Arqueologia da garrafa

Conforme os pessimistas esperavam, o mistério da garrafa não passou de uma burocrática correspondência à posteridade, datada de 25 de janeiro de 1932, registrando em ata a colocação da estátua de Tiradentes em seu local atual e a existência de outro recipiente num buraco mais embaixo. Por outro lado, os otimistas esperavam encontrar na garrafa do escultor João Turin o mapa do tesouro do Pirata Zulmiro, com o traçado subterrâneo milagroso para as obras do metrô.     

Dias antes da solene abertura da garrafa, a professora e historiadora Cassiana Lacerda já havia advertido ao Fã Clube dos Caçadores da Arca Perdida que tudo não passaria de mais uma ficção arqueológica inspirada no pior do History Channel: “Grande fato e feito cultural. A incrível garrafa parece conter documentos. O que não soa nada incomum, pois de há muito são colocados documentos ligados à obra inaugurada, em recipiente a ser aberto no futuro. (…) Anuncia-se, agora, cerimônia solene da abertura da garrafa, com a presença de testemunhas notáveis, prefeito, representante do IPHAN, etc. Ou é falta de história, ausência de dimensão dos fatos, cujo burburinho começou com o `sumiço´ da estátua para restauro, tudo graças à ausência de uma placa indicativa, falta de assunto, em termos de realizações na área cultural ou, certamente, autopromoção de envolvidos com o `achado´ de Aladim. No mínimo, provincianismo. No fundo, tudo para pegar o embalo da boa repercussão do presente dado ao Papa”.

A professora Cassiana talvez tenha sido uma tanto severa ao julgar os admiradores de Harrison Ford. É bem verdade que o conteúdo da garrafa não teve a tão esperada repercussão junto à comunidade científica, no entanto o evento serviu para os curitibanos ganharem ciência das muitas “cápsulas do futuro” espalhadas pela cidade. Algumas são pequenas garrafas, em Santa Felicidade são garrafões de vinho, outras em caixa de sapatos. As mais importantes são arcas enterradas na inauguração de praças e logradouros públicos, como bem lembrou a professora Cassiana.

Dessas “arcas perdidas”, a mais notável está enterrada na Praça 29 de Março. Inaugurada em 14 de novembro de 1966, no último dia da gestão do prefeito Ivo Arzua (com show de Chico Buarque cantando “A banda”), foi construída na propriedade de Juca Luz, depois passada para a família Mann, num descampado conhecido como Campo da Galícia, onde imperava o glorioso Poty Sport Clube.

O mais notável na inauguração da Praça 29 de Março foi o discurso proferido por um menino prodígio chamado Rafael Valdomiro Greca de Macedo. No dia em que abrirem aquela arca, sem dúvida, lá estará na íntegra o discurso de Rafael. E talvez uma carta predestinando aquele piá para a Prefeitura de Curitiba.