A grande estrela

Se fosse possível viajar no tempo e voltar para épocas anteriores da minha vida, queria voltar ao tempo do jornal Diário da Tarde.

Aprenderia mais um pouco com o jornalista Nêgo Pessoa, e então poderia sonhar em ser como ele, o melhor.

Nego foi embora.

Gostando de viver perigosamente como jornalista, tirava a sua pena de dentro da alma. E daí, Nêgo Pessoa escrevia como ninguém. Culto por ter cursado todas as escolas da vida, era capaz de escrever e opinar sobre qualquer tema.

Escolhia a camisa no time de estrelas da mais talentosa geração de jornalistas de Curitiba: Adherbal Fortes de Sá Júnior, Celso Nascimento, Walter Schmidt, Francisco Camargo, Fábio Campana e Renato Schaitza eram a base do time.

Escrevendo sobre futebol, Nêgo Pessoa era incomparável. O fundo irônico de suas crônicas tornava-o incompreendido. Era Fluminense até morrer, mas para consumo interno apresentava-se como coxa-branca, mas as suas grandes crônicas tinham o Furacão como tema.

Certa vez, defendendo Petraglia da ira da torcida que gritava “queremos time”, escreveu:

“Mário, peça para alguém ir à livraria mais próxima comprar ‘Júlio César’, de Shakespeare. Há tradução do Carlos Lacerda, contestada por más razões ideológicas antes que de língua, estilo, fidelidade. E outras traduções. Procure as partes próximas do imortal discurso de Marco Antônio nos funerais de César, discurso de superior ironia (‘… e Brutus é um homem honrado’). Por ali pinta o comentário sobre o comportamento da massa, das massas, comparado ao das cadelas (o que me parece bastante injusto às cadelas, assim como o ‘homem lobo do homem’ do Hobbes me parece imensamente injusto … com os lobos). Creio que a leitura desse trecho o vacinará contra urros&sussurros das mimadas massas que querem tudo já, agora, ontem, antes de ontem, sempre. Como se tivessem direito duramente conquistado. ‘Queremos time!’. ‘Queremos craques!’. ‘Estamos cansados!’. ‘Não queremos sofrer mais!’. Berram os beberrões, os bebezões, berram os netos tardios do dr. Spock, berram as massas seduzidas pela demagogia analfabeta, ignorante, inconsequente! Sem dever, sem deveres. Livres e irresponsáveis! Oh! Tempos! Oh! Costumes! Ou em bom português, argh”.

Criando um mundo só para ele, na última vez que falou comigo, já doente, disse-me que nunca se arrependeu de suas escolhas.

Esse era o Nêgo Pessoa, coisa de Deus.