Modéstia à parte

Pouco antes de completar 104 anos, um novato jornalista perguntou a Oscar Niemeyer como era ficar velho. “Uma merda!”, respondeu o arquiteto que ainda estudava filosofia nas horas vagas, que não eram muitas.

Com uma privilegiada foto na primeira página na Gazeta do Povo deste domingo, o pianista Gebran Sabbag mostra que, assim como Niemeyer, é preciso desafiar a velhice. Apesar da “merda” que é. Aos 81 anos, depois de entrar em estúdio para gravar composições próprias, Gebran não se fez de modesto, o que sempre foi: “Estou tocando melhor do que antes”. Ao abrir a alma para o repórter Rafael Rodrigues Costa, Gebran conta que há cerca de um ano “uma FEM – força eletromotriz” fez com que chegasse à sua estreia em estúdio em sua melhor forma: o músico, sem sair do ramo da eletrônica, prefere ser discreto sobre o assunto. Mas, em resumo, uma história de amor nova em folha voltou a lhe acionar “os solenoides” depois de um período de luto pela morte da esposa, Suely, em 2002. “Fiquei na minha por dez anos. Aos 75, nada mais fazia sentido. No ano passado, acordei”.

Rafael Rodrigues escreveu um justo perfil de Gebran Sabbag, ao revelar que a música nunca foi sua ocupação principal: “A família e a manutenção de eletroeletrônicos tomaram mais tempo. Basta dizer que entre seus maiores feitos profissionais na área está uma engenhosa sonorização para a missa do Papa João Paulo II no Centro Cívico, em 1980”.

Outro dos feitos de Gebran foi na inauguração do Teatro do Paiol. Funcionário aposentado da Prefeitura, ele era o “homem invisível” que liberava voz ao palanque das autoridades, dava um certo volume aos discursos cheios de altos e baixos de Jaime Lerner.

Na noite de 27 de dezembro de 1971, essas foram as primeiras palavras de Vinícius de Morais no Teatro do Paiol: “A vida é a arte do encontro, embora haja tanto desencontro pela vida”. O poetinha batizou aquele palco circular com uma unção escocesa de 12 anos, numa alquimia diminutiva bem ao seu gosto, mas nem reparou quem estava no controle da mesa de som. Muito menos tinha reparado quem antes havia ajustado os microfones.

Encerrado o espetáculo, o jantar foi na residência do advogado Eduardo Rocha Virmond. Depois dos tantos uisquinhos no camarim, chega o poetinha:

– Quem é esse maravilhoso pianista?

– Gebran Sabbag!

– Não era ele que agora há pouco estava recolhendo os microfones lá no teatro?

De copinho longo, gelinho até a borda e uisquinho até fazer boiar os cubinhos, Vinícius puxou um banquinho, pediu a garrafinha, sentou ao lado do pianista e lá ficou até o raiar da aurora.