Aranha-marrom e acidentes lexoscélicos

A cada ocaso outonal e algum primórdio de verão no horizonte curitibano e na imprensa local se reinicia o pipocar do drama social causado pela aranha-marrom (Fig. 1) cujas picadas geram o realmente assustador quadro designado de “loxoscelismo” (Fig.2) . No local da picada a potencial evolução até ferida cruenta (por conta dos componentes pró-hemorrágicos e proteolíticos do veneno) e nos casos mais sérios e menos assistidos a falência renal e risco de óbito.

Felizmente há um engajamento polivalente de universidades paranaenses (PUCPR, UFPR e UTP) no acompanhamento do problema e na busca de soluções. Na UFPR, o tema veio à baila há pouco mais de uma década e contrariamente à praxe de que temas de pesquisa sejam concebidos e propostos por docentes-pesquisadores, a abordagem foi inspirada na empolgação de um então (1991) jovem veterinário, Marcos Luiz Pessatti quem veio me procurar para orientação de sua dissertação de Mestrado interessado nas “hemorraginas” do veneno de Loxosceles, a aranha-marrom. Logo em seguida (a partir do 1992) entraram no circuito o biólogo Emanuel Marques da Silva, do CPPI/SESA (Centro de Pesquisa e Produção de Imunobiológicos/ Secretaria da Saúde), versado na epidemiologia do tema e o técnico em eletrônica Luiz Fernando Peracetta, quem, a pedido dos demais, construiu o primeiro extrator de veneno de aranha, aperfeiçoando o protótipo então em uso no Butantã-SP, permitindo aqui até 3 extrações por animal. Aferida uma limitação momentânea de material (aranhas adultas vivas), aconselhei Pessatti, por conta de suas excelentes relações com a Dra. Fátima Furtado, do Butantan-SP, a modificar seu plano de dissertação na direção do veneno da jararaca-cotiara, assunto que sob a orientação compartida com a Professora. Madalena Baron, caminhou de forma muito expedita. Apresentado ao então vice-diretor do Setor de Biológicas da UFPR, Professor Oldemir Mangili, não obstante a modesta condição de apenas mestrando, Pessatti rapidamente se engajou, motivou outros pares e catalisou a disparada de um ciclo de pesquisas que até hoje viceja naquele setor da UFPR. A pedido do mesmo vice-diretor preparei a palestra “Pré-caracterização de venenos das diferentes espécies de Loxosceles” (filtração molecular e isoeletrofocalização Fig. 3; executadas no LQBB-Bioquímica-FPR) e a ministrei (1994?) como o ato de recepção ao Dr. Carlos Chaves Olortegui, da Fundação Ezequiel Dias ((Funed) de Belo Horizonte e que mais adiante se desempenhou como professor visitante da UFPR e como condutor principal das pesquisas nas toxinas do veneno da aranha.-marrom e cuja primeira realização de peso foi produzir um kit diagnóstico identificador de veneno de Loxosceles baseado na reação “ELISA” (ensaio no qual se revela a interação do tipo antígeno-anticorpo com a ação acessória de uma enzima geradora de uma reação de cor, facilitando a visualização do resultado positivo). Para a continuidade desse tipo de pesquisa, outro dirigente da UFPR, o Prof. Waldemiro Gremski foi buscar no Instituto Ludwig, da capital paulista, o competente Dr. Silvio Sanches Veiga, hoje um bem-sucedido orientador e pesquisador na Biologia Celular e Molecular da UFPR, conduzindo a abordagem própria de Biologia Molecular ou seja, clonagem de toxinas de Loxosceles para aplicações de interesse farmacêutico (lembrar que antes, a toxina botulínica das latas estufadas de salsicha era sinônimo de intoxicação e morte; hoje, é veículo de embelezamento na forma de injeção de botox).

Como ciência e tecnologia se estruturam também em história (nunca em estórias), ano passado aceitei prazerosamente o convite de dois entusiastas da Química Entomológica ou Entomologia Química, os Professores Francisco “TIC” de Assis Marques (Química-UFPR) e Eduardo “Duda” Ramires (Biologia UTP) para coordenar as ações globais de uma proposta ao edital de projetos Pronex (pesquisa de excelência) em chamamento da Fundação Araucária. Bem entendidos pelos juízes que julgaram nossa proposta os objetivos imediatos e futuros (estes embora com alguma margem de risco), a proposta foi aprovada ao final de 2003. O grupo proponente, agregado do biólogo Emanuel graças à pronta manifestação positiva tanto do novo diretor do CPPI (Dr. Rubens Gusso) quanto do próprio titular da Sesa-PR (Dr. Cláudio Xavier) e de mais parceiros caso da Professora Marta Fisher da PUCPR, Dr. César Lenz do Tecpar e de colegas da USP e Unicamp, além de 2 renomados cientistas (J. Millar da Universidade da Califórnia-Riverside e Y. Fukuyama da Universidade de Tokushima-Japão), estabeleceu objetivos de trabalho, os quais, além de intenso trabalho de rotina epidemiológica (e.g., monitoramento de jornadas de aplicação de pesticidas domissanitários em colaboração com a Associação Paranaense de Controladores de Pragas e Vetores (Aprav)) se hierarquizam na exploração de predadores naturais ou indutíveis (e.g., caso de outras aracnídeas como a aranha-cuspideira Scytodes globula (Fig. 4), a aranha-de-fenda Kukulcania hibernalis e da lagartixa Hemidactylus mabouia (Fig. 5), de bioativos repelentes e/ou fitopesticidas da flora nacional (e.g., limonóides de Meliáceas como inibidores da quitinogênese e arrefecedores do apetite) até a prospecção de semioquímicos ou compostos voláteis tais como os feromônios que se prestam à sinalização entre espécies animais, governando o comportamento, reprodução e modus operandi de insetos e artrópodos como a Loxosceles. Busca então tal projeto um elenco de ações inovadoras que efetivamente permitam além do monitoramento confiável um efetivo controle populacional da temível aranha. A crença é que gastos de prevenção são muito menores do que tratamento de acidentes loxoscélicos. A busca é por um controle integrado da praga, explorando o sinergismo entre metodologias que se complementem e aliviem a carga tóxico-poluente de pesticidas supradosados. Voltaremos com novidades no tema.

A propósito, resultados preliminares deste último enfoque foram levados no 22.º Congresso Internacional de Entomologia [1], de 15 a 21 de agosto de 2004 em Brisbane, na Austrália, ocasião em que o Prof. Ramires pode simultaneamente adiantar alguns resultados do projeto “Loxosceles-Pronex-PR” e se beneficiar do intercâmbio de idéias com especialistas de vários países.

Notas

[1] “Experimental evidence of semiochemicals modulating the behavior of Loxosceles intermedia, the brown spiderMello-Leitão, 1934 (Araneae: Sicariidae)” (UTP, UFPR, CPPI-SESA)

E N Ramires, F A Marques, J D Fontana, G M Fraguas, L G C Santos, E M Silva.

José Domingos Fontana

é pesquisador 1A do CNPq e 11.º Prêmio Paranaense de C&T (1996) é responsável pelo LQBB-Depto.Farmácia-UFPR e coordenador do projeto “Loxosceles-Pronex-PR” financiado pela Fundação Araucária-Seti-PR.

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