também em benefício da proteção dos consumidores. Contudo, independente de eventuais considerações técnicas, observe-se que a simples existência dessas normas é suficiente para fazer sobressair e escancarar para a sociedade, a existência frequente de práticas ilegais e antiéticas por parte de considerável número de médicos. Note-se que sem depender do fato de que é raro o Conselho Regional de Medicina dispor-se a cassar diploma de médicos infratores (proibindo-os de exercer a profissão), a moral pessoal do profissional deveria ser suficiente para erradicar esse tipo de comportamento dentro da classe. O que se constata, entretanto, é que esse conselho profissional tem optado pela alternativa de cada vez mais positivar normas que descrevem especificamente determinado tipo de conduta profissional proscrita, ao invés de aplicar os princípios legais já existentes. A razão talvez esteja no fato de que nessa conjuntura de moral permissiva e desonesta, viceja a alegação de que tudo o que não está proibido seria permitido. Observe-se que, muito mais do que fruto de carência de recursos materiais, o subdesenvolvimento advém da qualidade das instituições e do padrão moral do povo, incluindo seus profissionais.

Embora reconhecendo a gravidade da conduta de lesar o SUS ou a operadora de plano de saúde, ou até mesmo o paciente que paga com recursos particulares (numa ação ainda mais ignóbil, pois trata-se de alguém que já está a padecer com a doença e ainda tem a desventura de cruzar com profissional desonesto), é importante afirmar que as duas resoluções revelam-se despiciendas (inúteis) tendo em vista de que antes delas, o Código de Ética Médica já previa (e segue a prescrever) que “a medicina não deve ser exercida como comércio”. E mais não se precisaria dizer para aqueles que fazem o juramento de Hipócrates. Objetivamente, então, o que está faltando é melhor formação desses profissionais (que deveria incluir uma real avaliação psicológica e de idoneidade moral, apta para reprovar), bem como, efetiva fiscalização e punição principalmente por parte do Conselho Regional de Medicina para erradicar do mercado aqueles que não se importam em que sua desonestidade seja, na verdade, uma desumanidade.

Oscar Ivan Prux é advogado, economista, professor, especialista em teoria econômica, mestre e doutor em direito. Coordenador do curso de direito da Unopar.